179 DIÁRIO OFICIAL DO ESTADO | SÉRIE 3 | ANO XVI Nº086 | FORTALEZA, 09 DE MAIO DE 2024 aos autos e esclarecimentos do perito responsável, ouvido como testemunha, é que a necessária legalidade quanto à lisura e procedimentos realizados estão presentes na prova produzida, e não há quaisquer indícios que possa ter havido manipulação ou erro nesta prova, não sendo assim suficiente o posicionamento do perito particular para a desconsideração da prova pericial produzida por órgão forense oficial, concluindo que esta é perfeitamente válida para o presente processo. A alegação apresentada de que o acusado não estava no local, uma vez que sua geolocalização apontava para deslocamento em local diferente não é suficiente para o convencimento pleiteado pela Defesa, uma vez que a geolocalização não demonstra o posicionamento do acusado em determinado local e horário, mas tão somente o posicionamento do aparelho eletrônico integrado à rede em determinado local e horário, não determinando quem portava tal aparelho. As declarações prestadas pela esposa do acusado devem ser analisadas em comparação com as demais provas acostadas aos autos, pois ainda que tenha relatado que no dia e horário dos fatos o acusado estava na sua residência e não no local relatado dos fatos, foi ouvida como testemunha não compro- missada, em que na condição de cônjuge não se exigiu o compromisso legal de se falar a verdade (art. 206, CPP). A escala de serviço do acusado colacionada aos autos refere que este estava de serviço no dia dos fatos, mas o início do serviço somente ocorreu em horário posterior aos fatos apurados (fl. 183V), não sendo então elemento comprobatório de que não estivesse no local e horário dos fatos apurados. Por fim, em sua defesa, o acusado negou veemente ser autor de disparos efetuados na vítima Adenilton, o que não coaduna com a prova válida do laudo que atestou que dois projéteis periciados saíram da arma acaute- lada em nome do acusado, do que se conclui que o acusado foi um dos autores dos disparos que levaram a óbito a vítima Adenilton no dia dos fatos, uma vez que alegou que jamais cedeu sua arma para outra pessoa; CONSIDERANDO que diante de todo o extenso resumo da instrução, bem como da detida análise e fundamentação feita no Relatório Final, que se encontra consonante com as provas dos autos, outra conclusão não se aplica senão acolher-se a sugestão de mérito da trinca processante, com todos os seus fundamentos, que passam a integrar a motivação da presente decisão, na forma do que preconiza o Art. 28-A, §4º, da Lei Complementar nº 98/2011, ou seja, restou a hipótese acusatória delineada na portaria inaugural plenamente demonstrada. Em suma, tendo-se acolhido a sugestão da Comissão Processante, não se faz mais necessário o exame de aspectos fáticos, cabendo, doravante, a análise de questões de direito concernentes à reprimenda disciplinar que o caso reclama; CONSIDERANDO que inicialmente cabe destacar que, no presente Processo Administra- tivo Disciplinar, a pretensão acusatória deduzida na portaria tem substrato fático que se amolda tanto a tipos penais, como se enquadra em transgressões disciplinares. Não obstante essa projeção do mesmo fato em instâncias punitivas distintas, o processo disciplinar não se presta a apurar crimes propriamente ditos, mas sim averiguar a conduta dos militares diante dos valores, deveres e disciplina de sua Corporação, à luz do regramento legal ao qual estão adstritos, e, consequentemente, sua capacidade moral para permanecer no serviço ativo; CONSIDERANDO que não obstante, no caso sub oculi, as transgressões disciplinares precípuas imputadas ao acusado se amoldam, conforme consta na Portaria, ao tipo penal de homicídio qualificado “mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe” e “à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido” (Art. 121, §2º, incs. I e IV do Código Penal Militar) e “promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa” (Art. 2º, §2º, da Lei nº 12.850/13); CONSIDERANDO que por força do disposto na norma de extensão do Art. 12, §1º, I, da Lei nº 13.407/03, são transgressões disciplinares os fatos compreendidos como crime, como se observa pela literalidade do texto legal: “[…] Art. 12. […] §1º. […] I - todas as ações ou omissões contrárias à disciplina militar, especificadas no artigo seguinte, inclusive os crimes previstos nos Códigos Penal ou Penal Militar […]”; CONSIDERANDO que como aqui se apuram transgressões disciplinares e não crimes, o único requisito exigido é que a ação ou omissão apurada contrarie a