DOU 12/08/2025 - Diário Oficial da União - Brasil
Documento assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2 de 24/08/2001,
que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil.
Este documento pode ser verificado no endereço eletrônico
http://www.in.gov.br/autenticidade.html, pelo código 05152025081200046
46
Nº 151, terça-feira, 12 de agosto de 2025
ISSN 1677-7042
Seção 1
298. Quanto à questão, a CNA registrou entender que as informações já teriam sido devidamente tratadas pela autoridade investigadora no Parecer de Abertura da investigação
e teriam sido reforçadas ao longo das manifestações do processo, concluindo sobre o tema "que a principal diferença entre os produtos repousa única e exclusivamente sobre a presença
ou não de água".
299. A CNA argumentou ainda que as partes interessadas teriam tentado caracterizar a separação existente entre o mercado de leite em pó e o de leite in natura, e assim
construir o argumento de insubstituibilidade entre os produtos a partir de (i) precedentes do CADE sobre mercado relevante, (ii) decisões proferidas sobre o mercado de captação de leite
in natura e o mercado de leite em pó e (iii) alegações da necessidade de utilização do leite em pó na fabricação de alimentos processados, em razão da alta perecibilidade do leite in natura
e sua baixa capacidade de armazenagem.
300. Em sua manifestação, a CNA afastou a relevância das decisões do CADE no contexto da investigação antidumping. Segundo a entidade, a definição de mercado relevante
no âmbito da defesa da concorrência possuiria objetivos, critérios e metodologias distintos daqueles aplicáveis à definição de produto similar em investigações de defesa comercial e
confundir tais conceitos poderia levar a decisões equivocadas.
301. A CNA também destacou que o próprio DECOM já teria reconhecido a similaridade entre leite em pó e leite fluido em investigações anteriores, inclusive em processos que
resultaram na aplicação de medidas antidumping.
302. Ainda segundo a CNA, o argumento de que o leite em pó seria utilizado para enfrentar períodos de escassez reforçaria, na verdade, o grau de substitutibilidade entre os
produtos, ainda que o leite em pó fosse utilizado prioritariamente pela indústria alimentícia e não pelas indústrias lácteas propriamente ditas.
303. A entidade reiterou que a importação de leite em pó a preços de dumping reduziria a pressão de captação de leite in natura pela indústria nacional, desbalancearia o
mercado interno e pressionaria negativamente os preços pagos aos produtores.
304. A CNA também registrou que a prática de importar leite em pó para reidratação e comercialização seria comum em países com produção leiteira insuficiente, como os do
Sudeste Asiático, Índia, Senegal, Ilhas Canárias e Cabo Verde. Essa prática reforçaria a tese da substitutibilidade.
305. Nesse sentido, haveria um mercado consolidado de equipamentos industriais voltados à reidratação de leite em pó, o qual, após reconstituição, "pode[ria] ser usado para
os mesmos fins que o leite cru: beber, produção de iogurte, produção de queijo etc.", como seria possível confirmar a partir do sítio eletrônico da empresa Tetra Pak
(https://www.tetrapak.com/pt-br/solutions/categories/dairy/recombined-milk). Além disso, existiriam até mesmo soluções tecnológicas específicas para a reidratação (tecnologia One Step)
que a tornam mais barata e eficaz, bem como casos de sucesso no mercado de leite reconstituído (Arábia Saudita).
306. Essa argumentação encontraria respaldo no ordenamento jurídico brasileiro em hipóteses nas quais o RIISPOA expressamente permitiria o uso de leite reconstituído para
produção de diversos derivados, como queijos, requeijão, leite fermentado, doce de leite e bebidas lácteas (artigos 354, 373 e 386 do Regulamento).
307. Além disso, segundo a manifestante, estudos da Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (EPAMIG) também destacariam o uso de leite reconstituído na fabricação
de derivados, como requeijão e queijos diversos e, embora o uso de leite reconstituído não fosse comum no Brasil em razão do custo elevado do leite em pó, essa realidade teria mudado
com a prática de dumping e a alteração na dinâmica comercial internacional.
308. A despeito de o produto objeto da investigação excluir o produto fracionado, destinado ao consumidor final, o qual seria, para a CNA, aquele acondicionado em embalagens
de até 800g, a manifestante apresentou, em corroboração ao entendimento de similaridade do produto: (i) estudo de Saboya et al., segundo o qual até 40% de leite reconstituído poderia
ser utilizado na fabricação de queijo minas frescal sem prejuízo às características do produto e (ii) artigo do especialista Wagner Beskow, que orientaria consumidores a compararem os
custos do leite UHT e do leite reconstituído, reforçando que a escolha entre as formas de apresentação do leite dependeria de fatores como praticidade, economia doméstica e infraestrutura
disponível.
309. A CNA refutou, ainda, que a diferenciação de classificação tarifária entre o leite em pó (0402) e o leite fluido (0401) seria indicativo de não similaridade dos produtos ou
que refletiria uma separação comercial relevante.
