DOU 25/07/2024 - Diário Oficial da União - Brasil

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Nº 142, quinta-feira, 25 de julho de 2024
ISSN 1677-7042
Seção 1
128. Nesse sentido, concluiu o documento apresentado pela Aperam sobre tal
ponto:
Essas
constantes
intervenções,
desde o
planejamento
da
forma
de
reestruturação da dívida até a intervenção direta no processo jurídico de liquidação,
distorcem estruturalmente a interação entre oferta e demanda no mercado de fatores
(no caso, de recursos financeiros). Vale enfatizar que essa distorção de mercado se
distancia da característica dos subsídios convencionais, claramente dispostos nos balanços
das empresas. O benefício às empresas e a influência do Estado são muito mais
subjetivos, opacos e diversificados. Seus efeitos distorcivos, porém, podem ser muito
maiores. Esse modus-operandi na relação Estado-empresas na China compromete a
precificação no mercado de fatores, pois impossibilita acessar o risco, rompe com a
distribuição normal de eventos aleatórios (risco de default), amarra os mecanismos legais
de liquidação de ativos e condiciona a tomada de decisão à dinâmica política. Como
resultado, o custo do capital não reproduz a real chance de calote das operações e tende
a ser reduzido em relação às taxas de captação em mercado livre, para um suposto nível
de risco.
129. Com base em dados extraídos do sítio eletrônico da OMC, os autores
mostram que os metais foram responsáveis por 44,5% de todos os casos de CVDs (sigla
para countervailing measures, medidas compensatórias em inglês) no período 1995-2016,
ao passo que a siderurgia representa de 1,5% a 2% do comércio internacional dos
produtos. A China teria sido alvo de 26,7% de todos as investigações de CVDs
iniciadas.
130. WU (2016) destacou ainda que, até 2010, havia 60 CVDs contra produtos
siderúrgicos chinesas. No período 2011 a maio de 2016, este número teria se elevado
para 97 casos. Portanto, observar-se-ia a crescente adoção de medidas de defesa
comercial em relação aos subsídios concedidos ao aço chinês nos últimos anos.
131. Outro aspecto trazido pelos autores diz respeito à política comercial. De
acordo com eles, "na maioria dos países, as tarifas são utilizadas para proteger os agentes
domésticos contra as importações. Não obstante, na experiência particular da China, o
lado mais importante refere-se aos incentivos e desincentivos à exportação.". Por meio de
impostos de exportação e restituição de impostos, os autores mostraram que a intenção
é desestimular as exportações de produtos de baixo valor agregado e fomentar as
exportações de produtos de alto valor agregado. Nas suas palavras, "parece pouco crível
que o objetivo do uso do tax rebate seja apenas compensar o resíduo tributário", de
modo que o sistema não seria neutro e criaria distorções.
132. Nessa seara, por fim, salientam que há inúmeras restrições à exportação
de insumos estratégicos, vários deles utilizados pela indústria siderúrgica, alguns deles
eliminados porque foram considerados violações às regras da OMC, e que mantêm os
preços dos insumos artificialmente baixos, não refletindo condições normais de
mercado.
133. Quanto a relações trabalhistas, os documentos aportados pela Aperam
destacam que, em uma economia de mercado, não é comum constatar a existência de
sindicatos organizados dentro da companhia. No entanto, apontam que, no sítio
eletrônico da Baosteel, em mandarim, existiria uma seção no "Sobre Nós", que não
existiria na versão em inglês, intitulada "Sindicato Trabalhista da Baosteel". A condução
das atividades do Sindicato no âmbito da Baosteel se submeteria tanto ao quadro
corporativo quanto ao Comitê Partidário para executar suas tarefas, além de estar
subordinada ao controle da Federação Nacional dos Sindicatos (FNS), o qual, por sua vez,
está atrelado ao PCC.
134. Entre as funções exercidas, os consultores destacam o desenvolvimento
de projetos de competição de funcionários intra e entre empresas da corporação, a fim
de reduzir custos e aumentar eficiência. Estes projetos são elaborados pelo próprio
sindicato dos trabalhadores da empresa ao invés do corpo administrativo-operacional e
objetivando ganhos para a firma, e não aos funcionários.