disciplina militar. Nesse sentido, pertinente a lição de José dos Santos Carvalho Filho ao diferenciar o ilícito administrativo do penal: “[…] São diversos os ilícitos penal, civil e administrativo, o que vai redundar na diversidade também da sua configuração. No Direito Penal, o legislador utilizou o sistema da rígida tipicidade, delineando cada conduta ilícita e a sanção respectiva. O mesmo não sucede no campo disciplinar. Aqui a lei limita-se, como regra, a enumerar os deveres e as obrigações funcionais e, ainda, as sanções, sem, contudo, uni-los de forma discriminada, o que afasta o sistema da rígida tipicidade. Nada impede, todavia, que o legislador estabeleça conduta dotada de tipicidade específica como caracterizadora de ilícito administrativo. Nesse caso, nenhum problema haverá quanto à punibilidade: esta ocorrerá ou não conforme tenha ou não ocorrido a conduta. Mas não é essa a regra do ilícito administrativo, como sucede em relação à ilicitude penal. Esta não admite os denominados tipos abertos, aceitos normalmente na esfera da Administração [...]”. (Carvalho Filho, José dos Santos. Manual de direito administrativo – 28. ed. rev., ampl. e atual. até 31-12-2014. – São Paulo: Atlas, 2015. p. 72) (grifou-se); CONSIDERANDO que diante da desnecessidade da tipicidade tal qual na esfera criminal, por força do Art. 12, §1º, da Lei nº 13.407/03, nada obsta que se analise o caso à luz do tipo penal, sem, contudo, que deixe de incidir responsabilização caso reste caracterizada violação a valores e deveres, mesmo que falte algum elemento do tipo criminal; CONSIDERANDO que noutros termos, não necessitamos que todos os dados para a configuração dos tipos penais estejam presentes para que tenha havido violação do estatuto disciplinar imposto aos acusados. A tipicidade é exigida em sua plenitude no campo penal. No âmbito administrativo, para caracterização de uma falta funcional, não se exige tal requisito; CONSIDERANDO que feita essa importante ressalva, e sendo a prova robusta e suficiente para confirmar que o acusado foi autor do homicídio da vítima Adenilton no dia 31/01/2019, tal transgressão denota, por si só, sem qualquer consideração a enquadramentos na esfera penal, um grau de reprovabilidade incompatível com a permanência do SD PM Luís Mardônio Moraes da Silva nas fileiras da PMCE; CONSIDERANDO que, em que pese este processado e sua representante legal tenham empreendido esforço argu- mentativo tentando construir uma narrativa de que o acusado só se tornou proprietário do veículo Corsa Classic preto após o homicídio da vítima Samuel, embora reconheçam que tais fatos teriam ocorrido no mesmo dia 03/02/2019, e que tenham alegado que a microcomparação balística realizada na arma acautelada em nome do acusado era inválida como prova, tal versão se mostrara dissociada de uma interpretação que conjugue logicamente todo o conjunto probatório colacionado aos autos pela Comissão Processante e pelas motivações apresentadas pela referida trinca de oficiais. Respeitado o devido processo legal, restou plenamente demonstrado que o acusado incorreu, na medida da respectiva culpabilidade, nas transgressões constantes na Portaria inaugural. Relevante salientar, nesse sentido, o disposto no art. 33 do Código Castrense, in verbis: “nas aplicações das sanções disciplinares serão sempre considerados a natureza, a gravidade e os motivos determinantes do fato, os danos causados, a personalidade e os antecedentes do agente, a intensidade do dolo ou o grau da culpa”. Assim, ante o conjunto probatório colhido, infere-se que o comportamento do acusado afetou o decoro policial militar, portanto, no âmbito admi- nistrativo, as condutas apresentadas pelo processado extrapolaram os limites da incompatibilidade com a função pública, alcançando a seara da desonra e ferindo o brio da classe, revelando que lhe falta condições morais necessárias ao exercício das funções inerentes ao policial militar. Portanto, presentes a materialidade e autoria transgressiva, estreme de dúvidas, a punição disciplinar capital é medida que se impõe, posto que os elementos colhidos durante a instrução formaram um robusto conjunto probatório, no sentido da comprovação da culpabilidade do acusado da conduta disposta no raio apuratório; CONSI- DERANDO que, deste modo, ao contrário do que pontuou a Defesa, o patamar probatório exigido para a condenação foi, com a segurança jurídica e nível de certeza que o caso requer, atingido; CONSIDERANDO que esgotada a análise das questões fáticas e de direito, tendo restando confirmada