Documento assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. Este documento pode ser verificado no endereço eletrônico http://www.in.gov.br/autenticidade.html, pelo código 05152025021200005 5 Nº 30, quarta-feira, 12 de fevereiro de 2025 ISSN 1677-7042 Seção 1 II. Às servidoras públicas federais vítimas de violência doméstica é garantido o direito à remoção por motivo de saúde, previsto no artigo 36, parágrafo único, inciso III, alínea "b", da Lei nº 8.112/1990, quando comprovada por junta médica oficial a efetiva lesão à sua integridade física ou mental. III. Às servidoras públicas federais vítimas de violência doméstica é garantido o direito à remoção a pedido, a critério da Administração, consagrado no artigo 36, parágrafo único, inciso II, da Lei nº 8.112/1990, quando constatada a existência de risco à sua integridade física ou mental, demonstrado pelo deferimento de medida protetiva judicial de afastamento do agressor, hipótese em que o ato deve ser considerado vinculado. IV. A inexistência do parâmetro objetivo para a concessão da remoção a que alude o item "III" não afasta a possibilidade de análise administrativa, caso a caso, da subsunção da hipótese da servidora pública federal vítima de violência doméstica a todos os instrumentos de movimentação de pessoal previstos na legislação de regência. V. Em atenção à vontade legislativa expressa no artigo 9º, § 2º, inciso I, da Lei nº 11.340/2006, e com o objetivo de conferir a celeridade que a situação de vulnerabilidade que as vítimas de violência doméstica enfrentam, os pedidos de movimentação realizados por servidoras públicas federais nesta condição deverão ser processados, no âmbito da Administração Pública federal, com absoluta prioridade, sem prejuízo da necessária regulamentação acerca dos procedimentos internos de tramitação. VI. A concessão das remoções, por motivo de saúde ou a critério da administração, referidas nos itens "II" e "III" acima, uma vez que atribuídas a pedido da servidora pública federal, não implicam direito a ajuda de custo em razão da mudança de domicílio, conforme previsto no artigo 53, § 3º, da Lei nº 8.112/1990. VII. Caso as conclusões acima declinadas sejam acolhidas, sugere-se a Sua Excelência o Senhor Advogado-Geral da União o encaminhamento do presente parecer ao Excelentíssimo Senhor Presidente da República, para que os seus termos vinculem, consoante determinam os artigos 40 e 41 da Lei Complementar nº 73/1993, toda a Administração Pública federal, cujos órgãos e entidades ficarão obrigados a lhe dar fiel cumprimento, a partir da data de sua publicação. Senhor Consultor-Geral da União, I - RELATÓRIO 1. Em 28 de agosto de 2024, diversas entidades representativas (Comissão de Mulheres do Sindireceita, Comissão de Mulheres do Sindifisco, Tributos a Elas, Fisco com Elas, Elas no Orçamento, Instituto Empoderar, MPT Mulheres, Rede Equidade, ANAFE Mulheres, Carf com Elas, Aconcarf, ISP Brasil, CONDSEF/FENADSEF, Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional, Sindicato Nacional dos Analistas-Tributários da Receita Federal do Brasil, Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil, Associação Nacional dos Advogados Públicos Federais e Ordem dos Advogados do Brasil - Seccional do Distrito Federal) encaminharam à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional pedido de parecer jurídico que contemplasse a possibilidade de remoção, a pedido, de servidoras vítimas de violência doméstica por motivo de saúde (artigo 36, parágrafo único, inciso III, alínea "b", da Lei nº 8.112/1990), "quando sua permanência no local de lotação ofereça risco para a sua integridade física e psicológica" (fl. 01 da seq. 1). 2. De acordo com as entidades requerentes, embora a Lei nº 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) preveja o acesso prioritário à remoção (artigo 9º, § 2º, inciso I, da Lei nº 11.340/2006[1]), a referida proteção não tem sido suficiente para resguardar o acesso ao benefício. Além disso, aduzem que, conquanto a Lei nº 8.112/1990 estabeleça hipóteses taxativas para a concessão de remoção, a Administração Pública não tem conferido interpretação uníssona quanto à equiparação da remoção de servidora em situação de violência doméstica àquela atribuída por motivo de saúde. Acrescentam, neste sentido, que o cenário de insegurança jurídica e a morosidade para a decisão do Poder Público são incompatíveis com a urgência que marca as situações de violência doméstica, o que subsidiaria a necessidade de pacificação da matéria no âmbito da Administração Pública federal. Por fim, informam que o artigo 17 da Portaria RFB nº 340/2023[2] autoriza a remoção ou a alteração de localização física de unidade na hipótese em que comprovado risco excepcional e efetivo à integridade de servidores ou seus familiares. 