DOU 19/08/2024 - Diário Oficial da União - Brasil

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Nº 159, segunda-feira, 19 de agosto de 2024
ISSN 1677-7042
Seção 1
produtivo investigado, de modo que a determinação do método de apuração do valor normal em cada caso dependerá dos elementos de prova apresentados nos autos do processo
pelas partes interessadas, acerca da prevalência ou não de condições de economia de mercado no segmento produtivo específico do produto similar.
79. Esse posicionamento decorre das regras de interpretação da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados - a qual, em seu Artigo 31, estabelece que "1. Um
tratado deve ser interpretado de boa-fé segundo o sentido comum atribuível aos termos do tratado em seu contexto e à luz de seu objetivo e finalidade". Ademais, com base no
princípio interpretativo da eficácia (effet utile ou efeito útil), as disposições constantes de um acordo devem ter um significado. Tanto é assim que, segundo o Órgão de Apelação
da OMC (DS126: Australia - Subsidies Provided to Producers and Exporters of Automotive Leather, Recourse to Article 21.5 of the DSU by the United States - WTO Doc. WT/DS
126/RW):
6.25 The Appellate Body has repeatedly observed that, in interpreting the provisions of the WTO Agreement, including the SCM Agreement, panels are to apply the general
rules of treaty interpretation set out in the Vienna Convention on the Law of Treaties. These rules call, in the first place, for the treaty interpreter to attempt to ascertain the
ordinary meaning of the terms of the treaty in their context and in the light of the object and purpose of the treaty, in accordance with Article 31(1) of the Vienna Convention.
The Appellate Body has also recalled that the task of the treaty interpreter is to ascertain and give effect to a legally operative meaning for the terms of the treaty. The applicable
fundamental principle of effet utile is that a treaty interpreter is not free to adopt a meaning that would reduce parts of a treaty to redundancy or inutility. (grifos nossos)
Dessa forma, a expiração específica do item 15(a)(ii), com a manutenção em vigor do restante do Artigo 15(a), deve ter um significado jurídico, produzindo efeitos
operacionais concretos. A utilização da metodologia alternativa deixa de ser, portanto, "automática", e passa-se a analisar, no caso concreto, se prevalecem ou não condições de
economia de mercado no segmento produtivo investigado. Assim, a decisão acerca da utilização ou não dos preços e custos chineses em decorrência da análise realizada possui
efeitos que se restringem a cada processo específico, e não implica de nenhuma forma declaração acerca do status de economia de mercado do país. Por um lado, caso tais provas
não tenham sido apresentadas pelas partes interessadas, ou tenham sido consideradas insuficientes, poderão ser utilizados os preços e custos chineses para a apuração do valor
normal no país, desde que atendidas as demais condições previstas no Acordo Antidumping. Por outro lado, caso tenham sido apresentadas provas suficientes de que não prevalecem
condições de economia de mercado no segmento produtivo, a metodologia de apuração do valor normal a ser utilizado na determinação de dumping poderá não se basear nesses
preços e custos do segmento produtivo chinês.
4.1.1.2. Da manifestação da peticionária sobre o tratamento do setor produtivo de laminados planos a frio na China para fins do cálculo do valor normal
80. A peticionária elencou elementos que indicariam não prevalecer condições de economia de mercado no segmento produtivo de laminados planos a frio na China.
81. Inicialmente, pontuou que o setor siderúrgico atuaria sob forte interferência estatal na China, não estando sujeito às condições de mercado.
82. A interferência estatal seria configurada pela existência de políticas prioritárias e específicas para o setor siderúrgico na China, pela estrutura e funcionamento do
sistema bancário chinês e pela concessão pelo governo chinês de diversos subsídios para empresas que produzem os aços laminados a frio.
