Documento assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. Este documento pode ser verificado no endereço eletrônico http://www.in.gov.br/autenticidade.html, pelo código 05152024101600023 23 Nº 201, quarta-feira, 16 de outubro de 2024 ISSN 1677-7042 Seção 1 atendimento à população em situação de insegurança alimentar e nutricional e em vulnerabilidade social" expressam a expectativa de que o Plano Alimento no Prato possa, em alguma medida, dirimir nos territórios, as desigualdades presentes e recorrentes, trazendo o princípio da equidade. Segundo documento de subsídio ao Plano elaborado pela FAO (2024), no passado foram estabelecidas algumas ações visando a comercialização de alimentos e o abastecimento em situações críticas e de elevação de preços. Contudo, é fundamental considerar os objetivos do Plano Alimento no Prato como sendo capazes de impulsionar outras ações estruturantes que viabilizem, concretamente, mudanças nos territórios e nas vidas das pessoas. Diferentes problemas perpassam as dinâmicas de abastecimento alimentar no país. Ainda que esses possam afetar toda a sociedade, determinados grupos sociais estão muito mais vulneráveis e vivenciam as problemáticas alimentares de maneira muito mais intensa. As mulheres, a população negra, os povos indígenas, quilombolas e PCTs sempre enfrentaram obstáculos adicionais, que são provenientes de discriminações históricas e estruturais. Estes grupos muitas vezes têm pouco (ou nenhum acesso) à terra, território e água, além de outros bens e serviços humanos básicos que impactam, sobremaneira, sua capacidade de produzir, processar, acessar e consumir alimentos de forma sustentável e saudável. Dados recentes, mais especificamente do último trimestre de 2023, da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD - Contínua) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revelam a situação de segurança alimentar e de insegurança alimentar leve, moderada ou grave no país. As regiões Norte e Nordeste são as mais vulneráveis, sendo 16% e 14% respectivamente, de acordo com os parâmetros da Escala Brasileira de Insegurança Alimentar e Nutricional (EBIA), em comparação com as demais regiões do país, sendo: Sul (4,7%), Sudeste (6,7%) e Centro- Oeste (7,9%). A Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede-Penssan) em seu II Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar (II VIGISAN, 2021/22) evidenciou que se comparado ao meio urbano, o rural apresenta um percentual de 64% dos domicílios que estão em situação de insegurança alimentar moderada e grave. De acordo com o relatório, enquanto 53,6% dos domicílios com responsáveis homens estavam em situação de insegurança alimentar, tal percentual se eleva para 63% dos domicílios com responsáveis mulheres. Embora mais sujeitas à insegurança alimentar (sobretudo as mães solos), as mulheres têm um papel fundamental na segurança alimentar e nutricional e na produção e oferta de alimentação adequada e saudável. Em relação à categoria raça/cor 6 de cada 10 domicílios cujos responsáveis se identificavam como pretos ou pardos viviam algum grau de insegurança alimentar e nutricional. As desigualdades - regionais, sociais e econômicas - assim como as categorias de raça e gênero também determinam os modelos impositivos de consumo. Segundo levantamentos realizados pela FAO, o custo de uma alimentação adequada e saudável no Brasil estaria na ordem de 269% mais caro que de uma alimentação considerada suficiente. O preço mais barato dos ultraprocessados é uma das principais razões que explicam o porquê as classes de renda mais baixa consomem proporcionalmente menos alimentos saudáveis. Os dados da POF mostram que a participação do consumo de frutas no orçamento de quem tem renda de até 02 Salários-Mínimos (SM) era 43,4% menor que aquela observada por quem tem renda acima de 25 SM. Salienta-se ainda, que ao trazer a análise de renda, é a população negra, indígena, quilombola, e de PCTs - com destaque às mulheres desses segmentos sociais - que possui a menor renda. No caso dos legumes e verduras, a proporção do gasto era 76,1% menor que a da classe de maior renda (FAO, 2024). O Plano Alimento no Prato se orientou pelos princípios e recomendações para uma alimentação adequada e saudável de acordo com o Guia Alimentar para a População Brasileira, elaborado pelo Ministério da Saúde (Brasil, 2014), que adota os conceitos da