DOU 19/09/2024 - Diário Oficial da União - Brasil

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Nº 182, quinta-feira, 19 de setembro de 2024
ISSN 1677-7042
Seção 1
140. Registra-se que a análise acerca da prevalência de condições de
economia de mercado no segmento produtivo chinês objeto desta investigação possui
lastro no próprio Protocolo de Acessão da China à OMC. Com a expiração do item
15(a)(ii) do referido Protocolo, não há que se falar mais em tratamento automático de
não economia de mercado antes conferido aos produtores/exportadores chineses
investigados. Desde então, em cada caso concreto, é necessário que as partes
interessadas apresentem elementos suficientes, nos termos do restante do item 15(a),
para avaliar, na determinação de comparabilidade de preços, se i) serão utilizados os
preços e os custos chineses correspondentes
ao segmento produtivo objeto da
investigação ou se ii) será adotada metodologia alternativa que não se baseie em
comparação estrita com os preços ou os custos domésticos chineses.
141. Sublinha-se, ademais, que o objetivo desta análise não é apresentar
entendimento amplo a respeito do status da República Popular da China como uma
economia predominantemente de mercado ou não. Trata-se de decisão sobre utilização
de metodologia de apuração da margem de dumping que não se baseie em comparação
estrita com os preços ou os custos domésticos chineses. As conclusões aqui exaradas e
seus eventuais efeitos devem ser considerados e interpretados de forma restrita, isto é,
apenas para o processo em epígrafe, haja vista que a decisão foi embasada a partir do
conjunto probatório acostado aos autos deste processo pela peticionária para fins de
início de investigação.
142. A análise realizada tampouco é sobre a existência de planos, políticas e
programas governamentais. A condução de políticas industriais e a existência de políticas
públicas em si não é suficiente para caracterizar a não prevalência de condições de
economia de mercado. A análise em comento tem por objeto a avaliação dos tipos de
intervenção e, principalmente, o seu impacto no domínio econômico fruto da ação do
Estado naquele segmento produtivo específico. Não obstante, o estudo de planos,
políticas e programas governamentais faz-se relevante, tendo em conta que as ações e
sua forma de implementação podem estar nas disposições de tais documentos oficiais.
143. Outrossim, a análise aqui exarada também difere daquela realizada no
âmbito de investigações de subsídios acionáveis com vistas à adoção de medidas
compensatórias e de análises de situação particular de mercado previstas no Artigo 2.2
do Acordo Antidumping, pois a base legal é, mais uma vez, neste caso em específico, o
próprio Protocolo de Acessão da China à OMC. Nesse sentido, não há que se aprofundar
sobre aspectos relativos exclusivamente a investigações de subsídios, como a
determinação de especificidade e o montante exato de subsídios acionáveis
eventualmente recebidos por empresas do setor, pois não se pretende aqui quantificar
a magnitude das distorções existentes de maneira exata.
144. Importante esclarecer, também, que a concessão de subsídios, per se,
não é o suficiente para caracterizar que não prevalecem, em determinado segmento
produtivo, condições de economia de mercado. Com efeito, os acordos multilaterais da
Organização Mundial de Comércio (OMC) estabelecem aqueles subsídios considerados
proibidos e/ou acionáveis para fins de aplicação de medidas compensatórias, sem
qualquer consideração a respeito da prevalência ou não de condições de economia de
mercado naquele setor. Desde 1995, vários países onde indiscutivelmente prevalecem
condições de economia de mercado foram afetados por medidas compensatórias
impostas por outros Membros da OMC, como União Europeia (como França, Itália,
Bélgica e Alemanha), Estados Unidos, Canadá, Coreia do Sul etc.
145. Todavia, em ambiente em
que as políticas estatais distorcem
significativamente o mercado, mesmo agentes privados que aparentemente seguiriam
lógica de mercado acabam tendo sua atuação afetada pela influência dessas políticas.
146. Ademais, distorções mercadológicas não apenas podem ser fruto de
políticas estatais, mas também podem ser acentuadas pela participação relevante de
empresas estatais no setor, que de alguma maneira podem interferir na concorrência
entre empresas e no rationale do mercado do segmento analisado.
147. O nível de distorções provocado pelo envolvimento governamental
poderia, dessa forma, ser relevante para conclusão em um caso concreto, caso os
elementos apresentados constituam indícios suficientemente esclarecedor de que tais
distorções muito provavelmente impactariam, de forma não desprezível, a alocação de
fatores econômicos que de outra forma ocorreria se não houvesse tais intervenções.
