DOU 23/07/2024 - Diário Oficial da União - Brasil

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Nº 140, terça-feira, 23 de julho de 2024
ISSN 1677-7042
Seção 1
negados, reiterando a regularidade e validade da notificação e destacando que a operação
não apresenta preocupações concorrenciais.
Em 17/07/2024 a Recorrente apresentou nova manifestação (SEI 1416400)
alegando que a 3R Offshore, em sua manifestação de 15/07/2024 (SEI 1415058), alterou
a qualificação da operação para "aquisição de participação", divergindo do que consta
originalmente no Formulário de Notificação ("aquisição de ativos"). A Recorrente alega que
o "Consórcio Papa Terra" seria uma invenção da 3R Offshore, uma vez que "todos os
ativos do campo de petróleo operado pelas partes são detidos em conjunto por elas em
regime de condomínio ou co-propriedade, não havendo qualquer empresa intermediária,
seja uma sociedade de propósito específico ("SPE") seja uma sociedade de qualquer tipo
que detenha a propriedade de tais ativos". Desse modo, a inexistência de sociedade
formalmente constituída impossibilitaria a realização de uma aquisição de participação
acionária. Alega também que o precedente citado na referida manifestação da 3R
Offshore,[1] não se aplica ao presente caso por se tratar de operação de exercício de
direito de alienação de ações expressamente autorizada por decisão judicial, enquanto
nesta Operação o direito de cessão compulsória ainda não foi reconhecido por decisão
judicial, arbitral ou regulatória. Por fim, argumenta possuir legitimidade e interesse para
recorrer da decisão da SG/Cade e nega que o recurso apresentado tem como objetivo de
causar danos reputacionais à 3R Offshore ou a sua controladora, uma vez que as
informações apresentadas são públicas e de conhecimento do mercado.
Mediante sorteio ocorrido na 311ª Sessão Ordinária de Distribuição ("SOD"),
este processo foi distribuído à minha Relatoria (SEI 1412925), sendo publicada no Diário
Oficial da União em 11/07/2024. O prazo para emissão de despacho de conhecimento do
recurso finda, portanto, em 18/07/2024, nos termos do artigo 130, caput, do Regimento
Interno do Cade.
II. DO CONHECIMENTO DO RECURSO INTERPOSTO
De acordo com os precedentes do Cade[2] e doutrina[3], existem fatores
extrínsecos e intrínsecos relevantes para a análise dos recursos apresentados ao Tribunal.
Os requisitos extrínsecos compreendem: (i) tempestividade; (ii) preparo; e (iii) regularidade
formal. Os requisitos intrínsecos incluem: (i) cabimento; (ii) ausência de impedimento ao
recurso (desistência, renúncia ou aquiescência); (iii) legitimidade para recorrer; e (iv)
interesse em recorrer;
Uma vez que os requisitos processuais são cumulativos, o atendimento de cada
um deles é condição necessária para sua admissibilidade. Passa-se, assim, à análise
detalhada dos requisitos mencionados:
Tempestividade: o recurso foi apresentado no dia 05/07/2024, dentro,
portanto, do prazo de 15 (quinze) dias estabelecido no artigo 65 da Lei nº 12.529/2011;
Preparo: não há previsão na Lei nº 12.529/2011 ou no Regimento Interno do
Cade de recolhimento de preparo para interposição de recursos perante decisão de
aprovação de ato de concentração pela SG/Cade, de modo que não se faz necessário;
Regularidade formal: conforme do Despacho Decisório (SEI 1388545) emitido
no Ato de Concentração n° 08700.004702/2023-81 (International Consolidated Airlines
Group/Air Europa)[4] , para estar configurada a regularidade formal do recurso, é
necessário apenas que este contenha as razões de fato e direito que o motivem. Portanto,
entendo que a Recorrente apresentou manifestação que atende aos requisitos de
regularidade formal.
