DOU 02/09/2024 - Diário Oficial da União - Brasil

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Nº 169, segunda-feira, 2 de setembro de 2024
ISSN 1677-7042
Seção 1
produtivo investigado, de modo que a determinação do método de apuração do valor normal em cada caso dependerá dos elementos de prova apresentados nos autos do processo
pelas partes interessadas, acerca da prevalência ou não de condições de economia de mercado no segmento produtivo específico do produto similar.
113. Esse posicionamento decorre das regras de interpretação da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados - a qual, em seu Artigo 31, estabelece que "1. Um tratado
deve ser interpretado de boa-fé segundo o sentido comum atribuível aos termos do tratado em seu contexto e à luz de seu objetivo e finalidade". Ademais, com base no princípio
interpretativo da eficácia (effet utile ou efeito útil), as disposições constantes de um acordo devem ter um significado. Tanto é assim que, segundo o Órgão de Apelação da OMC
(DS126: Australia - Subsidies Provided to Producers and Exporters of Automotive Leather, Recourse to Article 21.5 of the DSU by the United States - WTO Doc. WT/DS 126/RW):
6.25 The Appellate Body has repeatedly observed that, in interpreting the provisions of the WTO Agreement, including the SCM Agreement, panels are to apply the general
rules of treaty interpretation set out in the Vienna Convention on the Law of Treaties. These rules call, in the first place, for the treaty interpreter to attempt to ascertain the ordinary
meaning of the terms of the treaty in their context and in the light of the object and purpose of the treaty, in accordance with Article 31(1) of the Vienna Convention. The Appellate
Body has also recalled that the task of the treaty interpreter is to ascertain and give effect to a legally operative meaning for the terms of the treaty. The applicable fundamental
principle of effet utile is that a treaty interpreter is not free to adopt a meaning that would reduce parts of a treaty to redundancy or inutility. (grifo nosso)
114. Dessa forma, a expiração específica do item 15(a)(ii), com a manutenção em vigor do restante do Artigo 15(a), deve ter um significado jurídico, produzindo efeitos
operacionais concretos. A utilização da metodologia alternativa deixa de ser, portanto, "automática", e passa-se a analisar, no caso concreto, se prevalecem ou não condições de
economia de mercado no segmento produtivo investigado. Assim, a decisão acerca da utilização ou não dos preços e custos chineses em decorrência da análise realizada possui efeitos
que se restringem a cada processo específico, e não implica de nenhuma forma declaração acerca do status de economia de mercado do Membro. Por um lado, caso tais provas não
tenham sido apresentadas pelas partes interessadas, ou tenham sido consideradas insuficientes, poderão ser utilizados os preços e custos chineses para a apuração do valor normal
no país, desde que atendidas as demais condições previstas no Acordo Antidumping. Por outro lado, caso tenham sido apresentadas provas suficientes de que não prevalecem condições
de economia de mercado no segmento produtivo, a metodologia de apuração do valor normal a ser utilizado na determinação da probabilidade de continuação de dumping poderá
não se basear nesses preços e custos do segmento produtivo chinês.
115. Especificamente para fins da análise da prevalência de condições de economia de mercado no segmento produtivo de laminados planos revestidos no âmbito desta
investigação, que resulta na tomada de decisão sobre a apuração do valor normal a ser utilizado na determinação da prática de dumping, aplica-se o entendimento exposto acerca
das disposições do Artigo 15 do Protocolo de Acessão da China.
4.1.2. Da manifestação das peticionárias sobre o tratamento da China para fins de cálculo do valor normal
116. A fim de defender que o setor de siderurgia chinês não operaria em condições de mercado, as peticionárias citaram, entre outros, documentos da Comissão Europeia,
da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), ambos de 2024, da United States Trade Representative (USTR), de 2023, das Nações Unidas, de 2023, e relatório
da Organização Mundial do Comércio de 2021.
117. As peticionárias defenderam que o setor siderúrgico atuaria sob interferência estatal, não estando sujeito às condições de mercado devido a favorecimento estatal por
meio de subsídios, empréstimos a taxas preferenciais, redução de custo da energia, de insumos e do preço da terra, além de incentivos à aquisição de tecnologia, reduções de
tributação sobre renda e de tributação indireta e incentivo relacionado à performance exportadora.