148. Como já reconhecido pela jurisprudência da OMC em matéria de
subsídios (AB Report - US - Definitive Anti-Dumping and Countervailing Duties on Certain
Products from China, WT/DS379/AB/R, paras. 446-447), a existência de distorções
significativas decorrentes da presença predominante do governo no mercado poderá
justificar a não utilização de preços privados daquele como benchmark apropriado para
fins apuração do montante de subsídios.
149. Assim, a variedade e o nível de subsidização, em conjunto com outras
formas de intervenção governamental, poderão resultar em tamanho grau de distorção
dos incentivos que, no limite, podem acabar fazendo com que deixem de prevalecer
condições de economia de mercado em determinado segmento produtivo.
150. Ademais, informa-se que as análises empreendidas pelo DECOM se
norteiam pela normativa pátria e multilateral, não estando condicionadas a decisões de
outras autoridades investigadoras, ainda que estas possam ser utilizadas como mais um
elemento.
151. Desse modo, na presente investigação de laminados planos revestidos
originários da China, coube à peticionária apresentar todos os elementos pertinentes nos
autos deste processo para a devida análise, indicando, inclusive, que a conjuntura no
segmento siderúrgico chinês não teria apresentado alterações relevantes.
152. Inicialmente, é importante destacar que a peticionária apresentou
elementos de provas pertinentes e detalhados sobre o tema, relevante para a análise
que se propõe na investigação em epígrafe. As evidências fornecidas contribuem para o
entendimento das dinâmicas do setor siderúrgico chinês.
153. Com base nesses elementos trazidos pela peticionária e também em
elementos próprios, o DECOM detalha seu entendimento sobre o setor siderúrgico
chinês, embasando-se em análises e experiências anteriores, além das evidências mais
recentes apresentadas pela peticionária. Especificamente, em relação ao setor siderúrgico
chinês, que inclui o segmento de laminados planos revestidos, há ampla jurisprudência
consolidada por esta autoridade investigadora indicando que o setor não opera em
condições de economia de mercado.
154. Ressalte-se que, desde 2019, foram concluídas pelo DECOM investigações
que versaram sobre a não prevalência de condições de economia de mercado no
segmento produtivo de aço na China, das quais se destacam as investigações de aço
GNO, encerrada pela Portaria SECINT nº 495, de 12 de julho de 2019; tubos de aço
inoxidável austenítico com costura, encerrada pela Portaria SECINT nº 506, de 24 de
julho de 2019; laminados planos de aço inoxidável a frio, encerrado pela Portaria SECINT
nº 4.353, de 1º de outubro de 2019; e cilindros para GNV, encerrado pela Resolução
GECEX nº 225, de 23 de julho de 2021, tubos de aço não ligado, encerrado pela
Resolução GECEX nº 367, de 2022; barras chatas, encerrada pela Resolução GECEX nº
420, de 2022 e cordoalhas de aço, encerrada pela Resolução CAMEX nº 484/2023.
Sublinha-se que em todas essas investigações o setor de aço chinês foi considerado como
economia não de mercado.
155. Assim, os trechos a seguir refletem, em grande medida, o entendimento
anteriormente já adotado pelo Departamento no âmbito dos referidos procedimentos no
segmento produtivo de aço na China.
156. Inicialmente, cabe ilustrar a situação do mercado siderúrgico mundial. A
capacidade instalada mundial de aço bruto cresceu 112% de 2000 a 2017, segundo dados
da OCDE. Nesse mesmo período, a capacidade instalada de aço bruto da China aumentou
600%. Consequentemente, sua participação na capacidade instalada mundial subiu
significativamente. Em 2000, a participação da China nessa capacidade era de 14%,
enquanto que, em 2017, chegou a 47%, tendo atingido seu ápice de 2013 a 2015,
quando representou em torno de 49% da capacidade instalada mundial.
157.
Esse
crescimento,
contudo, não
foi
acompanhado
por
aumento
proporcional da demanda mundial por aço. Dados da World Steel Association (2018)
mostram que, no mesmo período de 2000 a 2017, a produção mundial cresceu 837 Mt, em
comparação
com
o
aumento
de 1.195
Mt
de
capacidade
instalada
mundial.
Consequentemente, a capacidade ociosa do setor siderúrgico mundial cresceu no período.
158. Pode-se observar, porém, dois momentos distintos no comportamento
da capacidade ociosa entre 2000 e 2017. Até pelo menos 2007, um ano antes da crise
financeira internacional, o aumento de capacidade instalada cresceu de maneira similar
ao aumento da produção. Contudo, a partir de 2008, há um claro descolamento em
direção a um excesso de capacidade na indústria. Em 2015, auge da participação chinesa
na capacidade instalada mundial, registrou-se o maior volume absoluto da capacidade
ociosa (714 Mt) e o menor grau de utilização da capacidade (69%). Em 2017, a
capacidade ociosa caiu para 562 Mt, mas ainda assim 2,7 vezes maior do que em 2000
e 2,3 vezes maior do que em 2007.