Cabimento: os recursos são aplicáveis conforme o artigo 65, I, da Lei nº
12.529/2011 c/c artigo 122, I, que estabelecem que é admissível recurso ao Tribunal do
Cade contra a decisão da SG/Cade que aprova um Ato de Concentração. Dado que a
decisão é recorrível, tem-se o cabimento do recurso nesse caso;
Ausência de impedimento ao recurso (desistência, renúncia ou aquiescência):
não há desistência ou renúncia ao direito de recorrer verificadas nos autos;
Legitimidade para recorrer: a Recorrente defende uma interpretação ampliativa
dos indivíduos habilitados para interpor recurso conforme estipulado no artigo 65, I, da Lei
nº 12.529/2011[5], em consonância com o artigo 58, I e II, da Lei nº 9.784/1999 (Lei de
Processo Administrativo). Tendo em vista que atualmente a NTE ainda é detentora e titular
dos ativos do Negócio-Alvo e, em razão das particularidades do caso[6], entendo que ela
possui legitimidade para recorrer;
Interesse recursal: conforme a jurisprudência do Cade, o interesse em recorrer
é determinado pelo binômio necessidade-adequação. A adequação refere-se à capacidade
do recurso de modificar a decisão contestada, sendo eficaz em alterar o possível prejuízo
decorrente da aprovação incondicional do ato de concentração. Por sua vez, a necessidade
emerge de prejuízo ao direito difuso da concorrência mantido pela decisão recorrida,
embora esteja motivado por interesse particular. No caso concreto, considera- se que o
interesse recursal está intrinsecamente ligado às alegações da Recorrente, que serão
analisadas preliminarmente e parcialmente abaixo para, ao final, concluir a análise de
conhecimento do recurso. Passo, portanto, à análise preliminar das alegações da
Recorrente.
A Recorrente argumenta que, do ponto de vista formal, a notificação deste Ato
de Concentração foi feita ao Cade pela 3R Offshore de maneira totalmente irregular e
ilegal. A 3R Offshore teria formulado seu pleito ao Cade de forma unilateral e sem
qualquer participação da parte que seria justamente a detentora dos ativos objeto da
operação, que é a NTE, ora Recorrente, o que representaria, segundo a Recorrente,
violação ao texto literal do art. 88 da Lei nº 12.529/2011, segundo a qual os atos de
concentração econômica "serão submetidos ao Cade pelas partes envolvidas na operação",
resultando disso a completa nulidade de todo o processo.
Em relação à suposta irregularidade na notificação do ato de concentração por
ausência de litisconsorte administrativo necessário, a Recorrente alega nulidade do ato de
concentração em razão de suposta submissão unilateral de notificação ao Cade pela 3R
Offshore, sem qualquer participação da NTE.
A Recorrente aponta que a NTE, sendo a detentora dos ativos em questão,
deve ser considerada parte essencial no processo, cuja ausência compromete a validade do
ato de concentração. Tal omissão poderia configurar uma violação ao disposto no art. 88
da Lei nº 12.529/2011, que determina a submissão dos atos de concentração econômica
ao Cade pelas partes envolvidas na operação.
Cumpre ressaltar que a ausência de participação de uma parte da relação
contratual na submissão do Formulário de Notificação não configura, por si só,
irregularidade. O art. 110, § 1º, do Ricade excepciona a necessidade de notificação pelos
dois lados ao usar a expressão "sempre que possível". Há diversos precedentes analisados
pelo Cade tendo como requerentes apenas os compradores e a empresa objeto[7], assim
como atos de concentração aprovados submetidos unilateralmente à esta autarquia[8].
Como exemplo disso, cito o Despacho da Presidência nº 125/2020 (SEI 0780326), emitido
no âmbito da análise pedido de intervenção do terceiro interessado no Ato de
Concentração nº 08700.002860/2020-54 (LSF10/Natixis New York Branch/Atvos), referente
à aquisição, pela LSF10 Brazil U.S. Holdings ("LSF10"), de direitos e propriedade sobre
ações da Atvos Agroindustrial Investimentos S.A. ("Atvos").[9] A NTE argumenta que o
precedente não se aplica ao caso em questão, pois tratava de uma alienação de ações em
um processo de recuperação judicial com decisão judicial expressa, o que não existe
aqui.
Tais precedentes indicam que o Cade não identificou prejuízo na aprovação
dessas operações anteriores, de modo que o processo administrativo não pode ser
paralisado ou prejudicado por questões não relacionadas à legislação de defesa da
concorrência e que não afetam o resultado final ou os direitos das partes envolvidas.
Especificamente no caso em tela, entretanto, a manifestação da Recorrente alega possíveis
prejuízos à análise do Cade decorrentes da notificação unilateral do ato de concentração
em discussão, a qual prescindiu da participação da parte atualmente detentora dos ativos
objeto da Operação, a NTE, o que exige, neste caso, uma análise mais aprofundada sobre
a questão.
Entre outros pontos, a inclusão do "Consórcio Papa-Terra", figura sem
personalidade jurídica, como requerente do ato de concentração junto à 3R Offshore, é
objeto de controvérsia no presente caso e demanda explicações mais aprofundadas por
parte da 3R Offshore.