118. As peticionárias descreveram os planos quinquenais desde o 8º (1991 a 1995), quando foi tratada a indústria siderúrgica, até o 12º (2011 a 2015), focaram nos planos
quinquenais 13º e 14º, vigentes no período de investigação. Nestes planos, poderia ser observada a preocupação estatal no problema do excesso de capacidade produtiva dos setores
de aço, carvão e outras indústrias com dificuldades. Também seria observado direcionamento prioritário de políticas para o setor da siderurgia nacional chinesa.
119. Além dos planos quinquenais, outras políticas setoriais específicas como o "Plano de Ajuste e Melhoria da Indústria do Ferro e Aço", dentro do 13º Plano Quinquenal
(2016 a 2020), e o "Implementation Measures for Capacity Replacement in the Iron and Steel Industry Legislation" de 2018 indicariam interferência no registro de novas plantas que
não cumprissem requisitos de padronização, consumo energético, qualidade, segurança e padrões técnicos. Foi citado documento de abril de 2024 em que a Comissão Europeia fez
observações sobre a prevalência de instituições financeiras estatais na operação de financiamentos e análise de risco para empréstimos à indústria do aço chinês, além de políticas
preferenciais de empréstimo e subsídios, programas de redução ou isenção de taxas, entre outros.
120. As peticionárias alegaram que o governo chinês direciona investimentos estrangeiros por meio de listas negativas de acesso a mercado e catálogo de incentivo a
investimento estrangeiro e apresentaram publicação de Guia para Investimento Estrangeiro de 2002 e Catálogo Guia de Reestruturação da Indústria de 2019 e 2023. Esses documentos
ressaltariam a transição de uma economia de "crescimento rápido" para uma economia de "desenvolvimento qualitativo" em que indústrias altamente poluentes, produtivamente não
seguras, tenderiam a desaparecer.
121. O Catálogo de 2024, segundo a assessoria de investimentos "China Briefing", classificaria indústrias em três categorias: encorajadas, restritas e obsoletas, sendo que
o investimento nas duas últimas categorias seria limitado. No caso das indústrias restritas, os investimentos seriam direcionados para que melhorassem sua sustentabilidade. No caso
das indústrias obsoletas, os investimentos seriam proibidos. Segundo o Decreto nº 346 do Conselho de Estado Chinês, caso a indústria restrita recebesse investimentos estrangeiros
e exportasse acima de 70% do total de suas vendas, ela poderia ser considerada como projeto permitido com a aprovação dos órgãos governamentais.
122. As peticionárias indicaram artigo da Goldman Sachs ("China Commodity trip: a not yet bottomed construction sector; potentially more robust green demand", de março
de 2024) em que se teria estimado que 90% das siderúrgicas operariam com prejuízo e que os cortes em produção estariam sendo expandidos desde o fim de 2023. Argumentaram
também a respeito da influência da filiação partidária para a assunção a cargos nas empresas estatais, citando a siderúrgica HBIS e a Baosteel.
123. As peticionárias ressaltaram que o sistema financeiro chinês, predominantemente estatal beneficiaria setores estratégicos, como o siderúrgico. O órgão regulador do
sistema financeiro teria incorporado as atribuições do Banco da China e da Comissão Regulatória de Seguros desde maio de 2023, e estaria diretamente subordinado ao Conselho de
Estado chinês. Nesse sentido, as operações deficitárias das siderúrgicas chinesas estariam sendo subsidiadas por outras áreas da economia chinesa.
124. Sobre os programas de subsídios à siderurgia chinesa, as peticionárias verificaram que a Organização Mundial do Comércio teria registro de 22 medidas compensatórias
para importações originárias da China aplicadas a partir de 2019 por países membros.
125. As peticionárias igualmente sublinharam que as principais empresas siderúrgicas da China são estatais e controladas pelo governo chinês. Por conta disso, mesmo as
siderúrgicas não estatais seriam influenciadas de forma significativa pelas políticas decorrentes do controle estatal das empresas predominantes. Dessa maneira, seria possível concluir
que mercado chinês não possui mecanismos de economia de mercado e, portanto, não poderiam ser comparados, em nível de autonomia empresarial e concorrencial aos mercados
de livre concorrência considerados economia de mercado.
