DOU 02/09/2024 - Diário Oficial da União - Brasil

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Nº 169, segunda-feira, 2 de setembro de 2024
ISSN 1677-7042
Seção 1
146. Com base nesses elementos, o DECOM detalha seu entendimento sobre o setor siderúrgico chinês, embasando-se em análises e experiências anteriores, além das
evidências mais recentes apresentadas pela peticionária. Especificamente, em relação ao setor siderúrgico chinês, que inclui o segmento de laminados planos revestidos, há
jurisprudência consolidada por esta autoridade investigadora indicando que o setor não opera em condições de economia de mercado.
147. Ressalte-se que, desde 2019, foram concluídas pelo DECOM investigações que versaram sobre a não prevalência de condições de economia de mercado no segmento
produtivo de aço na China, das quais se destacam as investigações de aço GNO, encerrada pela Portaria SECINT nº 495, de 12 de julho de 2019; tubos de aço inoxidável austenítico
com costura, encerrada pela Portaria SECINT nº 506, de 24 de julho de 2019; laminados planos de aço inoxidável a frio, encerrado pela Portaria SECINT nº 4.353, de 1º de outubro
de 2019; e cilindros para GNV, encerrado pela Resolução GECEX nº 225, de 23 de julho de 2021, tubos de aço não ligado, encerrado pela Resolução GECEX nº 367, de 2022; barras
chatas, encerrada pela Resolução GECEX nº 420, de 2022 e cordoalhas de aço, encerrada pela Resolução CAMEX nº 484/2023. Sublinha-se que em todas essas investigações o setor
de aço chinês foi considerado como economia não de mercado.
148. Assim, os trechos a seguir refletem, em grande medida, o entendimento anteriormente já adotado pelo Departamento no âmbito dos referidos procedimentos no
segmento produtivo de aço na China.
149. Inicialmente, cabe ilustrar a situação do mercado siderúrgico mundial. A capacidade instalada mundial de aço bruto cresceu 112% de 2000 a 2017, segundo dados da
OCDE. Nesse mesmo período, a capacidade instalada de aço bruto da China aumentou 600%. Consequentemente, sua participação na capacidade instalada mundial subiu
significativamente. Em 2000, a participação da China nessa capacidade era de 14%, enquanto que, em 2017, chegou a 47%, tendo atingido seu ápice de 2013 a 2015, quando
representou em torno de 49% da capacidade instalada mundial.
150. Esse crescimento, contudo, não foi acompanhado por aumento proporcional da demanda mundial por aço. Dados da World Steel Association (2018) mostram que, no
mesmo período de 2000 a 2017, a produção mundial cresceu 837 Mt, em comparação com o aumento de 1.195 Mt de capacidade instalada mundial. Consequentemente, a capacidade
ociosa do setor siderúrgico mundial cresceu no período.
151. Pode-se observar, porém, dois momentos distintos no comportamento da capacidade ociosa entre 2000 e 2017. Até pelo menos 2007, um ano antes da crise financeira
internacional, o aumento de capacidade instalada cresceu de maneira similar ao aumento da produção. Contudo, a partir de 2008, há um claro descolamento em direção a um excesso
de capacidade na indústria. Em 2015, auge da participação chinesa na capacidade instalada mundial, registrou-se o maior volume absoluto da capacidade ociosa (714 Mt) e o menor
grau de utilização da capacidade (69%). Em 2017, a capacidade ociosa caiu para 562 Mt, mas ainda assim 2,7 vezes maior do que em 2000 e 2,3 vezes maior do que em 2007.
152. De acordo com o Relatório "State Enterprises" da OCDE (2018), pelo menos 32% da produção mundial foi gerada por empresas estatais em 2016. Segundo o relatório,
55% dos investimentos planejados ou em andamento para aumento da capacidade instalada era de empresas estatais, das quais a maioria são chinesas.
153. Dessa forma, seria possível argumentar que a China contribuiu significativamente para o excesso de capacidade de aço no mundo, especialmente a partir de 2008.