A Recorrente também levanta a
questão da omissão de informações
relevantes, incluindo a existência de uma disputa arbitral em curso. A alegada omissão da
Requerente sobre a existência de disputa específica em processo arbitral perante a London
Court of International Arbitration - LCIA quanto à cessão dos ativos da NTE para a 3R
Offshore parece útil no caso concreto para avaliar se alteraria o entendimento acerca da
concretude do ato de concentração notificado. Reforça-se que a análise de contencioso
entre as partes que condiciona a consumação da operação não é de competência deste
Conselho, mas há aspectos relacionados à existência da lide especificamente nesse caso -
não informadas na submissão do formulário de notificação - que demandam
aprofundamento deste Tribunal para que se forme convicção acerca da materialidade do
ato de concentração.
A inexistência da operação devido à ausência de acordo constitui um dos
principais argumentos da Recorrente, fundamentado em violações legais e processuais. A
Recorrente alega que a notificação ao Cade foi feita sem qualquer acordo prévio com a
NTE e sem decisão regulatória, judicial ou arbitral que reconhecesse o direito da 3R
Offshore de "expropriar" os ativos da NTE. Este comportamento representa, na visão da
Recorrente, uma tentativa de transferência compulsória de ativos, desprovido de
legalidade. Por conseguinte, a NTE solicita o reconhecimento das ilegalidades apontadas,
resultando no arquivamento do ato de concentração sem conhecimento de mérito e a
imposição de penalidades à 3R Offshore.
Quanto à alegação de inexistência da Operação em razão da ausência de
acordo que ampare a aquisição de ativos pela 3R Offshore, nota-se que o Formulário de
Notificação foi submetido ao Cade junto de Carta de Notificação (SEI 1399068 e 1399069),
que faz referência ao Acordo de Operação Conjunta ("JOA"). Segundo a 3R Offshore, o JOA
seria um "instrumento jurídico privado que rege o Consórcio Papa-Terra" e um
"instrumento particular típico da indústria de óleo e gás que tem o propósito de
estabelecer as regras de governança da parceria." (SEI 1415058). Destaco que até o
momento não foi apresentado a esta autoridade pela 3R Offshore neste processo o Acordo
de Operação Conjunta ("JOA").
Segundo a Recorrente, a 3R Offshore teria apresentado informações omissivas
e tendenciosas ao Cade, induzindo a autarquia a erro. A narrativa proposta pela 3R
Offshore de uma "aquisição de ativos" seria, ainda segundo a NTE, desprovida de realidade
factual e jurídica, pois não haveria acordo que ampare essa aquisição. A notificação ao
Cade, desprovida de um acordo concreto e vinculante, transformaria, de acordo com a
NTE, o pleito da 3R Offshore em mera conjectura, desprovida de substância jurídica e
operacional. Em sua manifestação de 17 de julho de 2024, a NTE indicou ainda contradição
substancial na descrição da operação pela 3R Offshore. Originalmente apresentada no
Formulário de Notificação como uma "aquisição de ativos" detidos pela NTE relacionados
à participação em um consórcio para produção e exploração de óleo e gás, a operação
teria sido posteriormente redefinida pela 3R Offshore, em sua manifestação de 15 de
julho, como uma "aquisição de participação".
A análise dos argumentos apresentados
revela a necessidade de um
aprofundamento da interpretação da legislação de defesa da concorrência. O recurso
interposto pela NTE aponta violações que requerem uma avaliação pelo Tribunal do Cade,
inclusive no que tange à inexistência de um acordo capaz de conferir materialidade à
Operação[10], condição relevante para a chancela da operação de concentração
econômica proposta. Desse modo, entendo que as questões levantadas pelo recurso da
NTE, incluindo a interpretação dos dispositivos legais aplicáveis e a análise das supostas
omissões e informações tendenciosas apresentadas pela 3R Offshore, demandam um
exame pelo Tribunal do Cade.