3. Com fundamento nas aludidas razões, as entidades referidas solicitam (fl. 06 da seq. 1): Diante de todo esse quadro de incertezas, as entidades e os coletivos objetivam que o Parecer Jurídico da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional possa contribuir positivamente para fornecer segurança jurídica ao tema. Solicita-se também que o tema seja encaminhado para a Advocacia-Geral da União - AGU, diante do parecer da PGFN, para vinculação de todos os órgãos da Administração Pública Federal e atenda aos critérios abaixo: • Conceder remoção para outra localidade da vítima e dependentes em situação de risco à integridade física e psicológica; • Estabelecer que a remoção é uma medida cautelar prioritária, equiparável às situações de risco à saúde, ou seja, independente do interesse da Administração, e que deve ser implementada imediatamente; • Avaliar a possibilidade de criação protocolos específicos para a análise e concessão da remoção, garantindo que os pedidos das vítimas sejam tratados com a devida celeridade e que a proteção às vítimas seja a prioridade máxima; • Manter em sigilo as informações sobre a remoção para garantia da segurança da vítima e de seus dependentes; • Afastar a configuração de infração quando do inevitável abandono do cargo para fugir do seu agressor. 4. Em atenção à referida demanda, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional elaborou o Parecer SEI nº 4113/2024/MF (seq. 2), aprovado pelo DESPACHO nº 385/2024/PGFN-MF (seq. 3) e encaminhado pelo OFÍCIO SEI Nº 71882/2024/MF (seq. 4). O parecer da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional encontra-se delimitado pelos seguintes fundamentos e conclusões: PESSOAL. REMOÇÃO. REMOÇÃO POR MOTIVO DE SAÚDE. SERVIDORA VÍTIMA DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. ART. 9º, §2º, I, DA LEI Nº 11.340, DE 7 DE AGOSTO DE 2006. ENQUADRAMENTO NO ART. 36, PARÁGRAFO ÚNICO, INCISO III, ALÍNEA B, DA LEI Nº 8.112, DE 11 DE DEZEMBRO DE 1990. POSSIBILIDADE, DESDE QUE DEMONSTRADO QUE A LOTAÇÃO ATUAL OFERECE RISCOS À SAÚDE FÍSICA E/OU MENTAL DA SERVIDORA. NECESSIDADE DE PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS. ATO VINCULADO. A Lei nº 8.112, de 1990, ao prever o art. 36, parágrafo único, inciso III, alínea "b", consagrou a prevalência da tutela ao direito subjetivo à saúde sobre o interesse público, visto que a remoção nessa hipótese legal deverá ocorrer independentemente da vontade da Administração ou da existência de vaga. Nesse contexto, e considerando que a mulher em situação de violência doméstica e familiar sofre prejuízos diretos à sua saúde, seja física e/ou metal, parece-nos possível, com fundamento no princípio da dignidade da pessoa humana, e no dever geral do Estado de garantir assistência à mulher vítima de violência doméstica, enquadrar essa hipótese no art. 36, parágrafo único, inciso III, alínea "b", da Lei nº 8.112, de 1990, garantindo-lhe a remoção por motivo de saúde. Caberá à servidora, no entanto, apresentar o requerimento de remoção por motivo de saúde ao seu órgão de pessoal, acompanhado de documentos que evidenciem os prejuízos à sua saúde e a necessidade de remoção, demonstrando, portanto, à junta médica oficial que a sua permanência no local de lotação oferece risco a sua integridade física e psicológica. A despeito do entendimento acima exposto, em pesquisa no sistema Sapiens, localizou-se manifestações divergentes ao aqui apresentado. Diante disso, e considerando a necessidade de se dar um tratamento uniforme a todas as servidoras públicas federais, tendo em vista que a questão abrange toda a Administração Pública federal, sugere-se o encaminhamento da matéria à Consultoria- Geral da União da Advocacia-Geral da União, para que, no exercício de suas atribuições, verifique a possibilidade de se enquadrar no art. 36, parágrafo único, inciso III, alínea "b", da Lei nº 8.112, de 1990, o pedido de remoção de servidoras que se encontram em situação de violência doméstica, notadamente quando comprovada que sua permanência no local de lotação ofereça risco a sua integridade física e psicológica. 5. Considerando a sugestão da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional de pacificação do tema em destaque no âmbito da Administração Pública federal, com o objetivo de subsidiar o posicionamento desta Consultoria-Geral da União, foram expedidos ofícios à Consultoria Jurídica junto ao Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (seq. 7), à Procuradoria-Geral Federal (seq. 8), à Consultoria Jurídica junto ao Ministério das Mulheres (seq. 9), à Secretaria-Geral de Administração da Advocacia-Geral da União (seq. 10) e à Diretoria de Projetos Especiais desta Consultoria-Geral da União (seq. 11). 