83. Os subsídios à indústria chinesa derivariam da predominância do Estado na economia e da compatibilização dos objetivos das empresas, do governo central e dos
governos municipais e das províncias. Tais subsídios fluiriam no sistema econômico por meio de todos os setores que o governo central e os governos das províncias julguem
econômica ou militarmente estratégicos, como seria o caso do setor siderúrgico. Os subsídios compreenderiam, principalmente, empréstimos a taxas de juros preferenciais, redução
do custo da energia, de insumos e do preço da terra, incentivos à aquisição de tecnologia, reduções da tributação sobre a renda e de tributos indiretos e a infusão de capital
vinculada, entre outros fatores, à performance exportadora.
84. A interferência estatal seria observada, ainda, na estrutura gerencial das empresas, uma vez que as principais siderúrgicas chinesas são de propriedade estatal ou,
apesar de privadas, têm um relacionamento muito próximo com o Estado. O Partido Comunista e, por extensão, o governo chinês, possui um sistema centralizado de nomeação
dos administradores das empresas estatais, por meio do qual garante a adesão destas empresas à sua política industrial.
85. Nesse sentido, a peticionária ressaltou que as principais siderúrgicas da China seriam produtoras dos aços laminados planos a frio objeto da investigação e seriam
empresas estatais (seis siderúrgicas chinesas, das quais quatro são estatais, estariam ranqueadas entre as 10 maiores produtoras do mundo: China Baowu Group, HBIS Group, Ansteel
Group and Shougang Group), sendo que suas estratégias empresariais seriam definidas pelo Estado não apenas por meio do controle acionário, como também por meio da estrutura
de governança, dominada por membros do Partido Comunista Chinês. Entre as empresas, mencionou:
- Angang Steel Company Limited (Ansteel Group);
- Baosteel Group Corporation (Baoshan Iron & Steel, Chongqing Iron & Steel Company Limited e Shandong Iron and Steel Group Co Ltd.);
- Bengang Steel Plates Co. Ltd (Benxi Iron and Steel Group Co.);
- Wisco (ou Wuhan ou Wugang);
- HBIS Group (Duferco S.A. 8 e Handan Iron &Steel Group);
- Changshu Everbright Material Technology Co., Ltd.; e
- Shougang Group.
86. No tocante às empresas privadas, ressaltou a decisão da União Europeia, na investigação de subsídios nas importações chinesas de aços com revestimento orgânico,
que identificou que os preços pagos pelos produtores de aços revestidos para obtenção de laminados planos a frio e laminados planos a quente (insumos para os aços revestidos)
fornecidos por siderúrgicas privadas eram muito próximos dos preços das siderúrgicas estatais, o que demonstraria que as siderúrgicas privadas não teriam efetivamente liberdade
para praticar preços de mercado. Assim, a autoridade concluiu:
Furthermore, in the contract submitted by one of the sampled exporting producers for the provision of HRS by a privately owned supplier there is even a condition to
link the price to the SOE supplier price. The government export restriction, government planning and the predominance of SOEs limits the freedom of private suppliers of HRS and
CRS, obliging them to act in a non-commercial manner and to accept economically irrational (below- market) prices which they would not do in a free and open market. This confirms
that the government policy to supply HRS and CRS (including to the organic coated steel sector) extends to private suppliers.
87. Além disso, para evitar a perda de seu controle, o governo chinês imporia restrições a investimentos estrangeiros em alguns setores. Segundo a peticionária, embora
nos últimos anos a China tenha liberado acesso ao mercado para investimentos domésticos e estrangeiros, o Estado manteria significativo controle e influência dos investimentos
privados, por meio de políticas industriais, legislações, regulamentos e de processos de aprovação dos investimentos.
88. Assim, as autoridades governamentais chinesas utilizariam a avaliação dos investimentos como uma ferramenta importante para apoiar os objetivos das políticas
industriais, tais como, manter o controle estatal sobre setores–chave (incluindo a proteção de empresas estatais), reforçar a indústria nacional (fomentando a inovação local,
promovendo empresas campeãs nacionais e conduzindo a reestruturação industrial) e atrair, mas manter sob controle, os investimentos estrangeiros, de modo a desenvolver a
indústria nacional estrategicamente.
