Documento assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. Este documento pode ser verificado no endereço eletrônico http://www.in.gov.br/autenticidade.html, pelo código 05152025021900008 8 Nº 35, quarta-feira, 19 de fevereiro de 2025 ISSN 1677-7042 Seção 1 13. A tempo, não se ignora a dissonância manifestada por alguns dos órgãos interessados, o que não impede, todavia, que se consolide a posição do Poder Público no mesmo sentido do verbete vinculante em exame. 14. Tal posicionamento se justifica no fato de que as objeções, no mais das vezes - ilação não imune a exceções -, não atingem o cerne da conclusão obtida pelo STF, preservando o núcleo essencial de admissibilidade de concessão da licença- maternidade em relacionamentos homoafetivos. 15. A definição assertiva de uma resposta sobre o tema, nesta trilha, é útil à estabilização da práxis administrativa em determinado sentido, contribuindo, de mais a mais, com o reconhecimento de direitos, com a eficiência administrativa e com a redução da litigiosidade sobre o tema. 16. A postura acaba por afirmar, ainda, o Poder Público como agente garantidor das variadas - e multifacetadas - promessas constitucionais, assegurando a força normativa1 da Carta Política e a máxima efetividade de direitos fundamentais indisponíveis. b) O Tema 1.072 e o compromisso constitucional de proteção à família, à maternidade e infância 17. A Constituição Federal de 1988, ao dedicar um capítulo próprio à família, "não limitou a sua formação a casais heteroafetivos nem a formalidade cartorária, celebração civil ou liturgia religio"2, tratando de ampliar a sua leitura pelo prisma da reunião voluntária de indivíduos mediante laços afetivos e recíprocos3 4. 18. Conforme compreensão corrente, os elos familiares se formam através de arranjos plurais e complexos que reclamam especial sensibilidade interpretativa, haja vista se estar diante, acima de mero instituto jurídico, de conceito social que espelha os "núcleos naturais e fundamentais da sociedade" (art. 16, item 3, da Declaração Universal dos Direitos Humanos). 19. O art. 226 da CF/1988, refletindo o entendimento acima, afirma que "A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado", prescrição que contém evidente mandado direcionado à Administração para que atue, de um lado, no sentido de promover políticas públicas que protejam tais conformações sob uma perspectiva coletiva, mas também para que, por outro, não interfira na realização de projetos pessoais dos cidadãos. 20. Convém ressaltar, por pertinência, que o raciocínio perfilhado segue o resultado do julgamento da ADI 4.277, de relatoria do Min. Ayres Britto, responsável por dar interpretação conforme à Constituição ao art. 1.723 do Código Civil, excluindo "do dispositivo em causa qualquer significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como família". 21. As premissas acima compõem o cenário de fundo do RE 1.211.446, leading case do Tema 1.072 de Repercussão Geral, cuja controvérsia foi assim sumarizada: "Possibilidade de concessão de licença-maternidade à mãe não gestante, em união estável homoafetiva, cuja companheira engravidou após procedimento de inseminação artificial". 22. A ementa do julgado, que retrata as suas razões de decidir, possui o seguinte teor: EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. LICENÇA-MATERNIDADE. ARTIGOS 7º, XVIII, E 201, DA CONSTIT U I Ç ÃO FEDERAL. UNIÃO ESTÁVEL HOMOAFETIVA. INSEMINAÇÃO ARTIFICIAL. SILÊNCIO LEG I S L AT I V O. CONCEITO PLURAL DE FAMÍLIA. MULTIDIVERSIDADE. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO INSTITUÍDO PRIMORDIALMENTE NO INTERESSE DA CRIANÇA. FUNDAMENTALIDADE DA CONVIVÊNCIA PRÓXIMA COM A GENITORA NA PRIMEIRA INFÂNCIA. PROTEÇÃO INTEGRAL À CRIANÇA E AO ADOLESCENTE. PRINCÍPIO DA ISONOMIA. NECESSIDADE DE EXTENSÃO DO BENEFÍCIO À MÃE NÃO GESTANTE. IMPOSSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO DE DOIS BENEFÍCIOS IDÊNTICOS EM UM MESMO NÚCLEO FAMILIAR. RECURSO EXTRAORDINÁRIO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. O sobreprincípio da dignidade da pessoa humana e a realidade das relações interpessoais no seio de nossa sociedade impõem regime jurídico que protege diversos formatos de família que os indivíduos constroem a partir de seus vínculos afetivos. Esta concepção plural de família resta patente no reconhecimento constitucional da legitimidade de modelos familiares independentes do casamento, como a união estável e a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes, cognominada família monoparental (art. 226, §§ 3º e 4º da CF de 1988). 