DOU 04/06/2024 - Diário Oficial da União - Brasil

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Nº 105, terça-feira, 4 de junho de 2024
ISSN 1677-7042
Seção 1
4. Inocorrência de violação ao princípio da proporcionalidade na restrição de
aplicabilidade imposta pela Lei n° 12.690/12. Exceção que observar padrões técnicos e
racionais.
5. Ressalvadas as hipóteses de flagrante ilegalidade, abuso de poder ou
teratologia, impõe-se ao Poder Judiciário autocontenção em relação às opções políticas do
parlamento e órgãos especializados, sobretudo na ausência de demonstração concreta da
desproporcionalidade na legislação (RE 1.359.139, Tema n° 1.231/RG, Tribunal Pleno,
Ministro Luiz Fux, DJe de 8 de setembro de 2022; ADI 6.362, Tribunal Pleno, Ministro Ricardo
Lewandowski, DJe de 9 de dezembro de 2020).
6. O Poder Judiciário deve atuar de forma autocontida na análise de leis que
instituem restrições de forma técnica e fundamentada, não podendo almejar a substituição
de opções legislativas e administrativas legítimas por suas próprias convicções ideológicas. Há
um imperativo de humildade no exercício da função jurisdicional, condizente com o
reconhecimento de que, em certas matérias, os juízes não necessariamente detêm as
adequadas condições epistêmicas, políticas ou institucionais para dar a palavra final
(SUNSTEIN, Cass R. A constitution of many minds: why the founding document doesn't mean
what it meant before. Princeton University Press, 2009).
7. É compatível com a Constituição a restrição efetuada pelo legislador ordinário
no inc. III, do parágrafo único, da Lei n° 12.690/12.
8. Ação Direita de Inconstitucionalidade, cujo pedido julga-se improcedente.
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 5.355
(4)
ORIGEM
: ADI - 5355 - SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
P R O C E D.
: DISTRITO FEDERAL
R E L AT O R
: MIN. LUIZ FUX
R EQ T E . ( S )
: PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA
I N T D O. ( A / S )
: PRESIDENTE DA REPÚBLICA
P R O C . ( A / S ) ( ES )
: ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO
I N T D O. ( A / S )
: CONGRESSO NACIONAL
P R O C . ( A / S ) ( ES )
: ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO
AM. CURIAE.
: SINDITAMARATY - SINDICATO NACIONAL DOS SERVIDORES DO MINISTÉRIO
DAS RELAÇÕES EXTERIORES
A DV . ( A / S )
: RUDI MEIRA CASSEL (22256/DF)
AM. CURIAE.
: ASSOCIAÇÃO DOS FAMILIARES DE SERVIDORES DO ITAMARATY - ASFI
A DV . ( A / S )
: LIANA FERNANDES DE JESUS (00116830/RJ)
Decisão: Após os votos dos Ministros Luiz Fux (Presidente e Relator), Nunes
Marques, Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Roberto Barroso, Rosa Weber, Cármen Lúcia,
Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski, que conheciam da ação direta e julgavam procedente o
pedido formulado, para declarar a inconstitucionalidade do art. 69 da Lei n. 11.440/2006, o
julgamento foi suspenso. Falaram: pelo requerente, o Dr. Humberto Jacques de Medeiros, Vice-
Procurador-Geral da República; pelo interessado Presidente da República, o Ministro Bruno
Bianco, Advogado-Geral da União; e, pelo amicus curiae Associação dos Familiares de
Servidores do Itamaraty - AFSI, a Dra. Juliana Santos Silveira. Plenário, 10.11.2021.
Decisão: O Tribunal, por unanimidade, conheceu da ação direta e julgou procedente
o pedido formulado, para declarar a inconstitucionalidade do art. 69 da Lei n. 11.440/2006, nos
termos do voto do Relator, Ministro Luiz Fux (Presidente). Plenário, 11.11.2021.
Ementa: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTIGO 69 DA LEI FEDERAL
11.440/2006, QUE INSTITUIU O REGIME JURÍDICO DOS SERVIDORES DO SERVIÇO EXTERIOR
BRASILEIRO - SEB. PROIBIÇÃO DO EXERCÍCIO PROVISÓRIO DE SERVIDOR PÚBLICO
LICENCIADO PARA ACOMPANHAR O CÔNJUGE EM UNIDADE ADMINISTRATIVA DO
MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES NO EXTERIOR. INCONSTITUCIONALIDADE.
VIOLAÇÃO À ISONOMIA, À ESPECIAL PROTEÇÃO DO ESTADO À FAMÍLIA, À IGUALDADE NAS
RELAÇÕES FAMILIARES, À NÃO DISCRIMINAÇÃO INDIRETA, AO DIREITO SOCIAL AO
TRABALHO E À EFICIÊNCIA ADMINISTRATIVA. ARTIGOS 1º, IV, 5º, 6º E 226 DA CONSTI T U I Ç ÃO
FEDERAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE CONHECIDA E JULGADO PROCEDENTE
O PEDIDO.