154. Dados atualizados da OCDE, apresentados no Relatório Latest Developments in Steelmaking Capacity 2023, indicam que a expansão da capacidade continua a um ritmo
robusto, frequentemente em busca de mercados para exportação. Apenas em 2022, a capacidade global de produção de aços aumentou em 32,1 milhões de toneladas métricas (mmt)
alcançando 2.459,1 mmt, o nível mais elevado de capacidade global na história. O relatório ainda indica que a capacidade de produção mundial deve continuar a expandir nos próximos
anos, sendo que a China e a Índia, os dois maiores produtores de aço, continuarão a representar cerca da metade da capacidade global de produção de aço.
155. Embora o relatório citado aponte que a capacidade de produção de aços na China foi reduzida por quatro anos consecutivos, até 2018, observa-se, contudo, que tal
capacidade tem aumentado desde então, de modo que alcançou 1.149.9 mmt, em 2022.
156. Apesar do crescimento da capacidade, a demanda mundial por aço não acompanhou o mesmo ritmo. Este desequilíbrio levou a uma capacidade ociosa significativa,
contribuindo para a redução dos preços do aço no mercado internacional e pressionando as margens de lucro das siderúrgicas fora da China. Essa situação é exacerbada pelo apoio
estatal contínuo às siderúrgicas chinesas, que, apesar de operarem frequentemente com margens negativas, continuam a aumentar sua produção e exportações.
157. Com relação à deterioração da saúde financeiras das empresas do setor, a OCDE, no estudo Excess Capacity in the Global Steel Industry and the Implications of New
Investment Projects, de 2015, já havia sublinhado o problema, ao concluir que o desempenho financeiro da indústria siderúrgica global havia se deteriorado para níveis não vistos desde
a crise do aço no final da década de 1990. Ademais, afirmou que havia uma relação estatisticamente significativa entre a capacidade excedente e a lucratividade e o endividamento
da indústria.
158. Segundo a OCDE, o excesso de capacidade afeta a lucratividade por meio de vários canais:
Dois canais principais são os custos e preços. Por exemplo, em períodos de baixa utilização de capacidade, as economias de escala não são totalmente exploradas e, assim,
os custos são mais altos e os lucros mais baixos. Os preços também tendem a ser menores durante períodos de baixa utilização da capacidade, impactando diretamente os lucros.
No nível global, os efeitos do excesso de capacidade são transmitidos através do comércio; excesso de capacidade pode levar a surtos de exportação, levando a quedas de preços
e perdas de quota para produtores domésticos concorrentes na importação (OCDE, 2015).
159. Por meio de uma análise dos balanços de empresas siderúrgicas listadas, o estudo analisou indicadores como o fluxo de caixa das empresas, relação dívida/lucro
operacional antes de juros, impostos, depreciação e amortização e as oportunidades de investimento (price-to-book ratio), concluindo que as indústrias deste setor estariam precisando
de fundos externos para cobrir os investimentos ou mesmo manter as atividades operacionais, que o endividamento está tão elevado que trazem questionamentos quanto à solvência
delas, e que as oportunidades de investimentos são escassas, ou praticamente inexistentes.
160. O DECOM já identificou, em investigações de defesa comercial anteriores, que a margem de lucro das indústrias siderúrgicas chinesas é, em média, mais baixa do que
a de suas congêneres do resto do mundo. Segundo a McKinsey, estas margens não permitiriam a sobrevivência das empresas nem mesmo no curto prazo.
161. O estudo da OCDE (2018) sugere que as estatais são mais propensas a registrar períodos mais longos de resultados negativos em comparação com suas contrapartes
privadas, e que estão significativamente e positivamente correlacionadas com a persistência em perdas financeiras.
162. Tais cenários de lucratividade reduzida e endividamento crescente parece não ter se alterado de forma significativa nos últimos anos, consoante informações
apresentadas pelas peticionárias, como o artigo já mencionado China Commodity trip: a not yet bottomed construction sector; potentially more robust green demand, de 2024, da
Goldman Sachs.
163. Além disso, a participação de empresas estatais chinesas no setor siderúrgico é historicamente conhecida. Segundo o relatório do Instituto Aço Brasil, em 2015, havia
159 mil empresas estatais na China, das quais 25 mil estavam no setor de manufatura, incluindo a siderurgia. Dentre as 50 maiores siderúrgicas do mundo em 2010, 17 eram estatais,
e 15 destas eram chinesas, destacando o papel predominante das empresas estatais no cenário global. A Comissão Europeia, em 2017, estimou em 49% a participação de empresas
estatais na produção de aço.
