Documento assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. Este documento pode ser verificado no endereço eletrônico http://www.in.gov.br/autenticidade.html, pelo código 05152024072300047 47 Nº 140, terça-feira, 23 de julho de 2024 ISSN 1677-7042 Seção 1 negados, reiterando a regularidade e validade da notificação e destacando que a operação não apresenta preocupações concorrenciais. Em 17/07/2024 a Recorrente apresentou nova manifestação (SEI 1416400) alegando que a 3R Offshore, em sua manifestação de 15/07/2024 (SEI 1415058), alterou a qualificação da operação para "aquisição de participação", divergindo do que consta originalmente no Formulário de Notificação ("aquisição de ativos"). A Recorrente alega que o "Consórcio Papa Terra" seria uma invenção da 3R Offshore, uma vez que "todos os ativos do campo de petróleo operado pelas partes são detidos em conjunto por elas em regime de condomínio ou co-propriedade, não havendo qualquer empresa intermediária, seja uma sociedade de propósito específico ("SPE") seja uma sociedade de qualquer tipo que detenha a propriedade de tais ativos". Desse modo, a inexistência de sociedade formalmente constituída impossibilitaria a realização de uma aquisição de participação acionária. Alega também que o precedente citado na referida manifestação da 3R Offshore,[1] não se aplica ao presente caso por se tratar de operação de exercício de direito de alienação de ações expressamente autorizada por decisão judicial, enquanto nesta Operação o direito de cessão compulsória ainda não foi reconhecido por decisão judicial, arbitral ou regulatória. Por fim, argumenta possuir legitimidade e interesse para recorrer da decisão da SG/Cade e nega que o recurso apresentado tem como objetivo de causar danos reputacionais à 3R Offshore ou a sua controladora, uma vez que as informações apresentadas são públicas e de conhecimento do mercado. Mediante sorteio ocorrido na 311ª Sessão Ordinária de Distribuição ("SOD"), este processo foi distribuído à minha Relatoria (SEI 1412925), sendo publicada no Diário Oficial da União em 11/07/2024. O prazo para emissão de despacho de conhecimento do recurso finda, portanto, em 18/07/2024, nos termos do artigo 130, caput, do Regimento Interno do Cade. II. DO CONHECIMENTO DO RECURSO INTERPOSTO De acordo com os precedentes do Cade[2] e doutrina[3], existem fatores extrínsecos e intrínsecos relevantes para a análise dos recursos apresentados ao Tribunal. Os requisitos extrínsecos compreendem: (i) tempestividade; (ii) preparo; e (iii) regularidade formal. Os requisitos intrínsecos incluem: (i) cabimento; (ii) ausência de impedimento ao recurso (desistência, renúncia ou aquiescência); (iii) legitimidade para recorrer; e (iv) interesse em recorrer; Uma vez que os requisitos processuais são cumulativos, o atendimento de cada um deles é condição necessária para sua admissibilidade. Passa-se, assim, à análise detalhada dos requisitos mencionados: Tempestividade: o recurso foi apresentado no dia 05/07/2024, dentro, portanto, do prazo de 15 (quinze) dias estabelecido no artigo 65 da Lei nº 12.529/2011; Preparo: não há previsão na Lei nº 12.529/2011 ou no Regimento Interno do Cade de recolhimento de preparo para interposição de recursos perante decisão de aprovação de ato de concentração pela SG/Cade, de modo que não se faz necessário; Regularidade formal: conforme do Despacho Decisório (SEI 1388545) emitido no Ato de Concentração n° 08700.004702/2023-81 (International Consolidated Airlines Group/Air Europa)[4] , para estar configurada a regularidade formal do recurso, é necessário apenas que este contenha as razões de fato e direito que o motivem. Portanto, entendo que a Recorrente apresentou manifestação que atende aos requisitos de regularidade formal. Cabimento: os recursos são aplicáveis conforme o artigo 65, I, da Lei nº 12.529/2011 c/c artigo 122, I, que estabelecem que é admissível recurso ao Tribunal do Cade contra a decisão da SG/Cade que aprova um Ato de Concentração. Dado que a decisão é recorrível, tem-se o cabimento do recurso nesse caso; Ausência de impedimento ao recurso (desistência, renúncia ou aquiescência): não há desistência ou renúncia ao direito de recorrer verificadas nos autos; Legitimidade para recorrer: a Recorrente defende uma interpretação ampliativa dos indivíduos habilitados para interpor recurso conforme estipulado no artigo 65, I, da Lei nº 12.529/2011[5], em consonância com o artigo 58, I e II, da Lei nº 9.784/1999 (Lei