DOU 16/04/2025 - Diário Oficial da União - Brasil

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Nº 73, quarta-feira, 16 de abril de 2025
ISSN 1677-7042
Seção 1
Em primeiro lugar, o Tribunal concluiu que, apesar de haver fortes indícios de
discriminação com base na raça e cor, tanto a decisão de primeira instância como a
decisão de revisão criminal concluíram que a Sra. dos Santos e a Sra. Ferreira não tinham
provado suficientemente a existência de um tratamento discriminatório. Considerou que
esta determinação não se baseou em uma análise reforçada das evidências e depoimentos
apresentados na denúncia, mas sim que o padrão probatório proposto pelas autoridades
judiciais nacionais no caso consistiu em transferir às vítimas a plena responsabilidade pela
produção de provas, sem atribuir qualquer papel ao aparelho estatal no esclarecimento do
que aconteceu num caso de discriminação racial.
Observou-se que o Juiz de Primeira Instância citou o depoimento da Sra. I.C.L.
sem depois analisá-lo ou atribuir-lhe qualquer valor probatório. Pelo contrário, atribuiu
valor probatório a dois depoimentos prestados pela empresa, sem qualquer relação direta
com os fatos do caso. Nessa sentença também foram verificados erros na narração dos
acontecimentos que favoreciam a conclusão de que Gisele Ana Ferreira Gomes não havia
sido submetida a tratamento discriminatório. A este respeito, a Corte concluiu que - quer
tenham sido cometidos erros na análise das provas, quer tenha sido favorecido um
resultado que não encontrava suporte nas declarações - a atuação do juiz estava longe do
exercício da devida diligência reforçada.
A Corte também considerou que a omissão do Ministério Público em interpor
recurso contra a sentença de absolvição de primeiro grau resultou no descumprimento do
seu dever de devida diligência reforçada em relação à proteção do direito à igualdade e
à não discriminação. Da mesma forma, observou que a declaração da prescrição da ação
penal na decisão recursal gerou demora no trâmite processual. Esta afirmação constituiu
também uma omissão das autoridades judiciárias no cumprimento da dimensão jurídica e
material do seu dever de administrar a justiça face à discriminação sofrida por Neusa dos
Santos Nascimento e Gisele Ana Ferreira Gomes.
Quanto ao tempo de tramitação do processo, foram constatados dois
momentos de inércia por parte das autoridades que foram classificados como mais um
elemento da falta de devida diligência na tramitação do processo. O primeiro deles são os
cinco anos decorridos entre a interposição do recurso pelas supostas vítimas e a sua
resolução, em quatro dos quais não ocorreu nenhuma atividade processual. O segundo, o
ano decorrido entre a decisão de levantamento da prescrição e a expedição da ordem de
prisão.
Além do exposto, concluiu que a omissão das autoridades judiciárias em
notificar o Ministério Público do Trabalho sobre os fatos ocorridos representou uma
violação da obrigação do Estado de reparar integralmente as supostas vítimas pelos atos
de discriminação racial, bem como de garantir a igualdade material em espaços privados
de trabalho.
A Corte destacou que as ações e omissões do Ministério Público e do Poder
Judiciário acima referidas podem ser consideradas como uma série de falhas no curso de
um processo penal que violam a Convenção em si mesmas. Contudo, observou que,
devido às características particulares do caso e levando em conta sua conexão com o
dever do Estado de garantir o acesso à justiça em condições de igualdade, essas ações e
omissões, de forma conjunta, evidentemente causaram um impacto profundo no acesso à
justiça em condições de igualdade, num contexto de discriminação racial estrutural e de
racismo institucional.
