DOU 19/08/2024 - Diário Oficial da União - Brasil

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Nº 159, segunda-feira, 19 de agosto de 2024
ISSN 1677-7042
Seção 1
406. Ressalta-se, inicialmente, que o objetivo desta análise não é apresentar
um entendimento amplo a respeito do
status da China como uma economia
predominantemente de mercado ou não. Trata-se de decisão sobre utilização de
metodologia de apuração da margem de dumping que não se baseie em uma comparação
estrita com os preços ou os custos domésticos chineses, estritamente no âmbito desta
investigação.
407. Cumpre destacar que a complexa análise acerca da prevalência de
condições de economia de mercado no segmento produtivo chinês objeto da investigação
possui lastro no próprio Protocolo de Acessão da China à OMC. Com a expiração do item
15(a)(ii) do referido Protocolo, o tratamento automático de não economia de mercado
antes conferido aos produtores/exportadores chineses investigados cessou. Desde então,
em cada caso concreto, é necessário que as partes interessadas apresentem elementos
suficientes, nos termos do restante do item 15(a), para avaliar, na determinação de
comparabilidade de preços, se i) serão utilizados os preços e os custos chineses
correspondentes ao segmento produtivo objeto da investigação ou se ii) será adotada uma
metodologia alternativa que não se baseie em uma comparação estrita com os preços ou
os custos domésticos chineses.
408. Para alcançar uma conclusão a respeito da prevalência ou não de
condições de mercado no segmento produtivo chinês de laminados planos a frio no
âmbito deste processo, levou-se em consideração todo o conjunto de elementos
probatórios trazidos pela peticionária e também outras evidências que basearam decisões
anteriores da autoridade investigadora a respeito do tema e avaliou-se se esse conjunto
constituiria indício suficientemente esclarecedor para formar a convicção da autoridade
investigadora para fins de início da investigação.
409. A conclusão deste documento parte dos seguintes fatos, os quais foram
comprovados por meio das evidências analisadas anteriormente: i) contribuição decisiva
da China para o excesso de capacidade de aço no mundo, com empresas chinesas
possuindo lucratividade média mais baixa e endividamento maior do que suas congêneres
no exterior -indicadores ainda piores no caso de empresas estatais; ii) alta presença e alto
nível de intervenção governamental, direto ou indireto, em todos os níveis de governo -
significativo inclusive sobre as empresas privadas; e iii) avaliação de que o setor
siderúrgico, segmento produtivo dos laminados planos a frio, é considerado estratégico.
410. Antes de empreender a avaliação per se dos elementos probatórios
submetidos pela peticionária, que será apresentada nos itens a seguir, alguns aspectos são
dignos de ponderação.
411. Tenha-se presente, em primeiro lugar, que a análise realizada não se
refere simplesmente à existência de planos, políticas e programas governamentais. A
condução de políticas industriais e a existência de políticas públicas em si não é suficiente
para caracterizar a não prevalência de condições de economia de mercado. A análise em
comento tem por objeto a avaliação dos tipos de intervenção e, principalmente, o seu
impacto no domínio econômico fruto da ação do Estado naquele segmento produtivo
específico. Não obstante, o estudo de planos, políticas e programas governamentais faz-
se relevante, tendo em conta que as ações e sua forma de implementação podem estar
nas disposições de tais documentos oficiais.
412. A análise aqui exarada difere
daquela realizada no âmbito de
investigações de subsídios acionáveis com vistas à adoção de medidas compensatórias e
de análises de situação particular de mercado previstas no Artigo 2.2 do Acordo
Antidumping, pois a base legal é, mais uma vez, neste caso em específico, o próprio
Protocolo de Acessão da China à OMC. Nesse sentido, não há que se aprofundar sobre
aspectos relativos exclusivamente a investigações de subsídios, como a determinação de
especificidade e o montante exato de subsídios acionáveis eventualmente recebidos por
empresas do setor, pois não se pretende aqui quantificar a magnitude das distorções
existentes de maneira exata.
413. Todavia, em ambiente em
que as políticas estatais distorcem
significativamente o mercado, mesmo agentes privados que aparentemente seguiriam
lógica de mercado acabam tendo sua atuação afetada pela influência dessas políticas.