classificação NOVA, a qual separa grupos de alimentos de acordo com a extensão e o propósito do seu processamento, sendo estes: in natura ou minimamente processados, ingredientes culinários, alimentos processados e alimentos ultraprocessados. A fabricação de alimentos ultraprocessados, envolve diversas etapas e técnicas de processamento e muitos ingredientes, incluindo sal, açúcar, óleos e gorduras e substâncias de uso exclusivamente industrial. Diversos estudos encontraram evidências com associações diretas entre o consumo de alimentos ultraprocessados e desfechos negativos de saúde, como sobrepeso, obesidade, cânceres, doenças respiratórias, cardiovasculares, gastrointestinais e metabólicas e impactos na saúde mental. Nesse sentido, para contribuir com prevenção e promoção da saúde, o Guia Alimentar para a População Brasileira recomenda (i) que sejam a base da alimentação os alimentos in natura ou minimamente processados, com variedade e predominantemente de origem vegetal, pois estes contribuem para uma alimentação nutricionalmente balanceada, saborosa, culturalmente apropriada e promotora de um sistema alimentar socialmente e ambientalmente sustentável; e (ii) que se evite os alimentos ultraprocessados, pois além dos desfechos negativos à saúde, suas formas de produção, distribuição, comercialização e consumo afetam de modo desfavorável a cultura, a vida social e o meio ambiente. Ao analisar a evolução do consumo de alimentos ultraprocessados entre a POF- Pesquisa de Orçamentos Familiares 2008-2009 e a POF 2017-2018, Louzada e colaboradores (2023) observaram que houve um aumento da participação desses alimentos no total das calorias consumidas entre pessoas de raça/cor negra (de 16,4% para 18,4%) e indígenas (de 14,8% para 20,7%). Por outro lado, não houve aumento da participação desses alimentos na dieta entre a população branca e houve inclusive redução entre as pessoas com faixa de escolaridade mais elevada (de 25,5% para 22,2%) e as do quintil de renda mais elevada (de 24,8% para 23,1%). Estes dados ilustram que desigualdades raciais e de gênero perpassam as problemáticas alimentares e, com efeito, as inter-relações entre ambas agravam a insegurança alimentar e nutricional. Segundo Afrika (2013), "o racismo alimentar se dá quando a alimentação precária, fome e privação do direito de escolha do que comer atingem diretamente, e com mais força, a população preta, pobre e periférica." Desta feita, é importante destacar que o racismo se manifesta de maneira profunda no contexto da alimentação e da insegurança alimentar, afetando especialmente mulheres negras, povos indígenas, quilombolas, comunidades de matrizes africanas, povos de terreiros e povos e comunidades tradicionais. Estas populações enfrentam múltiplas formas de marginalização e discriminação que influenciam diretamente seu acesso a alimentos saudáveis e culturalmente apropriados (FAO, 2024). O Abastecimento Alimentar nos diferentes territórios enfrenta às emergências climáticas e fortalece a participação social As diretrizes "mitigação da ação climática", "participação e controle social" associado à "gestão intersetorial e colaboração interfederativa" se apresentam no Plano Alimento no Prato tanto atuais como necessárias. Isso porque, nos últimos anos, as evidências científicas vêm constatando que os sistemas alimentares hegemônicos e seus insumos são responsáveis pelas emissões de gases de efeito estufa. Em 2019, o Brasil ocupava a terceira posição no ranking mundial dos países que mais emitem gases de efeito estufa por sistemas alimentares, antecedido pela China e Índia. Em 2021, os sistemas alimentares no Brasil responderam por 73,7% das emissões brutas totais, sendo que 56,3% dessas decorreram de mudanças de uso da terra, ou seja, conversão dos biomas com desmatamento para uso na produção agrícola e pecuária. Além das mudanças de uso do solo, as emissões (35%) também decorrem das atividades agrícolas e pecuárias, o que inclui, dentre outros, a queima de resíduos agrícolas, manejo de dejetos de animais, o manejo dos solos, fermentação entérica, uso de fertilizantes e agroquímicos, transporte e distribuição (FAO, 2024). Esses dados colocam as dinâmicas dos sistemas alimentares e do abastecimento alimentar em alerta e cobram, a construção de um plano de abastecimento alimentar orientado por práticas sustentáveis. Com efeito, a agropecuária é um dos setores mais expostos