126. Sobre as matérias-primas envolvidas na produção de aço, as peticionárias citaram decisões de autoridades dos EUA e União Europeia que impuseram medidas
compensatórias para o ferro chinês.
127. Já, no que tange ao setor de energia, foi destacado que haveria também controle das empresas estatais sobre a produção de carvão mineral, sendo o carvão também
parte dos setores estratégicos incluídos no 13º Plano Quinquenal e no 14º Plano Quinquenal de Desenvolvimento da Indústria de Matérias-primas. O carvão mineral para produção
de coque é fundamental para a produção de minério de ferro na China e 62% da produção do carvão na China se daria por empresas estatais.
128. A respeito da mão de obra na China, as peticionárias defenderam que uma das razões pelas quais o custo da mão de obra ser baixo seria o fato de que haveria apenas
um sindicato no país e que este cumpriria apenas um propósito ideológico. Para tanto, citaram o relatório do Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais do Conselho Econômico
e Social da Organização das Nações Unidas (ECOSOC), de 2023, que destacaria preocupações a respeito dessa questão.
129. As peticionárias argumentaram que o sistema de benefícios sociais da China se daria com a manutenção do trabalhador em locais designados tradicionalmente, ou seja,
a migração seria desestimulada com a retirada de benefícios. No entanto, muitos trabalhadores se submeteriam à perda do benefício e migrariam para as cidades o que geraria mão
de obra barata nos centros urbanos.
130. Com relação ao direito à propriedade e uso da terra na China, as peticionárias argumentaram que as empresas siderúrgicas receberiam benefícios por meio da facilitação
de concessão de áreas a preços reduzidos e também da realocação em cumprimento a metas estatais de proteção de meio ambiente. Tendo em vista incentivos aos setores a jusante,
as peticionárias citaram o 13º Plano Quinquenal que criou o programa "Belt and Road Iniciative", mantido pelo 14º Plano Quinquenal.
131. No que concerne ao mercado siderúrgico mundial e ao excesso de capacidade da indústria chinesa, as peticionárias afirmaram que o problema persistiria apesar de
esforços do governo chinês para coibir o avanço de plantas ilegais e obsoleta.
132. Além das alegações já detalhadas neste item, as peticionárias também citaram os precedentes brasileiros de entendimento da China como não economia de mercado
nos casos de aço GNO, tubos de aço inoxidável, laminados planos de aço inoxidável a frio, cilindros para GNV, tubos de aço carbono, folhas metálicas de aço carbono e aços pré-
pintados, todos com decisão publicada a partir de 2019. Em todos os casos citados, o entendimento foi por considerar que o setor siderúrgico chinês não operaria em condições de
economia de mercado.
4.1.3. Da análise do DECOM sobre o tratamento da China para apuração do valor normal na determinação do dumping para fins de início de investigação
133. Registra-se que a análise acerca da prevalência de condições de economia de mercado no segmento produtivo chinês objeto desta investigação possui lastro no próprio
Protocolo de Acessão da China à OMC. Com a expiração do item 15(a)(ii) do referido Protocolo, não há que se falar mais em tratamento automático de não economia de mercado
antes conferido aos produtores/exportadores chineses investigados. Desde então, em cada caso concreto, é necessário que as partes interessadas apresentem elementos suficientes,
nos termos do restante do item 15(a), para avaliar, na determinação de comparabilidade de preços, se i) serão utilizados os preços e os custos chineses correspondentes ao segmento
produtivo objeto da investigação ou se ii) será adotada metodologia alternativa que não se baseie em comparação estrita com os preços ou os custos domésticos chineses.
134. Sublinha-se, ademais, que o objetivo desta análise não é apresentar entendimento amplo a respeito do status da República Popular da China como uma economia
predominantemente de mercado ou não. Trata-se de decisão sobre utilização de metodologia de apuração da margem de dumping que não se baseie em comparação estrita com os
preços ou os custos domésticos chineses. As conclusões aqui exaradas e seus eventuais efeitos devem ser considerados e interpretados de forma restrita, isto é, apenas para o processo
em epígrafe, haja vista que a decisão foi embasada a partir do conjunto probatório acostado aos autos deste processo pela peticionária para fins de início de investigação.