164. Segundo as peticionárias, quatro das seis das principais siderúrgicas chinesas seriam estatais e estariam entre as 10 maiores produtoras do mundo e citaram a China
Baowu Group, HBIS Group, a Ansteel Group e a Shougang Group. Como maiores produtoras de aços laminados planos revestidos, citou a Angang Steel Company Limited, Baosteel Group
Corporation, Begang Steel Plates Co. Ltd, Wuhan Iron and Stee ("Grupo Wisco"), HBIS Group, Changshu Everbright Material Technology Co. Ltd. e Shougang Group.
165. A esse respeito, cabe mencionar que a participação das empresas estatais tem fulcro nos diversos planos governamentais elaborados pelo Governo da China. Pode-
se dizer que o plano mais importante são os Planos Quinquenais, arcabouço normativo principal do Governo da China que estabelece as diretrizes e objetivos mais gerais para a
economia. Há também planos específicos e setoriais, derivados dos Planos Quinquenais, que detalham diretrizes e metas por setor produtivo. No âmbito das províncias e municípios,
observa-se também que há planos subnacionais, sempre de acordo com as diretrizes e objetivos estabelecidos pelo governo central.
166. O 14º Plano Quinquenal, que cobre o período de 2021 a 2025, continua a promover o setor siderúrgico como uma prioridade nacional e enfatiza a necessidade de
aumentar a competitividade das indústrias de base e de transformação, incluindo a desse setor. Este plano, juntamente com o 14º Plano Quinquenal para o Desenvolvimento da
Indústria de Matérias-Primas, estabelece metas específicas para a inovação tecnológica, a eficiência energética, e a produção de aço de alto valor agregado. Além disso, a iniciativa
"Made in China 2025" continua a desempenhar papel crucial na definição das políticas industriais, com foco em reduzir a dependência de tecnologia estrangeira e aumentar a
competitividade global.
167. No âmbito da investigação de subsídios acionáveis nas exportações para o Brasil de produtos laminados planos a quente originárias da China, encerrada por meio da
Resolução CAMEX nº 34, de 21 de maio de 2018, publicada em edição extra do Diário Oficial da União da mesma data, os diversos planos governamentais conhecidos foram
determinantes para identificação do caráter estratégico do setor siderúrgico chinês, o que se refletia na destinação de relevantes subsídios às empresas investigadas:
[...] a estratégia chinesa para promover o rápido crescimento da sua economia é definida em suas políticas industriais, tanto de nível nacional quanto de nível local. Nesse
sentido, a indústria siderúrgica é reiteradamente identificada como fundamental para o desenvolvimento chinês e, consequentemente, possui prioridade no recebimento de subsídios
governamentais. Os subsídios concedidos fazem parte da estratégia do governo de "direcionar capital estatal para indústrias relevantes para a segurança e economia nacional através
da injeção discricionária e racional de capital", conforme os planos e políticas destacados abaixo:
a) planos quinquenais (Five-Year Plan), do oitavo ao décimo terceiro, cobrindo o período de 1991 a 2020;
b) políticas específicas para o setor siderúrgico - "Iron and Steel Development Policy", "Iron and Steel Industry Adjustment and Revitalization Plan" ("Steel Adjustment Plan"),
de 2009, "Iron and Steel Industry 12th Five Year Plan", de 2011, "Iron and Steel Normative Conditions", de 2012, e "Guiding Opinions on Resolving the Problem of Severe Excess
Capacity", de 2013;
c) políticas de apoio científico e tecnológico - "Guideline for the National Medium and Long Term Science and Technology Development Plan", "National Medium and Long
Term Science and Technology Development Plan", "Decision on Implementing the Science and Technology Plan and Strengthening the Indigenous Innovation", todas de 2006; e
d) políticas de direcionamento de investimentos - "Decision of the State Council on Promulgating and Implementing the Temporary Provisions on Promoting Industrial
Structure Adjustment", de 2005, e "Provisions on Guiding the Orientation of Foreign Investment", de 2002". (grifo nosso)
168. Na investigação citada de subsídios acionáveis, restou evidente para a autoridade investigadora brasileira que os diversos planos existentes apontavam o setor
siderúrgico como estratégico para o Governo da China, tendo preferência para recebimento de subsídios concedidos por esse governo.
