Documento assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. Este documento pode ser verificado no endereço eletrônico http://www.in.gov.br/autenticidade.html, pelo código 05152025021200006 6 Nº 30, quarta-feira, 12 de fevereiro de 2025 ISSN 1677-7042 Seção 1 liberdades fundamentais (artigo 5º, inciso XLI). Homens e mulheres são detentores dos mesmos deveres e devem exercê-los em igualdade quando em uma relação conjugal (artigo 226, § 5º). E, por fim, cabe ao Estado assegurar, conforme comanda o artigo 226, § 8º, da Lei Maior, a assistência à família, de modo a criar mecanismos que coíbam, efetivamente, a violência no âmbito de suas relações. 14. O viés constitucional protetivo acima alinhavado encontra-se, ademais, reforçado por normativos de natureza internacional. Além dos padrões de igualdade capitaneados pela Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, é possível observar que o artigo 7, da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, promulgada pelo Decreto nº 1.973/1996, não apenas reconhece que os Estados signatários condenam todas as formas de violência contra a mulher, mas também se comprometem a adotar diversas condutas de prevenção e punição do referido comportamento. Confira-se: Deveres dos Estados Artigo 7 Os Estados Partes condenam todas as formas de violência contra a mulher e convêm em adotar, por todos os meios apropriados e sem demora, políticas destinadas a prevenir, punir e erradicar tal violência e a empenhar-se em: a) abster-se de qualquer ato ou prática de violência contra a mulher e velar por que as autoridades, seus funcionários e pessoal, bem como agentes e instituições públicos ajam de conformidade com essa obrigação; b) agir com o devido zelo para prevenir, investigar e punira violência contra a mulher; c) incorporar na sua legislação interna normas penais, civis, administrativas e de outra natureza, que sejam necessárias para prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher, bem como adotar as medidas administrativas adequadas que forem aplicáveis; d) adotar medidas jurídicas que exijam do agressor que se abstenha de perseguir, intimidar e ameaçar a mulher ou de fazer uso de qualquer método que danifique ou ponha em perigo sua vida ou integridade ou danifique sua propriedade; e) tomar todas as medidas adequadas, inclusive legislativas, para modificar ou abolir leis e regulamentos vigentes ou modificar práticas jurídicas ou consuetudinárias que respaldem a persistência e a tolerância da violência contra a mulher; f) estabelecer procedimentos jurídicos justos e eficazes para a mulher sujeitada a violência, inclusive, entre outros, medidas de proteção, juízo oportuno e efetivo acesso a tais processos; g) estabelecer mecanismos judiciais e administrativos necessários para assegurar que a mulher sujeitada a violência tenha efetivo acesso a restituição, reparação do dano e outros meios de compensação justos e eficazes; h) adotar as medidas legislativas ou de outra natureza necessárias à vigência desta Convenção. 15. Conquanto sob o ponto de vista da igualdade formal a equiparação entre homens e mulheres, e, portanto, a proteção normativa entre os gêneros, esteja plenamente consagrada pela Carta de 1988 já no primeiro inciso do dispositivo que assegura os direitos e garantias fundamentais, bem como em compromissos internacionais de que o Brasil é signatário, infelizmente, sob o ponto de vista material, o referido postulado constitucional ainda demanda intervenções estatais e sociais para sua plena efetivação. 16. Nada obstante nosso arcabouço normativo seja robusto no sentido de enaltecer a proibição a qualquer tratamento discriminatório entre homens e mulheres e de coibir qualquer violação aos direitos à vida, à liberdade, à integridade física e psicológica, à intimidade e à honra, a violência doméstica e familiar é uma realidade trágica e crescente no Brasil, que atinge, indiscriminadamente, todas as camadas sociais. 