414. Ademais, distorções mercadológicas não apenas podem ser fruto de
políticas estatais, mas também podem ser acentuadas pela participação relevante de
empresas estatais no setor, que de alguma maneira podem interferir na concorrência
entre empresas e na rationale do mercado do segmento analisado.
415. O nível de distorções provocado pelo envolvimento governamental pode,
dessa forma, ser relevante para conclusão em um caso concreto, caso os elementos
apresentados constituam indícios suficientemente esclarecedores de que tais distorções
muito provavelmente impactariam, de forma não desprezível, a alocação de fatores
econômicos que de outra forma ocorreria se não houvesse tais intervenções.
416. Como já reconhecido pela jurisprudência da OMC em matéria de subsídios
(AB Report - US - Definitive Anti-Dumping and Countervailing Duties on Certain Products
from China, WT/DS379/AB/R, paras. 446-447), a existência de distorções significativas
decorrentes da presença predominante do governo no mercado poderá justificar a não
utilização de preços privados daquele como benchmark apropriado para fins apuração do
montante de subsídios.
417. Assim, a variedade e o nível de subsidização, em conjunto com outras
formas de intervenção governamental, poderão resultar em tamanho grau de distorção
dos incentivos que, no limite, podem acabar fazendo com que deixem de prevalecer
condições de economia de mercado em determinado segmento produtivo.
418. Ressalte-se que, desde 2019, foram concluídas pelo DECOM investigações
que versaram sobre a não prevalência de condições de economia de mercado no
segmento produtivo de aço na China. Além das Resoluções GECEX nº 367 e 420, de 2022,
citadas pela peticionária, cabe ressaltar ainda as investigações de aço GNO, encerrada pela
Portaria SECINT nº 495, de 2019; tubos de aço inoxidável austenítico com costura,
encerrada pela Portaria SECINT nº 506, de 2019; laminados planos de aço inoxidável a frio,
encerrada pela Portaria SECINT nº 4.353, de 2019; cilindros para GNV, encerrada pela
Resolução GECEX nº 225, de 2021; e tubos de aço carbono, encerrada pela Resolução
GECEX nº 497, de 21 de julho de 2023.
419. Das análises prévias do DECOM, importa destacar que as conclusões
alcançadas pelo Departamento acerca da não prevalência de condições de economia de
mercado no setor siderúrgico chinês no âmbito das investigações e revisões citadas no
parágrafo anterior não devem ser interpretadas de forma ampla, produzindo efeitos tão
somente no escopo daqueles processos. Desse modo, na presente investigação coube à
peticionária apresentar todos os elementos pertinentes nos autos deste processo para a
devida análise.
420. Não obstante, os trechos a seguir refletem, em grande medida, o
entendimento anteriormente já adotado pelo Departamento no âmbito dos referidos
procedimentos no segmento produtivo de aço na China.
421. Com vistas a organizar melhor o posicionamento do DECOM, os temas
mencionados acima foram divididos nas seções a seguir: (4.1.1.4.1) "Da situação do
mercado siderúrgico mundial, da estrutura de mercado, da participação das empresas
chinesas e do controle estatal na China"; (4.1.1.4.2) "Dos planos, das diretrizes e das
metas do Governo da China e sua influência sobre empresas estatais e privadas no setor
siderúrgico"; (4.1.1.4.3) Das práticas distorcivas do mercado e (4.1.1.4.4) "Da conclusão
sobre a prevalência de condições de economia de mercado no segmento produtivo de
laminados planos a frio e da metodologia de apuração do valor normal".
4.1.1.4.1. Da situação do mercado siderúrgico mundial, da estrutura de
mercado, da participação das empresas chinesas e do controle estatal na China
422. Conforme apresentado pela peticionária, dados recentes da OCDE,
constantes do relatório Latest Developments in Steelmaking Capacity 2023, indicam que a
expansão da
capacidade produtiva mundial de
aço continua em
ritmo robusto,
frequentemente em busca de mercados para exportação.
423. De acordo com dados da OCDE, de 2007 a 2023, a capacidade instalada
de aço bruto da China aumentou aproximadamente 100%, subindo de 588,5 milhões de
toneladas para 1.173,3 milhões de toneladas, muito superior ao crescimento observado a
nível mundial.
424. Em 2023, segundo publicação da World Steel Association, a produção
mundial de aço bruto alcançou 1.888,2 milhões de toneladas, das quais 1.019,1 milhões
foram produzidas pela China que configurou o principal país produtor no mesmo período.