2. O Supremo Tribunal Federal assentou, no histórico julgamento da ADI 4.227 (Rel. Min. Ayres Britto, Tribunal Pleno, DJe 14/10/2011), o novel conceito de família, como instituição que também se forma por vias distintas do casamento civil e que abrange, com igual dignidade, uniões entre casais heteroafetivos e pares homoafetivos, a partir de uma exegese não reducionista. 3. A licença-maternidade constitui benefício previdenciário destinado, em conjunto com outras previsões, a concretizar o direito fundamental social de proteção à maternidade e à infância, mencionado no caput do art. 6º da CF. A temática relaciona- se à inserção da mulher no mercado de trabalho, que conduziu os Estados a promoverem políticas públicas que conciliassem a vida familiar e o melhor interesse dos filhos com a atividade laboral, para o desenvolvimento pessoal e profissional da mulher. 4. A proteção à maternidade constitui medida de discriminação positiva, que reconhece a especial condição ou papel da mulher no que concerne à geração de filhos e aos cuidados da primeira infância, tendo como ratio essendi primordial o bem estar da criança recém-nascida ou recém-incorporada à unidade familiar. 5. O convívio próximo com a genitora na primeira infância é de fundamental importância para o desenvolvimento psíquico saudável da criança. É que a garantia de períodos estendidos de licença-maternidade está associada, na literatura médica, entre outras coisas à redução da mortalidade infantil em países de todos os níveis de renda (HEYMANN et al. Paid parental leave and family wellbeing in the sustainable development era. Public Health Reviews, 2017, 38:21). 6. A ratio essendi primordial de proteção integral das crianças do instituto da licença- maternidade, tem diversos precedentes no sentido da extensão deste benefício a genitores em casos não expressamente previstos na legislação. Nesse sentido, a jurisprudência consagrou que a duração do benefício deve ser idêntico para genitoras adotivas e biológicas (RE 778.889, Tribunal Pleno, Rel. Min. Roberto Barroso, DJe 01/08/2016); reconheceu-se o gozo da licença a servidores públicos solteiros do sexo masculino solteiro que adotem crianças (RE 1.348.854, Tribunal Pleno, Rel. Min. Alexandre de Moraes, DJe 24/10/2022); e garantiu-se o direito à licença também às servidoras públicas detentoras de cargos em comissão (RE 842.844, Tribunal Pleno, Rel. Min. Luiz Fux, DJe 06/12/2023). 7. As normas constitucionais relativas ao direito à licença-maternidade à mãe não gestante em união homoafetiva não podem ser interpretadas fora do contexto social em que o ordenamento jurídico brasileiro se insere, impondo-se opção por interpretação que confira máxima efetividade às finalidades perseguidas pelo Texto Constitucional. 8. O direito à igualdade, expresso no art. 5º, caput, da Constituição Federal, pressupõe a consideração das especificidades indevidamente ignoradas pelo Direito, especialmente aquelas vinculadas à efetivação da autonomia individual necessária à autorrealização dos membros da sociedade. Na linha da definição formulada por Ronald Dworkin, a igualdade equivale a tratar a todos com o mesmo respeito e consideração (DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério, São Paulo: Martins Fontes, 2010, p. 419). 9. À luz da isonomia, não há que se falar exclusão da licença-maternidade às mães não gestantes em união homoafetiva. A Constituição Federal de 1988 concede à universalidade das mulheres a proteção constitucional à maternidade, independentemente do prévio estado de gravidez. 10. O reconhecimento da condição de mãe à mulher não gestante, em união homoafetiva, no que concerne à concessão da licença-maternidade tem o condão de fortalecer o direito à igualdade material e, simbolicamente, de exteriorizar o respeito estatal às diversas escolhas de vida e configuração familiares existentes. 11. À luz do princípio da proporcionalidade, verifica-se a impossibilidade da concessão do benefício na hipótese abstrata de concorrência entre as mães a ambas simultaneamente em virtude de uma única criança, devendo a uma delas ser concedida a licença-maternidade e à outra afastamento por período equivalente ao da licença-paternidade. Saliente-se no ponto que o Plenário desta Corte declarou, recentemente, no julgamento da ADO 20, a existência de omissão inconstitucional do Congresso Nacional no que concerne à regulamentação da licença-paternidade, assinalando prazo de 18 meses ao Poder Legislativo Federal para a colmatação da lacuna normativa. 