6. Em atenção aos referidos expedientes, a Diretoria de Projetos Especiais desta Consultoria-Geral da União esclareceu não ter localizado manifestação jurídica antecedente que tratasse do tema e pontuou que, em matéria de pessoal, tem orientado a observância das manifestações emanadas pelo órgão central do Sistema de Pessoal Civil (SIPEC). Informou, ainda, ter localizado a Nota Técnica SEI nº 28290/2024/MGI (seq. 17), aprovada pela Secretaria de Gestão de Pessoas do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, a qual concluiu pela possibilidade de movimentação de servidor ou empregado público que se declare vítima de assédio moral ou sexual, discriminação e violência doméstica. E, por fim, destacou a existência da Portaria nº 468/2014, que disciplina o procedimento de remoção ou exercício provisório na Advocacia-Geral da União, e do PARECER n. 00033/2020/DECOR/CGU/AGU, que conclui que a remoção por motivo de saúde, em princípio, reveste-se de natureza provisória (seq. 14/16). 7. A Secretaria-Geral de Administração desta Advocacia-Geral da União, por sua vez, indicou que, até o momento, não registrou nenhum pedido de movimentação fundado na ocorrência de violência doméstica. Afirmou que entrou em contato com a Procuradoria-Geral Federal e com a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, as quais esclareceram também não terem recebido pedidos similares aos ora abordados. Informou, além disso, a existência do Projeto de Lei nº 4.688/2024, que propõe alterações na Lei nº 8.112/1990, para garantir o direito à remoção e à licença remunerada a mulheres vítimas de violência doméstica, bem como da Nota Técnica nº 28290/2024/MGI (seq. 17), a qual concluiu pela possibilidade de movimentação da servidora vítima de violência doméstica. Pontuou, ainda, que o artigo 9º, § 2º, inciso I, da Lei nº 11.340/2006, prevê o acesso prioritário à remoção quando a vítima de violência doméstica for servidora pública, e ressaltou a existência da Central de Atendimento à Mulher, a qual pode ser acessada, via telefone, pelo número 180 (seq. 18). 8. Já a Consultoria Jurídica junto ao Ministério das Mulheres destacou que a Secretaria Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres considerou que "a regulamentação efetiva e eficaz de remoção das servidoras, sem prejuízo para suas carreiras ou remuneração, é uma forma eficiente de assegurar seus direitos e preservar suas vidas". Indicou, ainda, que a unidade técnica considera a necessidade de que sejam aceitos documentos que registrem a violência, e não apenas o atestado médico. Ressaltou, nesta linha, a imprescindibilidade de elaboração de protocolo específico e célere para a elaboração dos pedidos de remoção fundados na caracterização de violência doméstica, tendo em vista o potencial risco à integridade física e à vida da vítima. Ressaltou que o Estado tem o dever de assegurar a assistência e coibir a violência no âmbito das relações familiares, nos termos do artigo 226, § 8º, da Constituição Federal [3], e do artigo 7º, alíneas "b" e "f", da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher [4]. Enfatizou, além disso, que, conforme a jurisprudência firmada pelo Superior Tribunal de Justiça, a palavra da vítima possui especial relevância probatória nos contextos de violência doméstica e familiar. Por fim, informou que dados recentemente divulgados pelo Atlas da Violência 2024 e pelo Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2024 apontam para o crescente número de casos de violência doméstica no Brasil (seq. 21/23). 9. A Procuradoria-Geral Federal, por seu turno, pontuou que a competência para orientação jurídica em assuntos relacionados a pessoal pertence ao órgão central do SIPEC, nos termos do Parecer GQ-46, ou seja, a Secretaria de Gestão de Pessoas do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos. Acrescentou também que a Lei nº 11.340/2006 não assegura um direito automático à remoção, mas apenas o acesso prioritário, o que subordina a hipótese às leis que disciplinam o regime jurídico de cada servidora pública. Contra-argumentou que, embora seja pertinente classificar a remoção ora discutida como aquela prevista no artigo 36, parágrafo único, inciso III, alínea "b", da Lei nº 8.112/1990, tal abordagem pode não ser suficiente para solver a questão, uma