Para fins comparativos vale destacar que em 2023 o segundo maior produtor de aço do
mundo foi a Índia, responsável pela produção de apenas 140,2 milhões de toneladas.
425. Cumpre ressaltar que a S&P Global Commodity Insights, publicação
especializada, em artigo a respeito dos volumes de capacidade, produção e exportação de
aço chinês em 2024, registrou que o aumento da capacidade e da produção na China
contrasta com a insuficiente demanda de aço no mercado interno chinês, em especial pela
demanda letárgica no setor de construção civil.
426. É importante ressaltar que a propriedade estatal de empresas não pode
ser considerada, individualmente, como um fator determinante para se atingir uma
conclusão a respeito da prevalência de condições de economia de mercado em
determinado setor.
427. No entanto, vale salientar particularidade do setor siderúrgico a esse
respeito, como demonstrado no Relatório da OCDE "State enterprises in the steel sector"
(2018):
Although state enterprises are relatively low in numbers compared to private
enterprises, they account for an important share of global crude steel production. In 2016,
22 of the world's 100 largest steelmaking companies were state enterprises. State
enterprises represented at least 32% of global crude steel output in 2016.
428. De acordo esse estudo, a produção de aço é considerada setor industrial
de base, normalmente considerado estratégico para o desenvolvimento econômico, o que
explicaria maior presença de empresas estatais nesse setor que em outros setores
industriais.
429. Cumpre citar que o art. 30 da Constituição do Partido Comunista da China
estabelece que uma organização primária do Partido deve ser formada em qualquer
empresa [...] onde há três ou mais membros do Partido.
430. A Constituição do PCC ainda diferencia os papéis que o Partido Comunista
deveria exercer em empresas estatais e privadas. Conforme art. 33, em empresas estatais,
entre outras coisas, o Comitê deve desempenhar papel de liderança, definir a direção
certa, ter em mente o panorama geral, assegurar a implementação das políticas e
princípios do Partido, discutir e decidir sobre questões importantes da sua empresa.
Ademais, deve garantir e supervisionar a implementação dos princípios e políticas do
Partido e do Estado dentro de sua própria empresa e apoiar o conselho de acionistas,
conselho de administração, conselho de supervisores e gerente (ou diretor de fábrica) no
exercício de suas funções e poderes de acordo com a lei. Deve ainda exercer liderança
sobre o trabalho dos Sindicatos.
431. No que se refere às empresas privadas, as entidades devem, entre outras
coisas, implementar os princípios e políticas do Partido, orientar e supervisionar a
observância das leis e regulamentos estatais, exercer liderança sobre sindicatos, promover
unidade e coesão entre trabalhadores e funcionários e promover o desenvolvimento
saudável de suas empresas.
432. Assim, seria possível observar que o regulamento permite grau de
controle maior do Comitê do Partido sobre as empresas estatais. Regulamentos do Partido
emitidos em junho de 2015 indicam que o Secretário do Comitê de uma empresa estatal
deve ser determinado conforme a estrutura de governança interna da empresa. Isto
significa que, na prática, dificilmente será nomeado Secretário do Comitê uma pessoa que
não seja o próprio Presidente ou algum Diretor da empresa.
433. Nessa esteira, é oportuno consignar que o governo chinês mantém
quantidade significativa de empresas estatais, ou SOEs, através das quais exerce influência
substancial e direta sobre a economia, em especial em setores como o siderúrgico.
Segundo a OMC, o número de SOEs na China aumentou de 2013 a 2019 e essas empresas
já representam 5,5% do total de entidades ligadas ao setor industrial. Se considerada a
representatividade das estatais em relação aos ativos, tem–se que 40% são controlados
diretamente pelo Estado chinês. No entanto, ainda segundo dados da OMC, apenas 24%
do lucro das empresas chinesas em 2019 originou–se das SOEs. Assim, é possível inferir
que, de modo geral, as empresas estatais são menos rentáveis do que as empresas
privadas, uma vez que suas atividades seriam orientadas para a implementação das
políticas chinesas, como manutenção do nível de emprego, e não necessariamente à
obtenção de lucro, como ocorreria caso se tratasse de uma economia de mercado.