de Processo Administrativo). Tendo em vista que atualmente a NTE ainda é detentora e titular dos ativos do Negócio-Alvo e, em razão das particularidades do caso[6], entendo que ela possui legitimidade para recorrer; Interesse recursal: conforme a jurisprudência do Cade, o interesse em recorrer é determinado pelo binômio necessidade-adequação. A adequação refere-se à capacidade do recurso de modificar a decisão contestada, sendo eficaz em alterar o possível prejuízo decorrente da aprovação incondicional do ato de concentração. Por sua vez, a necessidade emerge de prejuízo ao direito difuso da concorrência mantido pela decisão recorrida, embora esteja motivado por interesse particular. No caso concreto, considera- se que o interesse recursal está intrinsecamente ligado às alegações da Recorrente, que serão analisadas preliminarmente e parcialmente abaixo para, ao final, concluir a análise de conhecimento do recurso. Passo, portanto, à análise preliminar das alegações da Recorrente. A Recorrente argumenta que, do ponto de vista formal, a notificação deste Ato de Concentração foi feita ao Cade pela 3R Offshore de maneira totalmente irregular e ilegal. A 3R Offshore teria formulado seu pleito ao Cade de forma unilateral e sem qualquer participação da parte que seria justamente a detentora dos ativos objeto da operação, que é a NTE, ora Recorrente, o que representaria, segundo a Recorrente, violação ao texto literal do art. 88 da Lei nº 12.529/2011, segundo a qual os atos de concentração econômica "serão submetidos ao Cade pelas partes envolvidas na operação", resultando disso a completa nulidade de todo o processo. Em relação à suposta irregularidade na notificação do ato de concentração por ausência de litisconsorte administrativo necessário, a Recorrente alega nulidade do ato de concentração em razão de suposta submissão unilateral de notificação ao Cade pela 3R Offshore, sem qualquer participação da NTE. A Recorrente aponta que a NTE, sendo a detentora dos ativos em questão, deve ser considerada parte essencial no processo, cuja ausência compromete a validade do ato de concentração. Tal omissão poderia configurar uma violação ao disposto no art. 88 da Lei nº 12.529/2011, que determina a submissão dos atos de concentração econômica ao Cade pelas partes envolvidas na operação. Cumpre ressaltar que a ausência de participação de uma parte da relação contratual na submissão do Formulário de Notificação não configura, por si só, irregularidade. O art. 110, § 1º, do Ricade excepciona a necessidade de notificação pelos dois lados ao usar a expressão "sempre que possível". Há diversos precedentes analisados pelo Cade tendo como requerentes apenas os compradores e a empresa objeto[7], assim como atos de concentração aprovados submetidos unilateralmente à esta autarquia[8]. Como exemplo disso, cito o Despacho da Presidência nº 125/2020 (SEI 0780326), emitido no âmbito da análise pedido de intervenção do terceiro interessado no Ato de Concentração nº 08700.002860/2020-54 (LSF10/Natixis New York Branch/Atvos), referente à aquisição, pela LSF10 Brazil U.S. Holdings ("LSF10"), de direitos e propriedade sobre ações da Atvos Agroindustrial Investimentos S.A. ("Atvos").[9] A NTE argumenta que o precedente não se aplica ao caso em questão, pois tratava de uma alienação de ações em um processo de recuperação judicial com decisão judicial expressa, o que não existe aqui. Tais precedentes indicam que o Cade não identificou prejuízo na aprovação dessas operações anteriores, de modo que o processo administrativo não pode ser paralisado ou prejudicado por questões não relacionadas à legislação de defesa da concorrência e que não afetam o resultado final ou os direitos das partes envolvidas. Especificamente no caso em tela, entretanto, a manifestação da Recorrente alega possíveis prejuízos à análise do Cade decorrentes da notificação unilateral do ato de concentração em discussão, a qual prescindiu da participação da parte atualmente detentora dos ativos objeto da Operação, a NTE, o que exige, neste caso, uma análise mais aprofundada sobre a questão. Entre outros pontos, a inclusão do "Consórcio Papa-Terra", figura sem personalidade jurídica, como requerente do ato de concentração junto à 3R Offshore, é objeto de controvérsia no presente caso e demanda explicações mais aprofundadas por parte da 3R Offshore. A Recorrente também levanta a questão da omissão de informações relevantes, incluindo a existência de uma disputa