159. De acordo com o Relatório "State Enterprises" da OCDE (2018), pelo
menos 32% da produção mundial foi gerada por empresas estatais em 2016. Segundo o
relatório, 55% dos investimentos planejados ou em andamento para aumento da
capacidade instalada era de empresas estatais, das quais a maioria são chinesas.
160. Dessa forma, seria possível argumentar que a China contribuiu significativamente
para o excesso de capacidade de aço no mundo, especialmente a partir de 2008.
161. Dados
atualizados da OCDE,
apresentados no
Relatório Latest
Developments in Steelmaking Capacity 2023, indicam que a expansão da capacidade
continua a um ritmo robusto, frequentemente em busca de mercados para exportação.
Apenas em 2022, a capacidade global de produção de aços aumentou em 32,1 milhões
de toneladas métricas (mmt) alcançando 2.459,1 mmt, o nível mais elevado de
capacidade global na história. O relatório ainda indica que a capacidade de produção
mundial deve continuar a expandir nos próximos anos, sendo que a China e a Índia, os
dois maiores produtores de aço, continuarão a representar cerca da metade da
capacidade global de produção de aço.
162. Embora o relatório citado aponte que a capacidade de produção de aços
na China foi reduzida por quatro anos consecutivos, até 2018, observa-se, contudo, que tal
capacidade tem aumentado desde então, de modo que alcançou 1.149.9 mmt, em 2022.
163. Apesar do crescimento da capacidade, a demanda mundial por aço não
acompanhou o mesmo ritmo. Este desequilíbrio levou a uma capacidade ociosa
significativa, contribuindo para a redução dos preços do aço no mercado internacional e
pressionando as margens de lucro das siderúrgicas fora da China. Essa situação é
exacerbada pelo apoio estatal contínuo às siderúrgicas chinesas, que, apesar de
operarem frequentemente com margens negativas, continuam a aumentar sua produção
e exportações.
164. Com relação à deterioração da saúde financeiras das empresas do setor,
a OCDE, em estudo de 2015, já havia sublinhado o problema, ao concluir que o
desempenho financeiro da indústria siderúrgica global havia se deteriorado para níveis
não vistos desde a crise do aço no final da década de 1990. Ademais, afirmou que havia
uma relação estatisticamente significativa entre a capacidade excedente e a lucratividade
e o endividamento da indústria.
165. Segundo a OCDE, o excesso de capacidade afeta a lucratividade por meio
de vários canais:
Dois canais principais são os custos e preços. Por exemplo, em períodos de baixa
utilização de capacidade, as economias de escala não são totalmente exploradas e, assim,
os custos são mais altos e os lucros mais baixos. Os preços também tendem a ser menores
durante períodos de baixa utilização da capacidade, impactando diretamente os lucros. No
nível global, os efeitos do excesso de capacidade são transmitidos através do comércio;
excesso de capacidade pode levar a surtos de exportação, levando a quedas de preços e
perdas de quota para produtores domésticos concorrentes na importação (OCDE, 2015).
166. Por meio de uma análise dos balanços de empresas siderúrgicas listadas,
o estudo analisou indicadores como o fluxo de caixa das empresas, relação dívida/lucro
operacional antes de juros, impostos, depreciação e amortização e as oportunidades de
investimento (price-to-book ratio), concluindo que as indústrias deste setor estariam
precisando de fundos externos para cobrir os investimentos ou mesmo manter as
atividades 
operacionais, 
que 
o 
endividamento 
está 
tão 
elevado 
que 
trazem
questionamentos quanto à solvência delas, e que as oportunidades de investimentos são
escassas, ou praticamente inexistentes.
167. O DECOM já identificou,
em investigações de defesa comercial
anteriores, que a margem de lucro das indústrias siderúrgicas chinesas é, em média, mais
baixa do que a de suas congêneres do resto do mundo. Segundo a McKinsey, estas
margens não permitiriam a sobrevivência das empresas nem mesmo no curto prazo.
168. O estudo da OCDE (2018) sugere que as estatais são mais propensas a
registrar períodos mais longos de resultados negativos em comparação com suas
contrapartes privadas, e que estão significativamente e positivamente correlacionadas
com a persistência em perdas financeiras.
169. Tais cenários de lucratividade reduzida e endividamento crescente parece
não ter se alterado de forma significativa nos últimos anos, consoante informações
apresentadas pelas peticionárias, como o artigo já mencionado China Commodity trip: a
not yet bottomed construction sector; potentially more robust green demand, de 2024,
da Goldman Sachs.