434. Nesse sentido, ressaltam-se as perdas de lucratividade e endividamento
da indústria siderúrgica chinesa, com perdas financeiras suportadas por empresas estatais,
propensas a registrar períodos mais longos de resultados negativos em comparação com
suas contrapartes privadas, conforme exposto no item 4.1.1.2.2 deste documento. Apesar
dos resultados financeiros, contudo, as empresas estatais chinesas mantêm, ou mesmo
expandem, a magnitude da capacidade produtiva e o volume de produção, seguindo as
orientações constantes dos planos de governo.
435. Diante do exposto, pode-se observar que a presença do Estado chinês,
seja ele central ou subnacional, é massiva no setor de aço. A participação das empresas
formalmente estatais na produção chinesa é bastante significativa. Além do simples
controle societário, contudo, há outros aspectos que tornam o controle do Estado e do
PCC ainda mais profundo no âmbito das empresas, inclusive privadas, como a atuação dos
Comitês do Partido dentro da estrutura das empresas e o fato de os Sindicatos dos
trabalhadores estarem submetidos às empresas e ao Partido.
4.1.1.4.2. Dos planos, das diretrizes e das metas do Governo da China e sua
influência sobre empresas estatais e privadas no setor siderúrgico
436. Conforme já avaliado pelo DECOM em diversas investigações e revisões de
defesa comercial para o setor siderúrgico, há elementos robustos que indicam que os
planos do governo chinês, como os Planos Quinquenais, têm papel orientador relevante
na forma como o governo intervém na economia de tal forma que condições de economia
de mercado não prevaleçam.
437. Entre os planos governamentais mais importantes do governo chinês,
pode-se citar o Plano Quinquenal, que estabelece as diretrizes, as metas e objetivos mais
gerais para a economia. Há também os planos específicos e setoriais, derivados dos Planos
Quinquenais, que detalham diretrizes e metas por setor produtivo. No âmbito das
províncias e municípios, observa-se também que há planos subnacionais, sempre de
acordo com as diretrizes e objetivos estabelecidos pelo governo central.
438. No âmbito da investigação de subsídios acionáveis nas exportações para
o Brasil de produtos laminados planos a quente originárias da China, encerrada por meio
da Resolução CAMEX no 34, de 21 de maio de 2018, publicada em edição extra do Diário
Oficial da União da mesma data, os diversos planos governamentais conhecidos foram
determinantes para identificação do caráter estratégico do setor siderúrgico chinês, o que
se refletia na destinação de relevantes subsídios às empresas investigadas:
[...] a estratégia chinesa para promover o rápido crescimento da sua economia
é definida em suas políticas industriais, tanto de nível nacional quanto de nível local.
Nesse sentido, a indústria siderúrgica é reiteradamente identificada como fundamental
para o desenvolvimento chinês e, consequentemente, possui prioridade no recebimento
de subsídios governamentais. Os subsídios concedidos fazem parte da estratégia do
governo de "direcionar capital estatal para indústrias relevantes para a segurança e
economia nacional através da injeção discricionária e racional de capital", conforme os
planos e políticas destacados abaixo:
a) planos quinquenais (Five-Year Plan), do oitavo ao décimo terceiro, cobrindo
o período de 1991 a 2020;
b) políticas específicas para o setor siderúrgico - "Iron and Steel Development
Policy", "Iron and Steel Industry Adjustment and Revitalization Plan" ("Steel Adjustment
Plan"), de 2009, "Iron and Steel Industry 12th Five Year Plan", de 2011, "Iron and Steel
Normative Conditions", de 2012, e "Guiding Opinions on Resolving the Problem of Severe
Excess Capacity", de 2013;
c) políticas de apoio científico e tecnológico - "Guideline for the National
Medium and Long Term Science and Technology Development Plan", "National Medium
and Long Term Science and Technology Development Plan", "Decision on Implementing
the Science and Technology Plan and Strengthening the Indigenous Innovation", todas de
2006; e
d) políticas de direcionamento de investimentos - "Decision of the State
Council on Promulgating and Implementing the Temporary Provisions on Promoting
Industrial Structure Adjustment", de 2005, e "Provisions on Guiding the Orientation of
Foreign Investment", de 2002"17. (grifou-se)
439. Na investigação citada de subsídios acionáveis, restou evidente para a
autoridade investigadora brasileira que os diversos planos existentes apontavam o setor
siderúrgico como estratégico
para o Governo da China,
tendo preferência para
recebimento de subsídios concedidos por esse governo.

                            

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