e vulneráveis às mudanças e às catástrofes climáticas (enchentes, inundações, secas, incêndios, incidências de pragas e doenças) dada a sua profunda dependência dos recursos naturais e das condições climáticas (IPCC, 2023; FAO, 2023a). Deve-se, portanto, coibir o avanço do desmatamento, as práticas agrícolas que prejudiquem o ambiente e a saúde das pessoas - mesmo àquelas que tragam o componente da inovação tecnológica, o uso excessivo da água e do solo, a erosão da biodiversidade e as perdas e desperdício de alimentos. Valorizar o que a Agricultura Familiar, os assentamentos da reforma agrária, os povos indígenas, os quilombolas e os PCTs produzem, seja de alimentos, seja de saberes é um importante passo para o enfrentamento às emergências climáticas (FAO, 2014). O Artigo 23 da Constituição Federal (CF, 1988), estabelece a organização do abastecimento alimentar como uma competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Nos termos constitucionais, ainda em 2006 foi instituído o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sisan), este, por sua vez, possibilita a articulação entre os três níveis de governo, assim como com a sociedade civil organizada, para a implementação e a execução das políticas de Segurança Alimentar e Nutricional (SAN), sendo o Plano Alimento no Prato uma das inovações a ser incorporada. Ressalta-se ainda que o Brasil dispõe de estruturas de governança tais quais as Câmaras Intersetoriais de Segurança Alimentar e Nutricional (Caisans) e os Conselhos de Segurança Alimentar e Nutricional (Conseas) em nível federal, nos estados e em alguns municípios, além de outros em construção tais como os fóruns, comitês gestores e os Consórcios que possibilitam uma articulação intersetorial e interfederativa que favorecerá a implementação do Plano Alimento no Prato numa perspectiva territorial e mais sistêmica. Cabe ao Plano Alimento no Prato orientar, nas suas iniciativas e ações estratégicas, meios para contribuir com a superação das discrepâncias regionais, sociais, econômicas, raciais e de gênero que impactam no cotidiano de centenas de milhares de pessoas. Este Plano representa uma conquista histórica para toda população brasileira, já que evidencia a necessidades de trazer para uma responsabilidade compartilhada entre Estado e sociedade sobre um tema altamente relevante, cujos princípios democráticos perpassam todas as ações que orientarão as dinâmicas do abastecimento alimentar, que passa pela produção, processamento, distribuição, comercialização, acesso e consumo de alimentos saudáveis. Eixos estratégicos de atuação do Plano Alimento no Prato As iniciativas do Plano Alimento no Prato estão sistematizadas em seis eixos de atuação que reúnem programas e ações relacionadas ao abastecimento alimentar. Estas foram organizadas a partir: i) da revisão de Planos e Estratégias Nacionais existentes, como o Plano Brasil sem Fome e a Estratégia de SAN para Cidades; ii) consultas a diferentes segmentos da sociedade, realizadas no processo de elaboração do Plano; e iii) análise e adaptação de boas práticas e exemplos de abastecimento no Brasil e na América Latina, promovidos pelo poder público em diversos níveis federativos, pelas organizações sociais e pelos agentes privados, cooperados ou não. Importante ressaltar que diante da complexidade em se pensar o abastecimento alimentar no Brasil, as iniciativas do Plano Alimento no Prato são de responsabilidade de diversos órgãos, que de forma integrada, potencializam as ações de governo voltadas à segurança alimentar e nutricional, à soberania alimentar e à transição agroecológica. Os eixos estratégicos que orientam a estruturação do Plano Alimento no Prato, relacionam-se com as diretrizes e objetivos propostos na PNAAB (Figura 2). INSERIR AQUI IMAGEM 2 Figura 2. Eixos Estratégicos do Plano Alimento no Prato 2025-2028 EIXO 1 - Distribuição e comercialização de alimentos saudáveis A distribuição e a comercialização de alimentos (de origem vegetal e animal) podem ser realizadaspor meio da compra governamental ou via atividade comercial dos mercados privados, com a utilização de canais de comercialização diversificados, como plataformas logísticas, mercados atacadistas de alimentos e uma grande variedade organizacional de equipamentos de varejo a exemplo de feiras livres, mercados públicos, supermercados, pequeno varejo de proximidade, varejo especializado como