12. In casu, tem-se quadro fático em que o direito de trabalhadora não gestante em união homoafetiva ao gozo de licença-maternidade foi reconhecido, em contexto em que sua companheira, a mãe gestante, não usufruiu do benefício, de sorte que a decisão recorrida se adéqua perfeitamente à melhor interpretação constitucional. 13. Recurso extraordinário a que se NEGA PROVIMENTO, com a fixação da seguinte tese vinculante: "A servidora pública ou a trabalhadora regida pela CLT não gestante em união homoafetiva têm direito ao gozo da licença-maternidade. Caso a companheira tenha usufruído do benefício, fará jus a período de afastamento correspondente ao da licença-paternidade". (grifei) 23. Perceptível, a partir da leitura do sumário reproduzido supra, que a posição encampada pela Suprema Corte prestigia não só a concepção plural de família, mas também a proteção à maternidade e à infância como direito social inderrogável (art. 6º, caput, da Carta Política), cujo cumprimento demanda ações positivas do Estado - visto que verdadeiro direito fundamental de segunda dimensão. 24. Deve-se compreender a licença-maternidade (art. 7º, XVIII, e art. 39, §3º, ambos da CF/1988), outrossim, como direito cujo objeto de tutela é plural: recai, a um só tempo, "sobre a mãe, o nascituro e o infante, para além de proteger a própria sociedade"5. Suas dimensões contemplam, portanto, (i) a proteção do mercado de trabalho feminino, irradiando efeitos sobre as esferas previdenciária e assistencial (arts. 7º, XX; 201, II, e 203, I, todos da CF/1988); (ii) o melhor interesse do infante; e (iii) a sua proteção integral (arts. 1º, III; 227, caput e §3º, da CF/1988). 25. Para a Convenção nº 102 da Organização Internacional do Trabalho6, subscrita pelo Brasil e incorporada na ordem jurídica interna via Decreto nº 58.820/1966, os Estados Partes "devem assegurar prestações de maternidade às pessoas amparadas", contexto que engloba "a gravidez, o parto e suas consequências" (arts. 46 e 47), redação que caminha no sentido de uma interpretação sistemática e teleológica do instituto. 26. Consoante estabelecido pelo STF, a tutela dos laços maternais, na espécie, encontra justificativa no fato de que a "mãe não gestante em união homoafetiva, apesar de não vivenciar as alterações típicas da gravidez, arca com todos os demais papeis e tarefas que lhe incumbem após a formação do novo vínculo familiar". Dado o rol de direitos inscritos no corpo da Constituição Federal e que são pertinentes ao tema, o Supremo declarou que é "dever do Estado assegurar especial proteção ao vínculo maternal, independentemente da origem da filiação ou da configuração familiar que lhe subjaz" (grifei). 27. Em outras palavras, protege-se a maternidade em uma concepção ampla, dissociada necessariamente do ato de gestar, visando à proteção daqueles que assumem tarefas inerentes ao dever de cuidado característico da primeira infância. 28. Confere-se especial destaque, igualmente, ao bem-estar do recém-nascido e à sua peculiar condição, propiciando circunstâncias benéficas ao seu saudável desenvolvimento no seio familiar, sobretudo pela maior disponibilidade de cuidados maternais no período de afastamento laboral, o que é essencial à harmonia da família (arts. 226 e 227 da Constituição Fe d e r a l ) . 29. Como razões de decidir, também foram utilizados os princípios da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF/1988), da isonomia (art. 5º, caput, da CF/1988), da proporcionalidade sob o viés da vedação à proteção insuficiente e da proibição do retrocesso social. 30. Anote-se que o decisório em comento segue uma linha, já tracejada há muito pelo STF, de proteção às multiformes entidades familiares7, cabendo citar como exemplos os Temas 542 (RE 842.844)8, 782 (RE 778.889)9 e 1.182 (RE 1.348.854)10 de repercussão geral. 31. Especificamente quanto aos Temas 542 e 782, esta Advocacia-Geral da União já possui pareceres vinculantes incorporando as suas razões à praxe da Administração Federal11, o que robustece as razões favoráveis à adoção de postura idêntica quando ao Tema 1.072. 32. Não é demais acautelar que a interpretação de um precedente não pode se dar de forma decomposta dos fatos relevantes que lhe são subjacentes12, no que, caso ausente(s) alguma(s) de suas premissas, não há que se cogitar em sua imediata incidência. No mesmo sentido, Marinoni13 esclarece que "a própria interpretação constitucional se rendeu à realidade e aos fatos", de modo que as Cortes perceberam que "a elaboração interpretativa não poderia deixar de considerar fatos para a concretização das normas constitucionais". 