A NTE também sustenta que a SG/Cade teria se baseado em informações
tendenciosas e incompletas apresentadas pela 3R Offshore, o que teria configurado uma
clara violação ao art. 91 da Lei nº 12.529/2011. Segundo a Recorrente, a 3R Offshore
omitiu documentos e informações relevantes. Tal omissão, segundo a NTE, impede a
formulação válida do requerimento à autarquia. A NTE requer que sejam reconhecidas as
ilegalidades e nulidades apontadas, resultando na imposição à 3R Offshore da penalidade
prevista no art. 91 da Lei nº 12.529/2011. Em contrapartida, a 3R Offshore rebate que as
alegações de omissão ou enganosidade nas informações apresentadas ao Cade são
infundadas. Afirmam que a notificação foi baseada em documentos devidamente
apresentados ao Cade e em informações de mercado disponíveis em fontes públicas. Ainda
que se reconheça que são realizadas aprovações de atos de concentração enquanto
contenciosos privados estão em curso e que os Anexos I e II da Resolução nº 33/2022
(formulários de notificação ordinário e sumário) sequer exigem essa informação, fato é
que no caso concreto o Recorrente apresentou argumentos que poderiam alterar o
entendimento do Cade em questões formais relacionadas à legislação de defesa da
concorrência, de modo que parece salutar à formação de convicção do Tribunal do Cade
maiores esclarecimentos.
Em vista do exposto, entendo que o recurso administrativo deva ser conhecido
para que se possa realizar a devida análise dos argumentos apresentados. Não se está
deixando de reconhecer que conflitos entre as partes devem ser solucionados em âmbito
privado, sendo a análise do Cade restrita aos parâmetros previstos na legislação, como
aspectos concorrenciais e a análise de existência do ato de concentração. Fato é, contudo,
que especificamente nesse caso, os argumentos apresentados pela Recorrente, se
eventualmente forem reputados procedentes, podem alterar o entendimento acerca de
existência do ato de concentração e demandam maior aprofundamento pela
Requerente.
Reconhece-se que o Cade não serve como fórum para a resolução de disputas
privadas. No caso concreto, contudo, faz-se necessário um aprofundamento para avaliar se
o negócio jurídico apresentado para análise e julgamento possui concretude suficiente
para garantir às partes o direito subjetivo à análise sob o prisma antitruste.
Diante disso, conclui-se, em análise preliminar, que a argumentação da
Recorrente envolve potenciais prejuízos e a interpretação da legislação de defesa da
concorrência, configurando, assim, interesse recursal. Saliento que o Recorrente suscitou
questionamentos no Tribunal do Cade, reforçando a necessidade percebida pelo colegiado
de que uma decisão de conhecimento seria necessária para a atenção devida às
especificidades do caso e a formação de uma convicção colegiada.
Desse modo, decido pelo conhecimento do Recurso apresentado para que seja
esclarecido e aprofundado pela Requerente, ao menos, os seguintes pontos:
i. efetiva existência de um ato de concentração, provido de materialidade,
tendo em vista a submissão de documento unilateral e não vinculante;
ii. regularidade na notificação do ato de concentração, em razão da alegação
da Recorrente de ausência de litisconsorte administrativo necessário;
iii. adequação do "Consórcio Papa-Terra" como requerente do ato de
concentração junto à 3R Offshore; e
iv. ausência de procedência das alegações relacionadas ao art. 91 da Lei nº
12.529/2011.
Finalmente, com o espírito de preservar a transparência dos procedimentos
desta autarquia, segurança jurídica aos administrados e previsibilidade das orientações
deste Tribunal em matéria de notificação de atos de concentração, saliento que a presente
decisão de conhecimento advém das particularidades do caso concreto e da existência de
um recurso que efetivamente demonstra possíveis prejuízos e questões de interpretação
da legislação de defesa da concorrência. Esta decisão, contudo, não deve, em hipótese
alguma, ser entendida como uma legitimação de estratégias destinadas a instrumentalizar
esta autarquia para onerar a realização de operações ou retardar sua aprovação por partes
insatisfeitas em decorrência de questões privadas. Ressalto, mais uma vez, que a ausência
da participação de uma das partes envolvidas na relação contratual durante a submissão
do Formulário de Notificação não constitui, necessariamente, uma irregularidade. Existem
inúmeros precedentes analisados pelo Cade nos quais apenas os compradores e a empresa
alvo figuram como requerentes, bem como atos de concentração aprovados que foram
submetidos unilateralmente a esta autarquia.
III. CONCLUSÃO
Por todo o exposto, com fundamento no art. 65, §1º, inciso II, da Lei
12.529/2011, e no art. 130, inciso II, do Regimento Interno do Cade, conheço do recurso,
intimando, inicialmente, a Requerente para se manifestar sobre, ao menos, os pontos
elencados neste despacho, no prazo de 10 (dez) dias contados a partir desta decisão, sem
prejuízo de outras diligências que se façam necessárias para completude do escrutínio
antitruste deste Ato de Concentração.
É o despacho que apresento para homologação.
CAMILA CABRAL PIRES
Conselheira

                            

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