89. Ademais, a interferência do Partido Comunista da China estaria presente em todos os fatores de produção, com destaque para matérias-primas (minério de ferro,
carvão/coque, produtos de aço laminados a quente), que seriam objeto de planos e políticas específicas do governo para fornecimento à indústria siderúrgica a preços baixos,
principalmente por meio de subsídios; mão–de–obra, que seria altamente controlada pelo governo, sendo que os trabalhadores não possuiriam liberdade para negociar salários e
condições de trabalho; regime de propriedade de imóveis, sendo que a terra seria de propriedade do Estado e sua distribuição atende às metas dos planos governamentais; e
utilidades, que teriam os preços fixados pela National Development Reform Commission (NDRC).
90. Como consequência da intervenção do Estado chinês no setor siderúrgico, a China teria contribuído severamente para o excesso de capacidade instalada na indústria
siderúrgica a nível global, que supera em muito a demanda por aço. Nesse sentido, de 2007 a 2023, a capacidade instalada de aço bruto da China teria aumentado aproximadamente
100%, subindo de 588,5 milhões de toneladas para 1.173,3 milhões de toneladas, ritmo muito superior ao crescimento observado a nível mundial. Com isso, nas últimas décadas,
a China teria passado a representar praticamente a metade de toda a capacidade instalada no mundo.
91. O relatório "Latest Developments in Steelmaking Capacity 2023", da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), indicaria que a expansão da
capacidade produtiva mundial de aço continuará a um ritmo robusto, liderada por investimentos chineses (na China e terceiros países), frequentemente em busca de mercados de
exportação. O resultado desse desequilíbrio entre a oferta e a demanda de aço, que geraria enorme capacidade ociosa, seria a redução do preço do aço no mercado internacional
e do produto fabricado na China, que se aproveitaria de sua enorme capacidade instalada para desovar seus produtos no mercado global às custas da produção e rentabilidade
das empresas localizadas nos países importadores.
92. A peticionária destacou que para fins de investigação de dumping, a discussão sobre o reconhecimento da China como economia de mercado está ligada à validade
de parte do art. 15 do Protocolo de Acessão da China à Organização Mundial do Comércio (OMC) após dezembro de 2016. Mais especificamente, à disposição que permitiria descartar
preços e custos na economia chinesa, para fins de cálculo do valor normal de bens exportados pela China em investigações antidumping.
93. Desde então, segundo a Usiminas, a autoridade brasileira adaptou sua prática para que os peticionários e partes interessadas em cada processo pudessem apresentar
os elementos de prova necessários para caracterizar as condições de operação dos setores que fabricam os produtos objeto de investigação na China e, uma vez constatada a não
prevalência de condições de mercado, prosseguir com a análise de parâmetros de preços e custos em terceiro país para fins de apuração do valor normal.
94. Com relação ao segmento produtivo do produto similar no caso em tela, haveria que se reconhecer que a prática do DECOM e decisões das autoridades investigadoras,
como a da União Europeia, dos Estados Unidos, da Índia, do Canadá e do México corroboram o fato de que o setor siderúrgico na China não opera em condições de mercado
para fins de investigações de defesa comercial. Na mesma linha, diversos estudos e relatórios especializados, em especial aqueles divulgados pela OCDE, que monitora de perto o
mercado internacional de aço, comprovariam as distorções provocadas pela profunda intervenção e direcionamento do Estado chinês para a produção e investimentos realizados pelas
empresas na China e em terceiros países.
95. Entre os estudos e relatórios especializados que evidenciariam as distorções provocadas pela interferência do governo chinês na economia e no setor siderúrgico, a
peticionária destacou os seguintes:
- Memorando "Commission Staff Working Document On Significant Distortions In The Economy Of The People's Republic Of China For The Purposes Of Trade Defence
Investigations", da Comissão Europeia, publicado em abril de 2024, que examina a existência de distorções significativas na economia chinesa.