integralmente a hipótese acusatória em relação ao aconselhado, bem como diante das ponderações da Comissão Processante, que se encontram consonantes com as provas dos autos, outra solução não se aplica senão acolher-se a sugestão de mérito, razão pela qual se entende que o acusado não reúne capacidade moral para permanecer no serviço ativo militar; CONSIDERANDO que tais ilícitos ensejam ao acusado a sanção de Expulsão, nos moldes do Art. 24, pela praticar atos desonrosos e ofensivos ao decoro profissional, conforme previsão da Lei nº 13.407/03, uma vez que a Administração Pública não pode ser tolerante com a execução de homicídio em ação coordenada com grupo armado com o fim de práticas criminosas, em que a vítima Adenilton não teve chance de defesa, posto tal ação denotar além de conduta de natureza desonrosa inaceitável para um agente responsável por garantir a Segurança Pública da sociedade alenca- rina, também foi atentatório ao Estado, bem como aos Direitos Humanos fundamentais; CONSIDERANDO que a falta funcional objeto da acusação, agora tida por confirmada, atenta ainda contra Polícia Militar, instituição secular pautada na legalidade e na defesa da sociedade mediante a preservação da ordem pública, na qual, ao ingressar, o aconselhado assumiu o compromisso, em caráter solene, de regular suas condutas pelos preceitos da moral, juramento que foi descumprido de modo irreconciliável com a manutenção no cargo; CONSIDERANDO que, sem embargo, a gravidade de fatos como esses exigem uma atuação efetiva do poder disciplinar, resguardando a expectativa social de que a Administração Pública tem compromisso com a atuação proba de seus agentes e não admite condutas ilícitas que violem frontalmente a finalidade originária da Polícia Militar do Ceará e da Administração em sentido amplo. Acresça-se que, além do caráter retributivo, a sanção deve ter um efeito dissuasivo no sentido de contribuir para que novas faltas desta ordem não se repitam, isto é, tenha uma função preventiva na manutenção da disciplina e do pundonor castrense. Em arremate, justifica-se a punição de expulsão ante a aviltante violação dos valores republicanos de atuação conforme a lei e o direito, bem como de padrões éticos exigidos ao militar estadual. Destarte, os atos ilícitos comprovados neste Processo Regular revelam patente incompatibilidade com a função militar estadual, destacando-se a notória natureza desonrosa e atentatória ao Estado e aos Direitos Humanos fundamentais, o que se enquadra no Art. 12, §2º, I, II e III, da Lei nº 13.407/03. Essa natureza desonrosa e a gravidade dos fatos são ainda levados em consideração como circunstância desfavorável ao acusado, segundo o Art. 33 da mesma Lei; CONSIDERANDO que mesmo levando-se em conta os assentamentos funcionais do (fls. 170/173), a gravidade dos fatos por ele praticado não elide a consequência disciplinar ora imposta, isto é, mesmo que se leve em conta os antecedentes do agente, não há como afastar a incidência da sanção demissória. Neste sentido, vide precedente do STJ: “[…] o fato de os servidores terem prestado anos de serviços ao ente público, e de terem bons antecedentes funcionais, não é suficiente para amenizar a pena a eles impostas se praticadas, como no caso, infrações graves a que a lei, expressamente, prevê a aplicação de demissão [...]” (STJ, MS 12.176/DF, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Terceira Seção, DJe de 08/11/2010); CONSIDERANDO que a presente conclusão está de acordo com o enunciado contido no § 4º do Art. 28-A, da Lei Complementar nº 98, de 13/06/2011, in verbis: “[…] O Controlador-Geral de Disciplina após o recebimento do processo profe- rirá a sua decisão. (…) § 4º O julgamento acatará o relatório da comissão, salvo quando contrário às provas dos autos […]”; CONSIDERANDO que não se vislumbrou neste processo qualquer óbice ou vício de formalidade, de modo que, por isto, concordo com a pertinente análise feita pela Célula de Processo Regular Militar – CEPREM/CGD (fls. 390/391), com ratificação integral do entendimento da Comissão Processante de que o acusado é culpado das acusa- ções e está incapacitado de permanecer no serviço ativo da PMCE, e pela pela Coordenação de Disciplina Militar - CODIM/CGD (fls. 392/393), que não identificou nenhuma causa de nulidade no presente Processo Administrativo Disciplinar e homologou o entendimento da Comissão Processante; CONSI- DERANDO por tudo exposto, instruído o devido processo legal, respeitando-se a garantia da ampla defesa e do contraditório, e apresentadas as razões deFechar