Nesse sentido, a Corte destacou que as pessoas afrodescendentes no Brasil
têm sido submetidas à discriminação racial estrutural e ao racismo institucional, que
também se manifestam no acesso ao trabalho e à justiça. Tal realidade submete estas
pessoas a uma situação de extrema vulnerabilidade, de modo que o risco de os seus
direitos serem afetados é elevado. Ademais, constatou que em Neusa dos Santos
Nascimento e Gisele Ana Ferreira Gomes convergiam outras desvantagens estruturais que
se somavam à discriminação em função da sua raça ou cor de pele: seu gênero e sua
precária situação econômica. Essas desvantagens contribuíram para sua vitimização. Dessa
forma, as Sras. dos Santos e Ferreira compartilham fatores específicos de discriminação
sofrida por pessoas afrodescendentes, mulheres e pessoas em situação de pobreza, mas,
além disso, sofrem uma forma específica de discriminação devido à confluência de todos
esses fatores. Da mesma forma, observou-se que a situação vulnerável das supostas
vítimas também se deve à assimetria de poder que existe em qualquer relação de
trabalho.
Neste contexto, a Corte estabeleceu que, diante da denúncia de um crime de
racismo no acesso ao trabalho apresentada por duas mulheres afrodescendentes em
situação econômica precária, as autoridades estatais deveriam ter adotado todas as
medidas necessárias para investigar os fatos, com a devida diligência reforçada e dentro
de um prazo razoável, sempre levando em consideração os padrões de discriminação
racial estrutural e interseccional em que a Sra. dos Santos e a Sra. Ferreira estavam
imersas. Contudo, a Corte constatou que, longe de cumprir suas obrigações positivas de
superar a discriminação racial estrutural, esta permeou as ações e omissões das
autoridades durante o processo penal.
B. O impacto no projeto de vida
A Corte recordou que, de acordo com sua jurisprudência, o projeto de vida se
sustenta nos direitos que a Convenção Americana reconhece e garante. Em decisões
passadas, e a luz das características de cada caso, tem sido feita referência particular à
afetação do direito à vida digna e do direito à liberdade, sob a perspectiva do direito à
autodeterminação nos diferentes aspectos da vida. Como parte do livre desenvolvimento
de sua personalidade, a pessoa tem o direito de ter suas próprias expectativas e escolhas
de vida e de fazer o que razoável e legalmente estiver ao seu alcance para realizá-las.
No presente caso, a Corte considerou que não havia dúvida de que as vítimas
estavam gravemente impedidas de desenvolver seu projeto de vida sem discriminação e
sem estarem sujeitas a estereótipos raciais. Esta situação foi agravada de forma
irreparável ou de difícil reparação devido à ação institucional, que se manifestou na falta
de acesso à justiça em condições de igualdade, num contexto de discriminação racial
estrutural e sistêmica.
Assim, o Estado deixou de garantir e proteger o núcleo de direitos essenciais
ao desenvolvimento de um projeto de vida digna e sem discriminação de raça ou cor para
Neusa dos Santos Nascimento e Gisele Ana Ferreira Gomes, ao não garantir seu acesso à
justiça em
condições de igualdade
quando denunciaram
condutas consideradas
discriminatórias nos termos do direito interno e do direito internacional.
A Corte concluiu que, por terem sido vítimas de um ato de discriminação por
parte de um terceiro, a falta de acesso à justiça em condições de igualdade gerou
sentimentos de humilhação, sofrimento, angústia e falta de proteção, e consolidou uma
mensagem de
rejeição social e institucional
que marcou negativamente
o seu
desenvolvimento pessoal em condições dignas.
Neste contexto, o Tribunal considerou que a resposta judicial recebida por
Neusa dos
Santos Nascimento e Gisele
Ana Ferreira Gomes, que
reproduziu a
discriminação racial estrutural e o racismo institucional a que estavam sujeitas as vítimas,
teve um impacto profundo nas suas vidas. Isso gerou nelas um intenso sentimento de
injustiça, impotência e insegurança a ponto de afetar suas aspirações, expectativas 6 e
projetos de trabalho e, portanto, seu direito de desenvolver um projeto de vida sem
discriminação.