arbitral em curso. A alegada omissão da Requerente sobre a existência de disputa específica em processo arbitral perante a London Court of International Arbitration - LCIA quanto à cessão dos ativos da NTE para a 3R Offshore parece útil no caso concreto para avaliar se alteraria o entendimento acerca da concretude do ato de concentração notificado. Reforça-se que a análise de contencioso entre as partes que condiciona a consumação da operação não é de competência deste Conselho, mas há aspectos relacionados à existência da lide especificamente nesse caso - não informadas na submissão do formulário de notificação - que demandam aprofundamento deste Tribunal para que se forme convicção acerca da materialidade do ato de concentração. A inexistência da operação devido à ausência de acordo constitui um dos principais argumentos da Recorrente, fundamentado em violações legais e processuais. A Recorrente alega que a notificação ao Cade foi feita sem qualquer acordo prévio com a NTE e sem decisão regulatória, judicial ou arbitral que reconhecesse o direito da 3R Offshore de "expropriar" os ativos da NTE. Este comportamento representa, na visão da Recorrente, uma tentativa de transferência compulsória de ativos, desprovido de legalidade. Por conseguinte, a NTE solicita o reconhecimento das ilegalidades apontadas, resultando no arquivamento do ato de concentração sem conhecimento de mérito e a imposição de penalidades à 3R Offshore. Quanto à alegação de inexistência da Operação em razão da ausência de acordo que ampare a aquisição de ativos pela 3R Offshore, nota-se que o Formulário de Notificação foi submetido ao Cade junto de Carta de Notificação (SEI 1399068 e 1399069), que faz referência ao Acordo de Operação Conjunta ("JOA"). Segundo a 3R Offshore, o JOA seria um "instrumento jurídico privado que rege o Consórcio Papa-Terra" e um "instrumento particular típico da indústria de óleo e gás que tem o propósito de estabelecer as regras de governança da parceria." (SEI 1415058). Destaco que até o momento não foi apresentado a esta autoridade pela 3R Offshore neste processo o Acordo de Operação Conjunta ("JOA"). Segundo a Recorrente, a 3R Offshore teria apresentado informações omissivas e tendenciosas ao Cade, induzindo a autarquia a erro. A narrativa proposta pela 3R Offshore de uma "aquisição de ativos" seria, ainda segundo a NTE, desprovida de realidade factual e jurídica, pois não haveria acordo que ampare essa aquisição. A notificação ao Cade, desprovida de um acordo concreto e vinculante, transformaria, de acordo com a NTE, o pleito da 3R Offshore em mera conjectura, desprovida de substância jurídica e operacional. Em sua manifestação de 17 de julho de 2024, a NTE indicou ainda contradição substancial na descrição da operação pela 3R Offshore. Originalmente apresentada no Formulário de Notificação como uma "aquisição de ativos" detidos pela NTE relacionados à participação em um consórcio para produção e exploração de óleo e gás, a operação teria sido posteriormente redefinida pela 3R Offshore, em sua manifestação de 15 de julho, como uma "aquisição de participação". A análise dos argumentos apresentados revela a necessidade de um aprofundamento da interpretação da legislação de defesa da concorrência. O recurso interposto pela NTE aponta violações que requerem uma avaliação pelo Tribunal do Cade, inclusive no que tange à inexistência de um acordo capaz de conferir materialidade à Operação[10], condição relevante para a chancela da operação de concentração econômica proposta. Desse modo, entendo que as questões levantadas pelo recurso da NTE, incluindo a interpretação dos dispositivos legais aplicáveis e a análise das supostas omissões e informações tendenciosas apresentadas pela 3R Offshore, demandam um exame pelo Tribunal do Cade. A NTE também sustenta que a SG/Cade teria se baseado em informações tendenciosas e incompletas apresentadas pela 3R Offshore, o que teria configurado uma clara violação ao art. 91 da Lei nº 12.529/2011. Segundo a Recorrente, a 3R Offshore omitiu documentos e informações relevantes. Tal omissão, segundo a NTE, impede a formulação válida do requerimento à autarquia. A NTE requer que sejam reconhecidas as ilegalidades e nulidades apontadas, resultando na imposição à 3R Offshore da penalidade prevista no art. 91 da Lei nº 12.529/2011. Em contrapartida, a 3R Offshore rebate que as alegações de omissão ou enganosidade nas informações apresentadas ao Cade são infundadas. Afirmam que a