17. A referida afirmação encontra-se respaldada em dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2024, publicado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública [5], e citado na NOTA n. 00013/2024/GAB-CONJUR-MM/CONJUR-MM/CGU/AGU. 18. O referido reporte aponta que, considerando os registros de homicídio, feminicídio, agressões no contexto de violência doméstica, ameaça, perseguição, violência psicológica e estupro, 1.238.208 mulheres foram vítimas dos referidos crimes no ano de 2023, número este que aponta para uma escalada crescente nos últimos anos. 19. Reportando-nos, ainda, a 2022, 1.410 mulheres foram vítimas de feminicídio no Brasil [6], patamar que cresceu para 1.467 em 2023, maior soma desde a tipificação, em 2015, do ilícito penal. Em outras palavras, este número significa que pelo menos 4 mulheres foram vítimas de feminicídio por dia no Brasil em 2023. Perdemos, portanto, 1 mulher a cada seis horas, a maioria delas negras, entre 18 e 44 anos, sendo 49,6% dos feminicídios cometidos com armas brancas e 64,3% praticados no interior das residências das próprias vítimas. Os companheiros, atuais ou anteriores, foram autores dos feminicídios em 84,2% dos casos. Por fim, 12,7% das vítimas de feminicídio em 2023 tinham uma medida protetiva de urgência ativa no momento do óbito. 20. Ainda segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2024, em 2023, registramos 8.372 tentativas de homicídio contra mulheres, desse total, 33,4% foram tentativas de feminicídio. Os números correspondentes aos demais crimes cometidos no âmbito da violência doméstica seguem a mesma tendência alarmante até aqui destacada: Também, as agressões em contexto de violência doméstica aumentaram: foram 258.941 vítimas mulheres, o que indica um crescimento de 9,8% em relação à 2022. O número de mulheres ameaçadas subiu 16,5%: foram 778.921 as mulheres que vivenciaram essa situação e registraram a ocorrência junto à polícia. O aumento dos registros de violência psicológica também foi grande, de 33,8%, totalizando 38.507 mulheres. O crime de stalking (perseguição) também subiu, com 77.083 mulheres passando por isso, um aumento de 34,5%. No mesmo sentido caminharam os crimes sexuais com vítimas mulheres: o estupro (incluindo o estupro de vulnerável, que acontece quando a vítima é menor de 14 anos ou quando, sendo maior de 14 anos, não está em condições de consentir) cresceu 5,3% no período, vitimando pelo menos 72.454 mulheres e crianças do sexo feminino. Lembramos que, quando o tema é estupro, estamos falando especialmente de vítimas meninas, em sua maioria de 13 anos, a idade que concentra os maiores registros, como será explorado mais a fundo no capítulo sobre Violência Sexual. Além dos dados dos crimes em si, a dimensão da gravidade do fenômeno da violência contra a mulher, em suas múltiplas formas, pode ser ilustrada com os dados de acionamento da Polícia Militar em razão de violência doméstica e com os dados do Poder Judiciário sobre Medidas Protetivas de Urgência. Foram 848.036 ligações para o 190 - serviço da PM utilizado para casos de emergência e pedidos de ajuda -, 663.704 novos processos na justiça com pedidos de medidas protetivas, dos quais 81,4% tiveram a medida (ou medidas) concedida. (fl. 135 do Anuário). 21. Apesar dos números acima refletidos demonstrarem o crescimento da violência doméstica no Brasil nos últimos anos, e embora seja possível reconhecer que eles espelham apenas parte do problema, tendo em vista a grande quantidade de casos não reportados ao Estado, é preciso assentir que os mecanismos estatais de coibição dessa prática tão perversa também têm sido robustecidos. 22. Após a condenação do Brasil, em 2001, pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos pela omissão na instituição de mecanismos de prevenção e combate à violência doméstica e familiar [7], o país editou, em 2006, a Lei nº 11.340 (Lei Maria da Penha) [8]. Em 2015, tipificou o feminicídio, tornando-o crime autônomo em 2024[9], ano em que a Lei nº 14.994/2024[10] também reconheceu que os processos que apuram a prática de violência contra a mulher terão prioridade de tramitação em todas as instâncias e robusteceu as penas do crime de lesão corporal no âmbito das relações domésticas. 