135. A nota do sítio eletrônico em questão termina evocando a necessidade
de estudar as diretrizes aprovadas pelo 18º Congresso Nacional do PCC, realizado em
2012. Menciona ainda a necessidade da união dos trabalhadores para construir uma
"sociedade moderadamente próspera", expressão cunhada pelo Partido. Ademais, ela
termina afirmando que se deve buscar atingir os objetivos de produção determinados
pela companhia e relações trabalhistas harmoniosas:
136. Essa funcionalidade, na visão dos autores, se destoaria "da atuação de
sindicatos convencionais, cuja função de defender os interesses dos empregados
geralmente os coloca em posição antagônica às empresas, na qual a otimização de um é
custo para a outra". Terminam afirmando que "tal condição rompe a dinâmica de
formação de salários a partir de livre negociação entre firmas e união trabalhista,
supostamente uma atuação de forças opostas passível de equilíbrio".
137. Como no caso da Baosteel, foram apresentados indícios de controle
substancial da Benxi Steel Group, empresa estatal ligada ao governo da Província de
Liaoning, controladora da Benxi Steel Plates Co., Ltd (Bengang Plates) sobre seus
funcionários, conforme dados obtidos em fóruns online e em matéria de uma emissora
de televisão estadunidense.
138. Outro ponto de interferência do governo chinês no setor siderúrgico do
país, destacado no estudo da Comissão Europeia e no estudo "China como não economia
de mercado e a indústria do aço", aportados pela peticionária, seria em relação à
imposição de restrições às exportações de insumos do aço. Foram apontados as: (i) cotas
de exportação de coque, carvão "coqueificável", resíduos metálicos, molibdênio e
estanho; (ii) imposto de exportação de cromo, aço bruto, minério de ferro, coque, carvão
metalúrgico, manganês, molibdênio, ferro gusa, sucata de aço, tungstênio e zinco; (iii)
requisitos de licenciamento de exportação para coque, carvão coque, manganês,
molibdênio, estanho, tungstênio e zinco; e (iv) impostos de exportação e IVA não
reembolsável sobre a exportação de lingotes e outras formas primárias de aço inoxidável.
Destacou-se que algumas dessas restrições teriam sido eliminadas pela China em razão de
incompatibilidade com as regras da OMC, mas não todas. Assim, esse controle exercido
pelo governo chinês sobre matérias-primas e insumos acabaria distorcendo o mercado de
aço no país, pois os preços seriam diretamente manipulados para reduzir os custos para
os produtores domésticos, fazendo com que os preços dos produtos de aço, que utilizam
esses insumos artificialmente baratos, não reflitam as condições normais de mercado.
139. Outros dois pontos abordados pelo estudo encomendado pelo IABr dizem
respeito à capacidade instalada chinesa e à saúde financeira das suas empresas.
140. Segundo o estudo, de acordo com o banco de dados da Organização para
Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a capacidade instalada anual de aço
bruto da China se expandiu de 150 Mt em 2000 para 424 Mt em 2005, 800 Mt em 2010
e 1,16 bilhão de toneladas em 2016.
141. Segundo dados da CCCME, em 2016 a China teria reduzido a capacidade
instalada em 65Mt, dos quais 59,7% foram realizadas por empresas privadas. Já em 2017,
as empresas privadas representaram 80% da eliminação de 50Mt de capacidade instalada.
Em 2012, o lucro da siderurgia foi equivalente a apenas US$ 0,42/t, mas para as 79
maiores siderúrgicas privadas este valor chegou a US$ 8,90/t. Já em 2017, o lucro médio
das empresas privadas atingiu US$ 68,52/t, gerando uma margem de lucro de 6,3%. Por
sua vez, outra fonte, a China Iron and Steel Association (CISA), afirmou que a margem de
lucro das principais empresas chinesas (as quais são predominantemente estatais, como
visto) atingiu 4,7% entre janeiro e novembro de 2017.
142. Sobre lucratividade e endividamento, gráfico apresentado no estudo
"China como Não-Economia de Mercado e a Indústria do Aço", com base em dados da
Consultoria World Steel Dynamics, mostrou que a margem de lucro EBITDA das
siderúrgicas chinesas foi consistentemente menor do que suas congêneres em outros
países entre 2000 e 2016, com exceção do triênio 2001-03, 2009 (crise) e 2014. Esta
situação, na visão do documento, não poderia ser dissociada do fato de que a
participação das SOEs é significativa no mercado chinês.
143. Segundo a consultoria McKinsey (2013), para garantir a sobrevivência de
curto prazo uma empresa siderúrgica precisaria obter uma margem EBITDA de pelo
menos 9%. Ademais, para garantir a sobrevivência de longo prazo, esta margem deveria
atingir pelo menos 17%, com vistas a arcar com custos relacionados a reinvestimentos,
juros sobre empréstimos e financiamentos, impostos e retornos aos acionistas (McKinsey,
2014).