III. Das Reparações
A Corte estabeleceu que sua Sentença constitui, em si mesma, uma forma de
reparação e, adicionalmente, ordenou ao Estado, dentro dos prazos estabelecidos na
Sentença: (i) que forneça tratamento psicológico e/ou psiquiátrico às senhoras dos Santos
Nascimento e Ferreira Gomes; (ii) realizar as publicações indicadas; (iii) realizar um ato
público de reconhecimento de responsabilidade internacional e pedido público de
desculpas; (iv) adotar protocolos de investigação e julgamento para delitos de racismo; (v)
incluir nos currículos de formação permanente dos funcionários do Poder Judiciário e do
Ministério Público do estado de São Paulo um conteúdo específico em matéria de
discriminação racial direta e indireta; (vi) adotar as medidas necessárias para que aqueles
que exercem funções no Poder Judiciário notifiquem o Ministério Público do Trabalho
sobre supostos atos de discriminação racial no ambiente de trabalho; (vii) adotar as
medidas necessárias para que seja desenhado e implementado um sistema de coleta de
dados e números relativos ao acesso à justiça com distinções de raça, cor e gênero; (viii)
adotar as medidas necessárias para prevenir a discriminação nos processos de contratação
de pessoal; e, (iv) pagar os valores fixados na Sentença a título de indenização por danos
imateriais, e para ressarcimento de custos e gastos.
A Juíza Nancy Hernández López deu a conhecer seu Voto concordante. Os
Juízes Humberto A. Sierra Porto, Ricardo Pérez Manrique e a Juíza Verónica Gómez deram
a conhecer seus votos individuais parcialmente dissidentes. O Juiz Eduardo Ferrer Mac-
Gregor Poisot deu a conhecer seu Voto concordante y parcialmente dissidente. A Juíza
Pérez Goldberg deu a conhecer seu Voto concordante, dissidente e parcialmente
dissidente.
___________________
A Corte supervisionará o integral cumprimento da Sentença, no exercício de
suas atribuições e no cumprimento de seus deveres de acordo com a Convenção
Americana sobre Direitos Humanos, e dará por concluído o presente caso uma vez que o
Estado tenha cumprido integralmente as disposições da mesma.
O texto integral da Sentença pode ser consultado no seguinte link:
https://jurisprudencia.corteidh.or.cr/pt_br/vid/1056080770.
*Composta pelos seguintes Juízes e Juízas: Nancy Hernández López, Presidenta;
Humberto Antonio Sierra Porto, Juiz; Eduardo Ferrer Mac-Gregor Poisot, Juiz; Ricardo C.
Pérez Manrique, Juiz; Verónica Gómez, Juíza, e Patricia Pérez Goldberg, Juíza. Também
estavam presentes o Secretário Pablo Saavedra Alessandri e a Secretária Adjunta Gabriela
Pacheco Arias. O Juiz Rodrigo Mudrovitsch, de nacionalidade brasileira, não participou da
deliberação e da assinatura da presente Sentença, em conformidade com o disposto nos
artigos 19.1 e 19.2 do Regulamento da Corte.
ASSESSORIA ESPECIAL DE DEFESA DA DEMOCRACIA, MEMÓRIA E VERDADE
COORDENAÇÃO-GERAL DA COMISSÃO DE ANISTIA
PAUTA DA 5ª SESSÃO PLENÁRIA
A SER REALIZADA EM 25 DE ABRIL DE 2025
A COMISSÃO DE ANISTIA do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, instituída pelo art. 12 da Lei nº 10.559, de 13 de novembro de 2002, por meio da sua PRESIDENTA ,
nos termos do inc. II do art. 4º e do art. 14 da Portaria nº 177, de 22 de março de 2023, torna pública a PAUTA a todos os interessados e informa que no dia 25 de abril de 2025, a partir
das 09h, no Edifício Multi Brasil, SAUS quadra 5, Bloco A, Lotes 09/10 - Asa Sul - Brasília, Térreo, Sala de Reuniões Plenária, realizar-se-á a Sessão Plenária de análise de requerimentos de
anistia.