23. Conforme bem pontuado por Maria Berenice Dias, "optou o legislador pelo uso do Direito, com seu reconhecido poder contrafático, apostando em que, longe de ser mero consectário dos costumes de uma sociedade, o Direito pode ser um instrumento de transformação da realidade, prenhe de desigualdades e injustiças"[11]. 24. O Poder Judiciário também tem sido atento ao combate do avanço da violência doméstica. Tanto é assim que o Supremo Tribunal Federal, após impulso do então Presidente da República, reafirmou a constitucionalidade da Lei Maria da Penha em 2012, com o reconhecimento da impossibilidade de submissão dos casos de violência doméstica aos Juizados Especiais Criminais, o que implica a proibição de aplicação de medidas despenalizadoras, como a transação penal e a suspensão condicional do processo [12]. Também em 2012, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a natureza incondicionada da ação penal em caso de crime de lesão, ainda que de natureza leve, praticado contra a mulher no ambiente doméstico [13]. E, mais recentemente, em progressos interpretativos relevantes, a Suprema Corte brasileira também considerou inconstitucional a alegação da tese da legítima defesa da honra nas hipóteses de feminicídio [14] e explicitou que a perquirição quanto ao modo de vida da vítima nos processos apuratórios e julgamentos de crimes contra a dignidade sexual ofende os princípios da igualdade e da dignidade da pessoa humana [15]. 25. No âmbito do Poder Executivo, por outro lado, destaca-se a criação do Ministério das Mulheres[16], no âmbito do qual instituída a Secretaria Nacional de Enfrentamento à Violência Contra Mulheres, que conduz, dentre outros programas, a Central de Atendimento à Mulher (Ligue 180), responsável por receber renúncias, reclamações e prestar informações sobre violência doméstica, bem como pela implementação, em parceria com estados e Municípios, de Casas da Mulher Brasileira, instituições de acolhimento e atendimento multidisciplinar de mulheres vítimas de violência doméstica. 26. O Brasil, portanto, tem laborado no sentido de prevenir e coibir a violência doméstica. Os dados estatísticos acima indicados, contudo, demonstram a necessidade de avanços, os quais, considerados os limites imanentes ao presente instrumento, podem ser eficazmente adotados por este parecer, especialmente quanto à possibilidade de prevenção de que tais condutas se perpetuem, ou sigam se concretizando, contra servidoras públicas federais. II.II - DO DIREITO À MOVIMENTAÇÃO DE SERVIDORAS PÚBLICAS CIVIS DA UNIÃO, DAS AUTARQUIAS E DAS FUNDAÇÕES PÚBLICAS FEDERAIS VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA 27. As entidades que subscreveram o Ofício nº 01/2024 (seq. 1) solicitaram, como visto, a fixação de entendimento vinculante à Administração Pública federal, no sentido de que as servidoras públicas federais vítimas de violência doméstica possuem o direito de solicitar remoção por motivo de saúde. A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, por sua vez, ao corroborar o pedido descrito, concluiu pela possibilidade de subsunção da hipótese ao artigo 36, parágrafo único, inciso III, alínea "b", da Lei nº 8.112/1990, desde que a servidora realize o pedido de remoção e comprove à junta médica que sua permanência no local de lotação atual oferece risco à sua integridade física e psicológica. 28. Nos termos dos artigos 5º e 6º da Lei nº 11.340/2006[17], a violência doméstica e familiar é considerada modalidade de violação dos direitos humanos, a qual se concretiza mediante ação ou omissão, baseada no gênero, perpetrada no âmbito da unidade doméstica, da família ou em qualquer relação íntima de afeto, que cause à mulher morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico, dano moral ou patrimonial. 