169. A influência que o Governo da China exerce sobre o setor siderúrgico pode ser notado na tentativa do governo de enfrentar o problema da fragmentação da produção
de aço na China. Trata-se de desafio que foi constantemente apontado pelos Planos Quinquenais 11º, 12° e 13°, e nos Planos setoriais decorrentes, os quais cobrem o período de
2005 a 2020.
170. Como consequência desse problema, o governo central chinês procurou aumentar a concentração de mercado, estabelecendo metas de participação de mercado das
maiores empresas e, até mesmo, determinando explicitamente as empresas que deveriam realizar fusões com esse propósito.
171. As diretrizes estabelecidas acerca da necessidade de concentração de mercado tiveram efeito direto na organização do setor siderúrgico na China. A esse respeito, pode-
se mencionar o caso do Grupo Baosteel, que se tornou a maior siderúrgica da China após a concretização da fusão com outra empresa estatal ligada ao governo central, a WISCO.
Esta fusão era uma meta já prevista no "Iron and Steel Industry Adjustment and Revitalization Plan" ("Steel Adjustment Plan") em 2009 e, embora tenha levado alguns anos para se
efetivar, foi finalmente levada a cabo no final de 2016.
172. Outra fusão prevista no Steel Adjustment Plan, foi a fusão da Bengang Plates com a Anshan. Aquela empresa é uma estatal ligada ao Governo da Província de Liaoning,
com fortes vínculos com o desenvolvimento municipal e provincial, enquanto esta é uma empresa estatal ligada ao governo central. Essa fusão, todavia, não se concretizou por
"divergências de interesse" e "desgaste político".
173. Já a empresa TPCO, estatal ligada ao Município-Província de Tianjin, uniu-se a três outras empresas do Município já em 2010, consoante diretriz prevista no Steel
Adjustment Plan. Contudo, a fusão foi desfeita em 2016 pelo Governo de Tianjin no âmbito de um conturbado processo de reestruturação da dívida do Grupo.
174. Além disso, observa-se que estatais ligadas ao governo central tendem a se alinhar mais automaticamente às diretrizes explícitas de planos elaborados pelo governo
central chinês, de forma que os encerramentos de linhas de produção poderiam ter caráter meramente de medidas administrativas, sem preocupações com a eficiência alocativa.
175. Cabe destacar que, a despeito de a estrutura do mercado siderúrgico chinês ser fortemente caracterizada pela influência e controle estatais, evidenciando intervenção
governamental significativa que se estende a todos os níveis da economia, a propriedade de empresas estatais, por si só, não determina a ausência de condições de mercado, mas
sim a maneira como o controle é exercido pelo Estado. Mesmo na ausência de controle de empresas estatais, os regulamentos ou a presença nos órgãos de governança de empresas
podem fornecer margem suficiente para o Estado influenciar o processo de tomada de decisão. A variedade de circunstâncias e a falta de transparência sobre como o controle e a
influência do Estado podem ser exercidos torna a análise de políticas bastante complexa. O Relatório "Empresas Estatais no Setor de Aço" da OCDE (2018), "State Enterprises " salientou
esse problema, e adicionou que há diferentes metodologias para se estimar a representatividade das SOEs no setor siderúrgico. Ainda, salientou que a atuação das empresas estatais
submetidas ao governo central, provincial ou municipal não podem ser vistas como um padrão monolítico, dados os conflitos de interesse entre os níveis de governo. Em outras
palavras, as políticas públicas de estímulo às indústrias siderúrgicas chinesas diferem de acordo com o nível de governo, o que é um indicativo da existência de incentivos com efeitos
contraditórios sobre o setor.
176. De todo modo, é relevante mencionar que, além da questão da propriedade e controle de empresas estatais, observa-se que o setor siderúrgico chinês é
significativamente beneficiado por subsídios governamentais, o que lhes permite manter operações e exportações em níveis elevados, independentemente da lucratividade. A
intervenção governamental, não só por meio do controle de empresas estatais, mas também por meio da concessão de subsídios, tem impacto direto na dinâmica do setor.
177. No período pós-crise financeira de 2008, a concessão de subsídios no setor siderúrgico chinês parece ter acelerado, o que pode ser atestado pelo número de casos
de medidas compensatórias iniciados contra a China nos últimos anos.

                            

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