Nos termos do art. 13 da Portaria nº 177/2023, será garantido o direito de manifestação do requerente e/ou do seu representante legal, pelo prazo de 10 (dez) minutos.
Processos da Sessão Plenária do dia 25/04/2025:
.
.N°
.R EQ U E R I M E N T O
.TIPO
.NOME
.CO N S E L H E I R A (O) R E L AT O R A (O)
.M OT I V AÇ ÃO
.
.1
.2003.01.34908
.A
.Rene Paul Penafort post mortem
.José Carlos Moreira da Silva Filho vista Prudente
José Silveira Mello
.Bloco 01
.
.2
.2010.01.66675
.A
.Rose Marie Porto Alegre Pereira
.Márcia Elayne Berbich de Moraes
.Bloco 01
.
.3
.2010.01.67151
.A
.José Basaglia
.Marina da Silva Steinbruch
.Bloco 01
.
.4
.2010.01.67598
.A
.Maria Eliete dos Santos
.Rafaelo Abritta
.Bloco 01
.
.5
.2010.01.67720
.A
.Raimundo Nonato Bitu
.Vanda Davi Fernandes de Oliveira
.Bloco 01
.
.6
.2010.01.67759
.A
.Claudio Rodrigues
.Manoel Severino Moraes de Almeida
.Bloco 01
.
.7
.2010.01.67839
.A
.José Lourenço dos Santos
.Leonardo Kauer Zinn
.Bloco 01
.
.8
.2010.01.68465
.R
A
.Maria Aparecida dos Santos
Jair Ribeiro de Magalhães post mortem
.Rafaelo Abritta
.Bloco 01
.
.9
.2011.01.68709
.A
.Ethel Volfzon Kosminsky
.Renan Honório Quinalha
.Bloco 01
.
.10
.2006.01.53650
.R
A
.Jacyra Alves Lacerda
Wanthoyr Dias Lacerda post mortem
.Rita Maria de Miranda Sipahi
.Bloco 02
.
.11
.2008.01.62541
.A
.Josefa de Souza Luz
.Rodrigo Lentz
.Bloco 02
.
.12
.2010.01.67149
.A
.Apolonildo Senna Britto
.Manoel Severino Moraes de Almeida
.Bloco 02
.
.13
.2010.01.68087
.A
.Obemor Pascoal de Carvalho
.Rita Maria de Miranda Sipahi
.Bloco 02
.
.14
.2011.01.68525
.R
A
.Maria Tereza Rosa Martins e outro
Sebastião Rosa post mortem
.Leonardo Kauer Zinn
.Bloco 02
.
.15
.2011.01.68554
.A
.Antônio José do Espirito Santo
.Rita Maria de Miranda Sipahi
.Bloco 02
.
.16
.2011.01.68623
.A
.Tapyr Tabajara Canto da Rocha post mortem
.Leonardo Kauer Zinn
.Bloco 02
.
.17
.2011.01.68697
.A
.José Divino das Mercês
.Prudente José Silveira Mello
.Bloco 02
.
.18
.2011.01.69414
.A
.Renato de Castro Gama
.Vanda Davi Fernandes de Oliveira
.Bloco 02
.
.19
.2011.01.69711
.A
.Paulo Vasconcellos
.Manoel Severino Moraes de Almeida
.Bloco 02
.
.20
.2011.01.69894
.A
.Sonia Estela da Silva
.Márcia Elayne Berbich de Moraes
.Bloco 02
.
.21
.2011.01.70029
.A
.Jose Eduardo Pessoa de Andrade
.José Carlos Moreira da Silva Filho
.Bloco 02
.
.22
.2011.01.70029
.A
.José Eduardo Pessoa de Andrade
.José Carlos Moreira da Silva Filho
.Bloco 02
.
.23
.2011.01.70273
.R
A
.Iolanda Alves de Souza
Sebastião Felício de Souza post mortem
.Rafaelo Abritta vista Márcia Elayne Berbich de
Moraes
.Bloco 02

                            

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