33. Mediante análise casuística, porém, é possível que a tese vinculante seja utilizada em controvérsias semelhantes o suficiente para atrair a ratio decidendi14. 34. Também deve ser frisado que inexiste amparo jurisprudencial ou legal, ao menos no momento de subscrição deste opinativo, para a dupla concessão da licença- maternidade, sob pena de vulneração ao equilíbrio financeiro e atuarial que rege o sistema previdenciário (art. 40, caput, da CF/1988) e aos princípios da isonomia (art. 5º, caput, da CF/1988) e da proporcionalidade, a teor da parte final da tese firmada. 35. Cabe citar, por oportuno, o resultado do julgamento da ADI 751815, que decidiu de forma semelhante pela impossibilidade de dupla fruição da licença- maternidade em situações congêneres: Ação direta de inconstitucionalidade. 2. Licença-parental. Arts. 137, caput, 139, parágrafo único, da Lei Complementar 46/1994; arts. 3º, caput, 4º, parágrafo único, da Lei Complementar 855/2017. 3. Inadmissibilidade de diferenciação entre filhos biológicos e adotivos. Equiparação das licenças. 4. Licença-parental aos pais solo. Ausência de norma estadual. Proteção insuficiente. Violação à isonomia, à proteção integral e à vedação à discriminação. 5. Licença-maternidade às servidoras civis temporárias e em comissão. Precedente. 6. Licença- maternidade à mãe não gestante em união homoafetiva. Possibilidade, desde que não usufruída idêntica licença pela companheira. 7. Livre compartilhamento da licença parental entre o casal. Ausência de obrigação constitucional. Liberdade de conformação do legislador. 8. Pedido julgado parcialmente procedente. (destaquei) c) O dever da Administração Pública de observar as decisões do Supremo Tribunal Federal: Decreto nº 2.346/1997. Necessário reconhecimento de direitos e redução da cultura de litigiosidade, especialmente ante a formação de precedentes qualificados 36. Ressalta-se que o Supremo Tribunal Federal, como órgão máximo do Poder Judiciário brasileiro, recebeu das mãos do Poder Constituinte originário a nobre missão de guardar a Constituição Federal e de assegurar a sua supremacia em face das demais normas e dos atos do Poder Público (art. 102, caput). 37. Sendo assim, as suas decisões influenciam não apenas os casos concretos sob julgamento, mas também a interpretação e aplicação do direito brasileiro de forma ampla. No desenho trazido pela Carta Magna, essas decisões podem ter caráter vinculante ou não vinculante. 38. As decisões com caráter vinculante e efeitos erga omnes são aquelas que, uma vez proferidas, devem ser obrigatoriamente seguidas por todas as demais instâncias judiciais, bem como pela Administração Pública direta e indireta, em casos semelhantes. Esse efeito vinculante busca promover uniformidade na interpretação da Constituição Federal, evitando decisões contraditórias sobre uma mesma questão constitucional, como ocorre nas ações de controle concentrado de constitucionalidade. 39. Noutro giro, as decisões sem caráter vinculante são aquelas proferidas pelo STF em casos que não produzem automaticamente obrigatoriedade de observância por outras instâncias ou pela Administração Pública. Estas decisões são importantes para o caso concreto analisado, mas não estabelecem uma regra prospectiva obrigatória. É o que ocorre nos recursos extraordinários, os quais, muito embora firmem importantes precedentes, não possuem efeito vinculante. Ou seja, aplicam-se ao caso específico, servindo de orientação jurisprudencial para casos semelhantes, mas sem obrigar sua observância. 40. Sobre a importância do efeito vinculante, adverte Roger Stiefelmann Leal16: A vinculação dos órgãos e poderes do Estado aos motivos, princípios e interpretações acolhidos pelos órgãos de jurisdição constitucional em suas decisões privilegia a estabilidade das relações sociais e políticas em relação a uma pretensa necessidade de flexibilizar a interpretação da Constituição de modo a adotá-la à realidade de cada momento e corrigir eventuais equívocos ou injustiças. A sujeição dos demais poderes à Constituição e, por conseguinte, ao sentido que lhe empresta a jurisdição constitucional atua no sentido de eliminar eventuais divergências hermenêuticas, em nome dos princípios da segurança jurídica, da igualdade e da unidade da Constituição.Fechar