144. Outro gráfico apresentou as margens de lucro médias de companhias
siderúrgicas associadas à CISA. No período 2001 a 2007. A margem média atingiu 6,5%,
enquanto de 2008 a 2017 este valor se reduziu a 1,6%. Segundo o estudo, "apresentar
uma lucratividade tão reduzida durante uma década inteira, sem [...] fechamento de
capacidade, indica que há outras forças atuando na tomada de decisão que não a
racionalidade da alocação de recursos".
145. Com base na mesma fonte (CISA), Lee e Dai (2017) apontaram também
que a relação dívida/capital próprio aumentou 149% no período 2004-2011 para 222%
nos anos 2012-2015 e ainda 229% em 2016. A média da indústria para a relação
dívida/ativos se expandiu de 60,8% em 2005 para 67,6% em 2011, estabilizando-se desde
então (67,2% em 2017).
146. A relação dívida líquida/EBITDA também estaria elevada. Segundo a OCDE
(2016), o recomendável seria que a dívida não superasse em três vezes o resultado
operacional.
147. Com base em empresas listadas na Bolsa de Valores da China, obteve-se
uma amostra de 20 empresas chinesas. Coletivamente, estas empresas produziram 386
Mt de aço bruto em 2017, o equivalente a 46,4% da produção chinesa. Entre 2013 e
2017, a relação dívida líquida/EBITDA na siderurgia chinesa superou 9, três vezes mais do
que o recomendado: 9,7 em 2013, 9 em 2014, 25 em 2015 e 9,8 em 2016). Em 2017 a
relação melhorou para 5,1, ainda assim o indicado demonstraria que as empresas estão
significativamente endividadas. É importante ressaltar que este dado se refere a empresas
listadas em Bolsa de Valores, o que permitiria inferir que, se fossem adicionadas
empresas de menor porte, o grau de endividamento seria ainda maior.
148. Os documentos apresentados pela Aperam apresentaram, ademais,
elementos específicos de intervenção governamental em determinadas empresas chinesas
que atuam no ramo siderúrgico, para as quais foi dada ênfase em relação àquelas que
produzem tubos de aço inoxidável.
Baosteel
149. O BaoWu Steel Group é 100% controlada pela SASAC Central (Supervision
and Administration Commission of the State Council). Como já apontado, sua subsidiária
é a Baosteel Iron & Steel Co., Ltd., cuja participação estatal é de 70,05%. Repisa-se que
a empresa controla a Yantai Baosteel Pipe Co., Ltd., uma das partes interessadas da
presente revisão.
150. De acordo com os dados apresentados, a produção da empresa foi de
65,39 Mt em 2017, para uma capacidade instalada atual de 70 Mt. Já a participação da
companhia na produção siderúrgica chinesa atingiu 7,9% em 2017. A BaoWu Steel seria
um dos alvos da reforma estrutural que o governo chinês vem implementando na
indústria siderúrgica, principalmente com o objetivo de melhorar a qualidade da produção
e fortalecer a competitividade internacional. Cabe destacar que, em 2016, a produção da
holding foi de 63,81 Mt, enquanto a Baosteel produziu nesse mesmo ano 27,45 Mt
(43,1% do volume produzido pelo grupo). Como mencionado, a Baosteel possui uma linha
muita extensa de produtos, contemplando os tubos de aço com costura.