170. Além disso, a participação de empresas estatais chinesas no setor
siderúrgico é historicamente conhecida. Segundo o relatório do Instituto Aço Brasil, em
2015, havia 159 mil empresas estatais na China, das quais 25 mil estavam no setor de
manufatura, incluindo a siderurgia. Dentre as 50 maiores siderúrgicas do mundo em
2010, 17 eram estatais, e 15 destas eram chinesas, destacando o papel predominante
das empresas estatais no cenário global. A Comissão Europeia, em 2017, estimou em
49% a participação de empresas estatais na produção de aço.
171. Segundo as peticionárias, quatro das seis das principais siderúrgicas chinesas
seriam estatais e estariam entre as 10 maiores produtoras do mundo e citaram a China
Baowu Group, HBIS Group, a Ansteel Group e a Shougang Group. Como maiores produtoras
de aços laminados planos revestidos, citou a Angang Steel Company Limited, Baosteel Group
Corporation, Begang Steel Plates Co. Ltd, Wuhan Iron and Stee ("Grupo Wisco"), HBIS Group,
Changshu Everbright Material Technology Co. Ltd. e Shougang Group.
172. A esse respeito, cabe mencionar que a participação das empresas
estatais tem fulcro nos diversos planos governamentais elaborados pelo Governo da
China. Pode-se dizer que o plano mais importante são os Planos Quinquenais, arcabouço
normativo principal do Governo da China que estabelece as diretrizes e objetivos mais
gerais para a economia. Há também planos específicos e setoriais, derivados dos Planos
Quinquenais, que detalham diretrizes e metas por setor produtivo. No âmbito das
províncias e municípios, observa-se também que há planos subnacionais, sempre de
acordo com as diretrizes e objetivos estabelecidos pelo governo central.
173. O 14º Plano Quinquenal, que cobre o período de 2021 a 2025, continua
a promover o setor siderúrgico como uma prioridade nacional e enfatiza a necessidade
de aumentar a competitividade das indústrias de base e de transformação, incluindo a
desse setor. Este
plano, juntamente com o 14º Plano
Quinquenal para o
Desenvolvimento da Indústria de Matérias-Primas, estabelece metas específicas para a
inovação tecnológica, a eficiência energética, e a produção de aço de alto valor agregado.
Além disso, a iniciativa "Made in China 2025" continua a desempenhar papel crucial na
definição das políticas industriais, com foco em reduzir a dependência de tecnologia
estrangeira e aumentar a competitividade global.
174. No âmbito da investigação de subsídios acionáveis nas exportações para
o Brasil de produtos laminados planos a quente originárias da China, encerrada por meio
da Resolução CAMEX no 34, de 21 de maio de 2018, publicada em edição extra do Diário
Oficial da União da mesma data, os diversos planos governamentais conhecidos foram
determinantes para identificação do caráter estratégico do setor siderúrgico chinês, o
que se refletia na destinação de relevantes subsídios às empresas investigadas:
[...] a estratégia chinesa para promover o rápido crescimento da sua
economia é definida em suas políticas industriais, tanto de nível nacional quanto de nível
local. Nesse sentido, a indústria siderúrgica é reiteradamente identificada como
fundamental para o desenvolvimento chinês e, consequentemente, possui prioridade no
recebimento de subsídios governamentais. Os subsídios concedidos fazem parte da
estratégia do governo de "direcionar capital estatal para indústrias relevantes para a
segurança e economia nacional através da injeção discricionária e racional de capital",
conforme os planos e políticas destacados abaixo:
a) planos quinquenais (Five-Year Plan), do oitavo ao décimo terceiro, cobrindo
o período de 1991 a 2020;
b) políticas específicas para o setor siderúrgico - "Iron and Steel Development
Policy", "Iron and Steel Industry Adjustment and Revitalization Plan" ("Steel Adjustment
Plan"), de 2009, "Iron and Steel Industry 12th Five Year Plan", de 2011, "Iron and Steel
Normative Conditions", de 2012, e "Guiding Opinions on Resolving the Problem of Severe
Excess Capacity", de 2013;
c) políticas de apoio científico e tecnológico - "Guideline for the National
Medium and Long Term Science and Technology Development Plan", "National Medium
and Long Term Science and Technology Development Plan", "Decision on Implementing
the Science and Technology Plan and Strengthening the Indigenous Innovation", todas de
2006; e
d) políticas de direcionamento de investimentos - "Decision of the State
Council on Promulgating and Implementing the Temporary Provisions on Promoting
Industrial Structure Adjustment", de 2005, e "Provisions on Guiding the Orientation of
Foreign Investment", de 2002". (grifo nosso)

                            

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