frutarias, açougues e peixarias, padarias e canais virtuais. Nesse contexto, as seguintes iniciativas vinculadas a este eixo se destacam: compras institucionais do Governo Federal, em especial o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), em suas diversas modalidades; ações de modernização e requalificação dos mercados atacadistas de alimentos - Ceasas; requalificação e fortalecimento dos mercados públicos municipais; promoção da inovação na comercialização de alimentos; promoção do abastecimento de alimentos saudáveis nos circuitos locais; e financiamento e fomento de equipamentos para prover a distribuição de alimentos saudáveis. Ressalta-se como ação inovadora que perpassa este eixo, o Programa Abastece e Alimenta Territórios, que engloba um conjunto de ações de caráter popular, protagonizadas pelas organizações da Agricultura Familiar. É importante ressaltar que a perspectiva territorial do Programa Abastece e Alimenta Territórios não toma apenas a configuração disposta entre municípios que se enquadram na classificação de "rurais". O enfoque territorial se estabelece também nas áreas urbanas, sobretudo nas periferias das grandes cidades, onde o abastecimento alimentar precarizado impacta centenas de milhares de famílias, sobretudo na ausência da oferta de alimentos saudáveis. Importante ainda considerar as experiências acumuladas pelos sujeitos e sujeitas do lugar, tais quais as organizações e movimentos sociais, que por sua vez, vem nos últimos tempos, inovando em diferentes formas de combate à fome, considerando especialmente, o período da pandemia da Covid-19 (2020 a 2022). Fazem parte deste programa as seguintes ações: - Instituição de Sacolões Populares (fixos e volantes); - Instituição de equipamentos populares de abastecimento com foco nas especificidades regionais, como as Cantinas / Vendas Comunitárias; - Fomento aos Planos Territoriais de Abastecimento Alimentar (PAS Nordeste); - Criação e Fortalecimento das Feiras Livres da Agricultura Familiar; - Criação e Fortalecimento de Feiras Agroecológicas; - Fortalecimento de feiras e eventos regionais e nacionais da Agricultura Fa m i l i a r ; - Fortalecimento de feiras e eventos regionais e nacionais da Agricultura Fa m i l i a r ; - Apoio de Centros de abastecimento, distribuição e comercialização da Agricultura Familiar, PCTS e economia solidária (Centrais Populares de Abastecimento Alimentar); - Fortalecimento do Programa Nacional de Agricultura Urbana e Periurbana por meio da implementação de hortas urbanas e periurbanas; - Sistematização e apoio de estratégias exitosas de equipamentos de abastecimento alimentar. São atores envolvidos nas ações que correspondem a esse eixo: Ministérios do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, da Pesca e Aquicultura; da Integração e Desenvolvimento Regional; do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome; da Agricultura e Pecuária, das Cidades, dos Transportes; do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços; do Meio Ambiente e Mudança do Clima, da Defesa, Companhia Nacional de Abastecimento, Centrais de Abastecimento, CeasaMinas e Ceagesp. EIXO 2 - Promoção de preço justo e acessível dos alimentos Os preços dos alimentos são determinantes para o seu acesso, especialmente às populações em situação de vulnerabilidade. Neste contexto, e de modo a garantir o Direito Humano à Alimentação Adequada e a promover a soberania e a segurança alimentar e nutricional, o Decreto nº 11.936/2024 dispõe sobre a composição da cesta básica, com o propósito de orientar as ações, as políticas e os programas relacionados à produção, ao abastecimento e ao consumo de alimentos. Quando a formação de estoques aciona a agricultura familiar para suas compras, além de garantir o abastecimento alimentar, há também ganho em termos de promoção e estabilização da oferta. As iniciativas públicas para promoção de estabilidade e nível de preços estão relacionadas também à transparência através de iniciativas de divulgação dos preços diários e periódicos de alimentos no atacado e no varejo, preços estacionais, índices de cestas de alimentos locais, entre outros. Neste eixo, as ações de comercialização de alimentos com preços previamente negociados, sob coordenação pública como a Política de Garantia de Preços Mínimos (PGPM) e a Política de Garantia de Preços Mínimos para os Produtos da Sociobiodiversidade (PGPMBio).Fechar