151. Na visão dos autores do estudo abordado pela Aperam, três grupos de
evidências de intervenção foram encontrados:
- Interferência política na tomada de decisão e em fusões e aquisições: os
principais diretores da Baosteel, enquanto empresa estatal com capital minoritário listado
em bolsa de valores, tendem a ser indicados pelo governo. O atual presidente, Zhihao
Dai, seria tanto filiado ao partido quanto membro permanente do comitê do PCC na
companhia. A BaoWu Steel foi a empresa resultante de um longo processo arquitetado
pelo Conselho de Estado chinês por meio do PARIS, analisado anteriormente, que acabou
culminando em 2016 com a fusão da Baosteel Group com a WISCO. Além de maior força
para disputar o mercado internacional, os autores advogam que a fusão das duas
empresas atendeu à intenção de reformular a indústria por meio de consolidação e
investimentos em tecnologia, ambos financiados por fundos estatais designados;
- Subsídios convencionais: os relatórios anuais da Baosteel mostram uma
ampla gama de subsídios fornecidos pelos governos centrais e subnacionais. Esses
subsídios seguem as diretrizes traçadas pelos planos governamentais e são destinados a
projetos específicos, como restituição de custos de demolição de plantas obsoletas e
fundos especiais para "cooperação econômica e tecnológica internacional"; e
- Distorções no mercado de trabalho: Baosteel é a própria organizadora do
sindicato de seus funcionários. Além disso, a sua atuação está sob supervisão do Comitê
do Partido no âmbito da companhia. Tanto pela disposição institucional quando pela
descrição das atividades do sindicato, fica evidente que este atua, em última instância,
para atender aos interesses da empresa e do partido. Isso o destitui da condição de
ferramenta de barganha trabalhista, rompendo a lógica de mercado na precificação do
fator trabalho
T P CO
152. A TPCO inicialmente se uniu a três outras empresas de Tianjin em 2010,
em consonância com as diretrizes do PARIS. Contudo, o endividamento do novo Grupo
(Bohai Steel) se tornou impagável, e o governo de Tianjn interveio para administrar a
dívida, desconstituindo o Grupo em 2016. Nesse caso, o governo buscou a reestruturação
da propriedade dos passivos e o lançamento de novas debêntures para pagamentos dos
empréstimos a vencer. Em maio de 2018, o governo impediu a liquidação de ativos
estatais para pagamento de dívida tomada no setor privado, bloqueando leilão que
venderia os ativos. Estas constantes intervenções, na visão do estudo, fazem com que "o
mercado financeiro se torne incapaz de mensurar e precificar o risco associado aos
empréstimos e ao custo do capital, condição fundamental para racionalizar a alocação de
recursos".
153. Em relação às principais evidências de intervenção estatal, observou-se:
- Subsídios diretos: apesar de
a empresa não disponibilizar relatórios
financeiros anualmente como as demais siderúrgicas previamente examinadas, foi possível
identificar o recebimento de benefícios por meio de relatórios da agência de rating
Dagong. De acordo com tais relatórios, verificou-se que a TPCO recebeu subsídios
consistentemente entre 2011 e 2015. Também se verificou subsídios consistentes como
indicados por US Steel Coalition (2006);
- Interferência política na tomada de decisão e em fusões e aquisições: foi
analisado o passado recente da TPCO no intuito de descobrir possíveis intervenções
estatais na sua atuação. Averiguou-se que a fusão da TPCO com outras três empresas de
Tianjin teria sido arquitetada pelo Conselho de Estado da China e mencionada no PARIS,
em 2009. A criação da Bohai Steel objetivava uma reestruturação produtiva e maior
sofisticação tecnológica, como indicado pela política do governo. A nova empresa se
endividou além do sustentável e, em 2016, o governo interveio novamente para desfazer
a fusão e administrar o problema da dívida contraída. Observou-se que a atuação da
companhia é essencialmente condicionada pelas diretrizes do governo, cujas forças se
distanciam do funcionamento normal do mercado; e
- Interferência no preço dos fatores de produção e alocação de recursos: foi
evidenciado que o governo intervém direta e consistentemente no processo de
reestruturação da dívida do Grupo Bohai, holding criada para unificar a atuação da TPCO
e outras três empresas da cidade-província de Tianjin. A intervenção se procedeu de
várias maneiras, como a negociação das dívidas, troca de dívida na forma de empréstimo
por emissão de debêntures, reorganização de estrutura patrimonial para proteger ativos,
injeção de capital e até intervenção no processo judicial para evitar liquidação de ativos
destinada ao
pagamento de dívida em
atraso. Essas manobras
evidenciam o
distanciamento das práticas de livre mercado nos fatores de produção e seus preços,
distorcendo assim a alocação de recursos e beneficiando a companhia estudada com
redução do custo efetivo de financiamento.
154. A Aperam juntou aos autos a versão atualizada do relatório da Comissão
Europeia intitulado Comission Staff Working Document on Significant Distortions in the
Economy of the Peoples Republic of China for the Purposes of Trade Defense
Investigations, de 10 de abril de 2024, o qual também contém informações específicas
sobre as condições de mercado do setor siderúrgico. De acordo com a peticionária, a
Comissão manteve as conclusões que havia exarado na versão anterior do documento, de
2017, no sentido de que o setor siderúrgico como um todo na China não seguiria regras
de economia de mercado: "[t]he overarching control of the government prevents free
market forces from prevailing in the steel sector in China."
155. De acordo com partes destacadas do documento atualizado, a Comissão
Europeia afirmou que o setor de aço é considerado estratégico pela China. Por meio de
um amplo leque de políticas e diretrizes, o governo direcionaria ou controlaria
praticamente todo e qualquer aspecto do desenvolvimento e do funcionamento do setor.
Mais especificamente, a criação de produtores cada vez maiores é estimulada, e atingida,

                            

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