1. O artigo 69 da Lei 11.440/2006, ao excepcionar as unidades administrativas do
Ministério das Relações Exteriores no exterior do exercício provisório previsto no Estatuto dos
Servidores, viola a isonomia, a especial proteção do Estado à família, o princípio da não
discriminação, o direito social ao trabalho e a eficiência administrativa, preceitos previstos nos
artigos 1º, IV; 5º, caput; 6º; e 226, caput, da Constituição da República.
2. O exercício provisório, conferido na licença concedida ao servidor público da
União, das autarquias e das fundações públicas federais, em razão de deslocamento de seu
cônjuge para localidade distinta, na hipótese em que ambos são servidores públicos e desde
que respeitada a compatibilidade da atividade com o cargo exercido, visa a preservação da
estrutura familiar, diante de transferências de domicílio motivadas pelo interesse do serviço
público.
3. A compatibilidade entre a atividade a ser exercida e o cargo ocupado pelo
servidor, instituída como razão suficiente de discrímen na ressalva final do artigo 84, §2º, da Lei
8.112/90, assegura a isonomia entre servidores públicos federais e servidores do Serviço Exterior
Brasileiro - SEB, porquanto "as discriminações são recebidas como compatíveis com a cláusula
igualitária apenas e tão-somente quando existe um vínculo de correlação lógica entre a
peculiaridade diferencial acolhida por residente no objeto, e a desigualdade de tratamento em
função dela conferida, desde que tal correlação não seja incompatível com interesses
prestigiados na Constituição." (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. O conteúdo jurídico do
princípio da igualdade. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1984, p. 17).
4. A execução de política exterior do Brasil por agentes do Serviço Exterior
Brasileiro, cuja complexidade e a sensibilidade justificam a submissão a um regime jurídico
estatuário especial e, apenas subsidiariamente, ao regime jurídico dos demais servidores
públicos civis, não exaure as atividades de natureza diplomática e consular, como
representação, negociação, informação e proteção de interesses brasileiros, desempenhadas
em unidades administrativas do Itamaraty no exterior.
5. In casu, o dispositivo sub examine viola a isonomia, ao discriminar, dentre os
servidores públicos federais que sejam cônjuges e companheiros de outros servidores públicos
civis ou militares, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios, aqueles cujos respectivos pares são agentes do SEB lotados nas unidades
administrativas do
Ministério das Relações Exteriores
no exterior, para
além da
compatibilidade entre as atividades.
6. A Constituição da República de 1988 reconheceu a família como base da
sociedade, atribuindo status constitucional ao dever de o Estado amparar as relações familiares
de modo amplo e efetivo (artigo 226 da CRFB).
7. A efetividade da proteção constitucional à família impede o Estado de impor
escolhas trágicas a quem pretende constituir família, bem como repudia interpretações que
restrinjam a convivência familiar, mercê da precedência da tutela da família sobre o interesse
da Administração Pública na observância de normas legais de lotação funcional. Precedente:
MS 21893, Relator Min. Ilmar Galvão, Tribunal Pleno, DJ 02-12-1994.
8. A igualdade nas relações familiares, expressa no artigo 226, §5º, da Constituição,
rompe com a estrutura familiar que viabiliza relações de submissão e dependência, porquanto a
questão de quem aufere renda na família, ou como essa renda é compartilhada, relaciona-se de
forma bastante direta com a distribuição de poder e influência no seio familiar (OKIN, Susan
Moller. Justice, Gender and the Family. Basic Books: Nova Iorque, 1989. p. 135).
9. O artigo 69 da Lei 11.440/2006, ao subtrair de um dos cônjuges a possibilidade
de coparticipação nas obrigações financeiras do lar, viola a igualdade nas relações familiares, o
que perpetua a desigualdade social na distribuição dos papeis sociais entre homens e
mulheres. Para que a escolha desse papel de abdicação de ambições profissionais para
acompanhamento do cônjuge se traduza em exercício de liberdade, é necessário superar a
dualidade da construção social, segundo a qual desejos, preferências, ações e escolhas são tão
socialmente construídos quanto as condições externas que os restringem ou viabilizam. A
expressão de Nancy Hirschmann destaca "o sexismo frequente da teoria da liberdade,
precisamente porque essas experiências frequentemente se encontram na encruzilhada entre a
ideologia iluminista de agência e escolha e as práticas modernas de sexismo" (HIRSCHMANN,
Nancy J. The subject of liberty: Toward a feminist theory of freedom. Princeton University Press,
2009. p. 48-49).
10. Apenas 23% do quadro de diplomatas do Itamaraty é composto por mulheres,
segundo dados oficiais do Ministério das Relações Exteriores de 2019, estatística que reflete
uma triste consequência da discriminação indireta que recai sobre as mulheres que aspiram
à carreira diplomática. A discriminação indireta ou, mais especificamente, a disparate impact
doctrine, desenvolvida na jurisprudência da Suprema Corte dos Estados Unidos a partir do
caso Griggs v. Duke Power Co., caracteriza-se pelo impacto desproporcional que a norma
exerce sobre determinado grupo já estigmatizado e, portanto, seu efeito de acirramento de
práticas discriminatórias, independentemente de um propósito discriminatório (CORBO,
Wallace. Discriminação Indireta. Lumen Juris: Rio de Janeiro, 2017. p. 123).