29. Ainda de acordo com a Lei Maria da Penha [18], são formas de violência doméstica, entre outras, a violência física, psicológica, sexual, patrimonial e moral, assim compreendidas: I - a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal; II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, violação de sua intimidade, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação; (Redação dada pela Lei nº 13.772, de 2018) III - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos; IV - a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades; V - a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria. 30. Por outro lado, conforme os artigos 2º e 3º da Lei nº 11.340/2006[19], além da salvaguarda dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, às mulheres são asseguradas as condições ao exercício efetivo dos direitos à vida, à segurança, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, à moradia, o acesso à justiça, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária. A proteção legislativa referida, no mais, é seguida do comando ao Poder Público de desenvolver políticas públicas que visem a garantir os direitos humanos das mulheres no âmbito das relações domésticas e familiares, resguardando-as de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (artigo 3º, § 1º, da Lei 11.340/2006). 31. O ordenamento jurídico impõe ao Poder Público, deste modo, um dever contundente de proteger e reprimir as ações e omissões cometidas contra mulheres vítimas de violência doméstica, bem como uma obrigação relevante de acolhê-las integralmente, de modo que possam exercer livremente seus direitos. Essas responsabilidades, quando replicadas ao regime jurídico que disciplina a relação entre o Estado e os seus servidores, podem ser consideradas qualificadas. Isso porque, nesta esfera, além da incidência do dever de assegurar as condições para o exercício efetivo dos direitos fundamentais previstos na Constituição Federal e replicados no artigo 3º da Lei nº 11.340/2006, dentre os quais destaca- se o direito ao livre exercício da profissão, existe também a obrigação específica do Estado de zelar pelo bem estar de seus servidores, com o intuito de assim possibilitar, em atenção ao princípio da eficiência (artigo 37, "caput", da Constituição Federal[20]), as melhores condições para que o trabalho seja exercido da maneira mais profícua possível. 2. Tanto assim o é que a Lei nº 8.112/1990 reconhece aos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais não apenas o direito à retribuição pecuniária pela prestação dos respectivos serviços (artigos 40 a 48), mas também uma série de vantagens - como indenizações, gratificações e adicionais (artigos 49 a 76-A) -, licenças (artigos 81 a 92), afastamentos (artigos 93 a 96-A) e seguridade social (artigos 183 a 230). Na mesma direção, ao dispor sobre a remoção, mais uma vez a Lei nº 8.112/1990 demonstrou a prioridade na atenção aos seus servidores, ao possibilitar a movimentação para outra localidade, independentemente do interesse da administração, nas hipóteses que elenca o seu artigo 36, parágrafo único, inciso III, alíneas "a", "b" e "c". 33. Portanto, ao tratar especificamente acerca dos referenciais normativos atinentes à hipótese submetida a exame pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, é importante destacar que a Lei nº 11.340/2006, ao dispor sobre a assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar, prevê a possibilidade de concessão, pelo juiz, de acesso prioritário à remoção quando a vítima for servidora pública, com o fim de preservar-lhe a integridade física e psicológica. Vejamos, na literalidade, o comando da lei protetiva: Art. 9º A assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar será prestada em caráter prioritário no Sistema Único de Saúde (SUS) e no Sistema Único de Segurança Pública (Susp), de forma articulada e conforme os princípios e as diretrizes previstos na Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993 (Lei Orgânica da Assistência Social), e em outras normas e políticas públicas de proteção, e emergencialmente, quando for o caso. (...) § 2º O juiz assegurará à mulher em situação de violência doméstica e familiar, para preservar sua integridade física e psicológica: I - acesso prioritário à remoção quando servidora pública, integrante da administração direta ou indireta; (Grifou-se). 34. O artigo 9º, § 2º, inciso I, da Lei nº 11.340/2006, objetiva, nesta medida, conferir segurança à servidora pública, possibilitando-lhe o afastamento físico do agressor, sem prejuízo do exercício regular de suas atividades laborais.Fechar