vez que: i) o procedimento respectivo, que implica perícia médica, pode ser incompatível com a urgência que a situação eventualmente requer; ii) a referida remoção só pode ocorrer no mesmo quadro de pessoal, o que pode dificultar a solução do problema em órgãos que possuam uma ou poucas sedes próximas geograficamente; iii) o Manual de Perícia Oficial em Saúde do Servidor Público Federal estabelece diversos requisitos para o deferimento da respectiva remoção. Nada obstante, concluiu pela possibilidade de adesão às razões expostas pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, no sentido de que a violência doméstica pode ser considerada, após avaliação do caso concreto, como motivo para a remoção a pedido, independentemente do interesse da Administração Pública, por motivo de saúde. Entendeu, destarte, que a questão ora vertida demanda solução legislativa, no sentido de garantir que as situações de violência doméstica sejam contempladas como hipótese de remoção (seq. 27/28). 10. Por fim, a Consultoria Jurídica junto ao Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos esclareceu que, em 10 de dezembro de 2024, a convite da Diretora de Provimento e Movimentação de Pessoal da Secretaria de Gestão de Pessoas, fora realizada reunião, com a participação de integrante desta Consultoria-Geral da União, para apresentação de minuta de portaria que visa a regulamentar a movimentação de servidoras vítimas de violência doméstica, na qual se concluiu pela necessidade de aprofundamento dos estudos acerca da hipótese. Acrescentou que, ao serem consultadas, as unidades técnicas da pasta (SGP/MGI e SRT/MGI) apresentaram opinativo do órgão central do SIPEC (Nota Informativa SEI nº 47983/2024/MGI), o qual concluiu pela possibilidade de aplicação dos institutos de movimentação para o acolhimento de pedidos de vítimas de assédio, discriminação e violência doméstica, nos termos da Nota Técnica Referencial nº 28290/2024/MGI, porém, ressaltaram que a remoção por motivo de saúde demanda o reconhecimento por perícia oficial do acometimento da saúde, física ou mental, da servidora. Assim, pontuaram que a referida análise tem por objetivo avaliar a necessidade de tratamento de saúde e não necessariamente os riscos à segurança da servidora, o que demonstra que a remoção por motivo de saúde pode ser insuficiente para atender plenamente às demandas de proteção que os casos impõem. O referido cenário, concluem, reclama que os órgãos e entidades integrantes do SIPEC avaliem a aplicação de outras formas de movimentação da servidora, destacando que "o uso de instrumentos previstos em legislações e normas, como o Decreto nº 12.122, de 2024 e a Portaria MGI nº 6.719, de 2024, possibilita ações mais abrangentes, que incluem o acolhimento e a transferência da servidora para localidade segura". A partir das considerações técnicas acima, a Consultoria Jurídica junto ao Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos ponderou entender que a melhor alternativa para solucionar a questão ora posta à apreciação seria a edição de norma regulamentadora, a qual, segundo reforça, está sendo atualmente idealizada pelo Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, em parceria com o Ministério das Mulheres (seq. 29/31). 11. Concluída a instrução necessária, os autos seguiram conclusos para manifestação jurídica desta Consultoria da União. II - FUNDAMENTAÇÃO II.I - CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS 12. A análise sobre o arcabouço normativo que envolve a possibilidade de concessão de remoção para servidoras públicas federais vítimas de violência de doméstica pressupõe o exame do contexto constitucional e social em que está implicada a discussão. 13. Sob o referido ponto de vista, é preciso reconhecer, preambularmente, que o dever de proteção das vítimas de violência doméstica decorre da própria institucionalização do estado democrático de direito pelo artigo 1º da Constituição Federal, o qual pressupõe a assunção pelo Estado brasileiro da obrigação de concretizar a justiça. Mas não é só. Decorre, igualmente, do objetivo fundamental fixado no artigo 3º da Carta Constitucional de promover o bem de todos, sem qualquer tipo de preconceito. Sucede, na mesma medida, da consagração da igualdade entre todos e, especificamente, daquela existente entre homens e mulheres: nos termos do artigo 5º, inciso I, da Constituição Federal, "homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações". Ainda em consonância com a Constituição Republicana, o legislador tem por compromisso punir qualquer discriminação atentatória aos direitos eFechar