notificação foi baseada em documentos devidamente apresentados ao Cade e em informações de mercado disponíveis em fontes públicas. Ainda que se reconheça que são realizadas aprovações de atos de concentração enquanto contenciosos privados estão em curso e que os Anexos I e II da Resolução nº 33/2022 (formulários de notificação ordinário e sumário) sequer exigem essa informação, fato é que no caso concreto o Recorrente apresentou argumentos que poderiam alterar o entendimento do Cade em questões formais relacionadas à legislação de defesa da concorrência, de modo que parece salutar à formação de convicção do Tribunal do Cade maiores esclarecimentos. Em vista do exposto, entendo que o recurso administrativo deva ser conhecido para que se possa realizar a devida análise dos argumentos apresentados. Não se está deixando de reconhecer que conflitos entre as partes devem ser solucionados em âmbito privado, sendo a análise do Cade restrita aos parâmetros previstos na legislação, como aspectos concorrenciais e a análise de existência do ato de concentração. Fato é, contudo, que especificamente nesse caso, os argumentos apresentados pela Recorrente, se eventualmente forem reputados procedentes, podem alterar o entendimento acerca de existência do ato de concentração e demandam maior aprofundamento pela Requerente. Reconhece-se que o Cade não serve como fórum para a resolução de disputas privadas. No caso concreto, contudo, faz-se necessário um aprofundamento para avaliar se o negócio jurídico apresentado para análise e julgamento possui concretude suficiente para garantir às partes o direito subjetivo à análise sob o prisma antitruste. Diante disso, conclui-se, em análise preliminar, que a argumentação da Recorrente envolve potenciais prejuízos e a interpretação da legislação de defesa da concorrência, configurando, assim, interesse recursal. Saliento que o Recorrente suscitou questionamentos no Tribunal do Cade, reforçando a necessidade percebida pelo colegiado de que uma decisão de conhecimento seria necessária para a atenção devida às especificidades do caso e a formação de uma convicção colegiada. Desse modo, decido pelo conhecimento do Recurso apresentado para que seja esclarecido e aprofundado pela Requerente, ao menos, os seguintes pontos: i. efetiva existência de um ato de concentração, provido de materialidade, tendo em vista a submissão de documento unilateral e não vinculante; ii. regularidade na notificação do ato de concentração, em razão da alegação da Recorrente de ausência de litisconsorte administrativo necessário; iii. adequação do "Consórcio Papa-Terra" como requerente do ato de concentração junto à 3R Offshore; e iv. ausência de procedência das alegações relacionadas ao art. 91 da Lei nº 12.529/2011. Finalmente, com o espírito de preservar a transparência dos procedimentos desta autarquia, segurança jurídica aos administrados e previsibilidade das orientações deste Tribunal em matéria de notificação de atos de concentração, saliento que a presente decisão de conhecimento advém das particularidades do caso concreto e da existência de um recurso que efetivamente demonstra possíveis prejuízos e questões de interpretação da legislação de defesa da concorrência. Esta decisão, contudo, não deve, em hipótese alguma, ser entendida como uma legitimação de estratégias destinadas a instrumentalizar esta autarquia para onerar a realização de operações ou retardar sua aprovação por partes insatisfeitas em decorrência de questões privadas. Ressalto, mais uma vez, que a ausência da participação de uma das partes envolvidas na relação contratual durante a submissão do Formulário de Notificação não constitui, necessariamente, uma irregularidade. Existem inúmeros precedentes analisados pelo Cade nos quais apenas os compradores e a empresa alvo figuram como requerentes, bem como atos de concentração aprovados que foram submetidos unilateralmente a esta autarquia. III. CONCLUSÃO Por todo o exposto, com fundamento no art. 65, §1º, inciso II, da Lei 12.529/2011, e no art. 130, inciso II, do Regimento Interno do Cade, conheço do recurso, intimando, inicialmente, a Requerente para se manifestar sobre, ao menos, os pontos elencados neste despacho, no prazo de 10 (dez) dias contados a partir desta decisão, sem prejuízo de outras diligências que se façam necessárias para completude do escrutínio antitruste deste Ato de Concentração. É o despacho que apresento para homologação. CAMILA CABRAL PIRES ConselheiraFechar