11. In casu, ao impedir o exercício provisório do servidor na licença para
acompanhamento de cônjuges no exterior, o dispositivo sub examine atenta contra a
proteção constitucional à família e hostiliza a participação feminina em cargos diplomáticos,
ao lhe impor um custo social que ainda não recai sobre os homens em idêntica situação.
12. O direito social ao trabalho, consagrado na Constituição Federal em seus
artigos 1º, IV, 6º, e 170, constitui, a um só tempo, elemento fundamental da identidade e
dignidade humanas, ao permitir a realização pessoal plena do sujeito como indivíduo e o
pertencimento a um grupo; caráter instrumental, ao viabilizar, pela retribuição pecuniária, o
gozo de outros direitos básicos; e natureza pública de integração socioeconômica, ao atribuir
ao trabalhador um papel ativo no desenvolvimento nacional.
13. A inserção do direito social do trabalho como fundamento da República
Federativa do Brasil, juntamente com o valor social da livre iniciativa, explicita ao legislador e
aos intérpretes as valorações políticas fundamentais da Constituição, como princípio político
constitucionalmente conformador (GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição
de 1988. Malheiros: São Paulo, 2002, p. 240).
14. A possibilidade de aproveitamento dos cônjuges e companheiros de servidores
do Ministério das Relações Exteriores promove vantagens para a Administração Pública,
aumentando a eficiência administrativa, ao tornar mais atrativas tanto a carreira diplomática
quanto o serviço público.
15. A dignidade auferida pela realização profissional e pela contribuição ao serviço
público exorbita a correspondente retribuição pecuniária, aspecto sabidamente essencial dessa
dignificação, razão pela qual os benefícios pagos aos agentes do SEB, com vistas a mitigar os
prejuízos financeiros decorrentes da impossibilidade de trabalho do cônjuge no exterior ou de
do afastamento do agente de sua família, não têm o condão de neutralizar a ofensa ao
princípio do valor social do trabalho.
16. Ação direta de inconstitucionalidade conhecida e julgado procedente o pedido,
para declarar a inconstitucionalidade do artigo 69 da Lei federal 11.440/2006.
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 7.491
(5)
ORIGEM
: 7491 - SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
P R O C E D.
: C EA R Á
R E L AT O R
: MIN. ALEXANDRE DE MORAES
R EQ T E . ( S )
: PROCURADOR-GERAL DA REPÚBICA
I N T D O. ( A / S )
: ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO CEARÁ
A DV . ( A / S )
: PROCURADOR-GERAL DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO CEARÁ
I N T D O. ( A / S )
: GOVERNADOR DO ESTADO DO CEARÁ
P R O C . ( A / S ) ( ES )
: PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DO CEARÁ
Decisão: O Tribunal, por unanimidade, julgou procedente a presente ação direta,
para conferir interpretação conforme à Constituição ao art. 2º da Lei 16.826/2019 do Estado do
Ceará, a fim de afastar qualquer exegese que admita restrição à participação de candidatas do
sexo feminino nos concursos públicos para preenchimento de cargos e funções da área da
segurança pública do Estado do Ceará, e modulou os efeitos da decisão para que sejam
preservados os concursos para preenchimento de cargos e funções da área da segurança
pública já finalizados quando da publicação da ata do presente julgamento. Tudo nos termos
do voto do Relator. Plenário, Sessão Virtual de 3.5.2024 a 10.5.2024.
Ementa: CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. ART. 2º DA LEI 16.826/2019, DO
ESTADO DO CEARÁ. LIMITAÇÃO DE CANDIDATAS DO GÊNERO FEMININO EM CONCURSOS
PÚBLICOS NA ÁREA DE SEGURANÇA PÚBLICA. AUSÊNCIA DE JUSTIFICATIVA. OFENSA À
IGUALDADE DE GÊNERO.
1. As legislações que restringem a ampla participação de candidatas do sexo feminino,
sem previsão legal e legitimamente justificadas, caracterizam afronta à igualdade de gênero.
2. A norma impugnada possibilita a exclusão da participação de mulheres na
concorrência pelo total das vagas oferecidas nos concursos públicos para as carreiras da área
de segurança pública do Estado do Ceará.
3. As legislações que restringem a ampla participação de candidatas do sexo
feminino em concursos públicos caracterizam afrontam o princípio da igualdade (CF, art. 5º).
Precedentes específicos desta SUPREMA CORTE.
4. A lei não poderá estabelecer critérios de distinção entre homens e mulheres para
acesso a cargos, empregos ou funções públicas, inclusive os da área de segurança pública, exceto
quando a natureza do cargo assim o exigir, diante da real e efetiva necessidade.
5. A participação feminina na formação do efetivo das áreas de segurança pública
deve ser incentivada mediante ações afirmativa.
6. A norma impugnada confere espaço interpretativo que permite restrição ao
acesso de candidatas do sexo feminino à totalidade das vagas ofertadas, sem qualquer
justificativa real e tecnicamente demonstrada. É vedada a interpretação que legitime a

                            

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