135. A análise realizada tampouco é sobre a existência de planos, políticas e programas governamentais. A condução de políticas industriais e a existência de políticas
públicas em si não é suficiente para caracterizar a não prevalência de condições de economia de mercado. A análise em comento tem por objeto a avaliação dos tipos de intervenção
e, principalmente, o seu impacto no domínio econômico fruto da ação do Estado naquele segmento produtivo específico. Não obstante, o estudo de planos, políticas e programas
governamentais faz-se relevante, tendo em conta que as ações e sua forma de implementação podem estar nas disposições de tais documentos oficiais.
136. Outrossim, a análise aqui exarada também difere daquela realizada no âmbito de investigações de subsídios acionáveis com vistas à adoção de medidas compensatórias e
de análises de situação particular de mercado previstas no Artigo 2.2 do Acordo Antidumping, pois a base legal é, mais uma vez, neste caso em específico, o próprio Protocolo de Acessão
da China à OMC. Nesse sentido, não há que se aprofundar sobre aspectos relativos exclusivamente a investigações de subsídios, como a determinação de especificidade e o montante exato
de subsídios acionáveis eventualmente recebidos por empresas do setor, pois não se pretende aqui quantificar a magnitude das distorções existentes de maneira exata.
137. Importante esclarecer, também, que a concessão de subsídios, per se, não é o suficiente para caracterizar que não prevalecem, em determinado segmento produtivo,
condições de economia de mercado. Com efeito, os acordos multilaterais da Organização Mundial de Comércio (OMC) estabelecem aqueles subsídios considerados proibidos e/ou
acionáveis para fins de aplicação de medidas compensatórias, sem qualquer consideração a respeito da prevalência ou não de condições de economia de mercado naquele setor. Desde
1995, vários países onde indiscutivelmente prevalecem condições de economia de mercado foram afetados por medidas compensatórias impostas por outros Membros da OMC, como
União Europeia (como França, Itália, Bélgica e Alemanha), Estados Unidos, Canadá, Coreia do Sul, etc.
138. Todavia, em ambiente em que as políticas estatais distorcem significativamente o mercado, mesmo agentes privados que aparentemente seguiriam lógica de mercado
acabam tendo sua atuação afetada pela influência dessas políticas.
139. Ademais, distorções mercadológicas não apenas podem ser fruto de políticas estatais, mas também podem ser acentuadas pela participação relevante de empresas
estatais no setor, que de alguma maneira podem interferir na concorrência entre empresas e no rationale do mercado do segmento analisado.
140. O nível de distorções provocado pelo envolvimento governamental poderia, dessa forma, ser relevante para conclusão em um caso concreto, caso os elementos
apresentados constituam indícios suficientemente esclarecedor de que tais distorções muito provavelmente impactariam, de forma não desprezível, a alocação de fatores econômicos
que de outra forma ocorreria se não houvesse tais intervenções.
141. Como já reconhecido pela jurisprudência da OMC em matéria de subsídios (AB Report - US - Definitive Anti-Dumping and Countervailing Duties on Certain Products
from China, WT/DS379/AB/R, paras. 446-447), a existência de distorções significativas decorrentes da presença predominante do governo no mercado poderá justificar a não utilização
de preços privados daquele como benchmark apropriado para fins apuração do montante de subsídios.
142. Assim, a variedade e o nível de subsidização, em conjunto com outras formas de intervenção governamental, poderão resultar em tamanho grau de distorção dos
incentivos que, no limite, podem acabar fazendo com que deixem de prevalecer condições de economia de mercado em determinado segmento produtivo.
143. Ademais, informa-se que as análises empreendidas pelo DECOM se norteiam pela normativa pátria e multilateral, não estando condicionadas a decisões de outras
autoridades investigadoras.
144. Desse modo, na presente investigação de laminados planos revestidos originários da China, coube à peticionária apresentar todos os elementos pertinentes nos autos
deste processo para a devida análise, indicando, inclusive, que a conjuntura no segmento siderúrgico chinês não teria apresentado alterações relevantes.
145. Inicialmente, é importante destacar que a peticionária apresentou elementos de provas pertinentes e detalhados sobre o tema, relevante para a análise que se propõe
na investigação em epígrafe. As evidências fornecidas contribuem para o entendimento das dinâmicas do setor siderúrgico chinês.

                            

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