- Relatório "Latest Developments in Steelmaking Capacity", publicado pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) em fevereiro de 2024, que
analisa os desenvolvimentos recentes de capacidade na indústria siderúrgica e aponta expectativas para os próximos anos;
- Relatório "2023 Report to Congress on China's WTO Compliance", publicado pela United States Trade Representative (USTR) em fevereiro de 2024, que avalia o status
atual de cumprimento e conformidade da economia chinesa aos compromissos assumidos quando da sua acessão à OMC;
- Relatório "Steel Market Developments", publicado pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) em dezembro de 2023, que analisa a evolução
recente do mercado siderúrgico durante o primeiro semestre de 2023, com reflexões sobre as perspectivas futuras para o setor e trata da realocação de usinas siderúrgicas na China
e a política "Going Out" da China na América Latina;
- Relatório "Concluding observations on the third periodic report of China, including Hong Kong, China, and Macao" (E/C.12/CHN/CO/3), publicado pelo Comitê de Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais do Conselho Econômico e Social das Nações Unidas em março de 2023;
- Trade Policy Review da China, elaborado e publicado pela Organização Mundial do Comércio em novembro de 2021;
- "China's Currency Policy", publicado pelo Congressional Service Search dos Estados Unidos em janeiro de 2019;
- Relatório "State enterprises in the steel sector", publicado pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) em dezembro de 2018, que analisa
a extensão e implicações da presença de empresas estatais no setor siderúrgico;
- Memorando "China's Status as a Non-Market Economy", publicado pelo Departamento de Comércio dos Estados Unidos (DOC) em outubro de 2017, que analisa os fatores
pelos quais a China não deve ser considerada uma economia de mercado, especialmente: (i) possibilidade de conversão da moeda; (ii) liberdade de negociação dos salários e
condições de trabalho; (iii) abertura do mercado a investimentos estrangeiros; (iii) controle governamental sobre a propriedade e meios de produção; e (iv) extensão do controle
governamental sobre o preço e alocação de recursos; e
- Estudo contratado pelo Instituto Aço Brasil "China como Não-Economia de Mercado e a Indústria do Aço", de julho de 2018, elaborado por Welber Oliveira Barral, Gilvan
Brogini, Germano Mendes de Paula e Manuel Humberto Netto.
96. A peticionária ressaltou ter envidado os melhores esforços para apresentar versões atualizadas e dados novos além dos documentos e relatórios já consultados pelo
DECOM em investigações anteriores. Sempre que aplicável, a peticionária destacou ter feito referência aos elementos de prova pertinentes para auxiliar a compreensão da forte
presença do Estado chinês, que seria capaz de determinar as condições em que operam os produtores de aço na China.
97. Com vistas a organizar melhor os argumentos apresentados pela peticionária, os temas mencionados foram divididos nas seções a seguir: (4.1.1.2.1) "Da interferência
do governo chinês na economia e nos setores privados do país, inclusive no setor siderúrgico"; (4.1.1.2.2) "Da estrutura de mercado e da participação e do controle estatal na China";
(4.1.1.2.3) "Da prática de subsídios ao setor siderúrgico", (4.1.1.2.4) "Da situação do mercado siderúrgico mundial e da participação das empresas chinesas" e (4.1.1.2.5) "Precedentes
brasileiros de não economia de mercado no setor siderúrgico da China". Ao final (4.1.1.2.6), serão apresentadas as conclusões da peticionária a respeito do tema.
4.1.1.2.1. Da interferência do governo chinês na economia e nos setores privados do país, inclusive no setor siderúrgico
98. De acordo com a peticionária, a China é governada por um Conselho de Estado (State Council). As decisões deste conselho devem seguir as diretrizes do Partido
Comunista Chinês, partido único que é governante na China e que, portanto, possui o monopólio do poder. O partido é responsável pelas decisões mais importantes relacionadas
aos aspectos políticos, econômicos, civis e às relações exteriores e um dos responsáveis pela implementação do "Estado socialista de mercado".

                            

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