310. Segundo a manifestante, a classificação tarifária não estaria entre os critérios objetivos elencados no § 1º do art. 9º do Decreto nº 8.058, de 2013, para definição de produto
similar e as partes interessadas não teriam demonstrado de que forma a diferença de classificação tarifária indicaria ausência de similaridade. Além disso, a prática da autoridade
investigadora brasileira, segundo a CNA, seria considerar o código NCM apenas como elemento auxiliar na identificação do produto investigado.
311. Para a CNA o leite in natura não poderia ser comercializado diretamente ao consumidor nem exportado por razões de perecibilidade e segurança alimentar, sendo necessário
seu processamento industrial, o que, naturalmente, implicaria distintas classificações tarifárias entre os produtos.
312. Além disso, segundo a entidade, a origem das tarifas de importação estaria vinculada ao GATT e à criação da OMC em 1995, desde quando transformações significativas
teriam ocorrido no comércio global de commodities agrícolas, exigindo ajustes tarifários para proteger as indústrias nacionais.
313. Nesse sentido, a cadeia de valor do leite seria considerada uma das mais sensíveis em todo o mundo. Países como Canadá, Suíça e Japão aplicariam tarifas de importação
sobre lácteos que poderiam chegar a 249%, 165% e 91%, respectivamente, enquanto o Brasil e os demais Estados Partes do Mercosul aplicariam a Tarifa Externa Comum (TEC) de 28% para
o leite em pó originário de fora do bloco.
314. A CNA explicou, ainda, que originalmente a TEC para leite em pó variava entre 14% e 16% e diante do aumento das importações de produtos lácteos subsidiados, em 2007
o Brasil teria incluído 11 produtos lácteos (0402.10.10, 0402.10.90, 0402.21.10, 0402.21.20, 0402.29.10, 0402.29.20, 0402.99.00, 0404.10.00, 0406.10.10, 0406.90.10 e 0406.90.20) na Lista
de Exceções à TEC (LETEC), elevando temporariamente a alíquota para 28%. Essa medida teria sido posteriormente adotada por todos os Estados Partes do Mercosul, conforme decisão do
Conselho de Mercado Comum em julho de 2015, o que refletiria não apenas a natureza física dos produtos, mas também a conjuntura comercial e os impactos potenciais sobre a indústria
doméstica.
315. Ademais, a CNA abordou a redução temporária das alíquotas de importação de diversos produtos como medida emergencial de contenção da inflação, objeto das resoluções
GECEX mº 269/2021 e 353/2022. Segundo a manifestante, o produto objeto da investigação não fora contemplado por tais reduções, o que reforçaria sua sensibilidade para a balança
comercial brasileira.
316. Continuando na manifestação, a CNA observou que governo do Uruguai teria apresentado argumento segundo o qual as regras de origem aplicadas aos produtos no âmbito
do Mercosul evidenciariam uma distinção substancial entre o leite em pó e o leite fluido: para ser considerado originário do Mercosul, o leite em pó deveria ser produzido a partir de leite
cru 100% obtido dentro do bloco, enquanto o leite fluido poderia ser considerado originário mesmo que apenas 40% de seu conteúdo tivesse sido produzido em um dos Estados Partes,
conforme o critério de salto de partida de maior valor.
317. Além de reiterar posição do DECOM no Parecer de Início, qual seja, que seria natural tratamento tarifário e regime de origem distintos entre o leite em pó e o leite in natura
devido este último ser altamente perecível e tal característica impedir a comercialização internacional, a CNA destacou que as regras de origem, assim como as classificações tarifárias, não
estariam entre os critérios objetivos previstos no § 1º do art. 9º do Decreto nº 8.058,de 2013, para definição de produto similar e que as partes interessadas não teriam demonstrado de
que forma as regras de origem poderiam indicar ausência de similaridade.
318. Segundo a CNA, as regras de origem seriam instrumentos previstos em acordos comerciais para garantir a legitimidade do comércio preferencial entre os países signatários,
prevenindo práticas como a triangulação (importação de produtos extrabloco por um país membro, com posterior reexportação a outro país do mesmo bloco, em burla às preferências
tarifárias).
319. Nesse sentido, a exigência de que o leite em pó seja produzido a partir de leite cru 100% originário do Mercosul teria sido estabelecida para proteger a indústria leiteira
dos Estados Partes contra práticas desleais e a adoção de regras de origem mais rigorosas para o leite em pó não indicaria ausência de similaridade com o leite fluido, mas sim a sensibilidade
do setor lácteo e a necessidade de garantir a competitividade da produção nacional de leite in natura frente a substitutos importados.
320. Dessa maneira, conforme manifestação da entidade, a existência de regras de origem diferenciadas refletiria preocupações comerciais e sanitárias legítimas, mas não
comprometeria a análise de similaridade entre os produtos para fins de defesa comercial.
321. Já no que tange à distinção dos canais de distribuição entre o leite em pó e o leite in natura impedir a caracterização de similaridade entre os produtos, a CNA reiterou
pontos do DECOM no Parecer de Início segundo os quais (i) a utilização de modais distintos não impactaria nos usos e aplicações dos consumidores, (ii) a fabricação de chocolates, sorvetes,
biscoitos e outros produtos derivados faria parte do mercado de leite e (iii) careceria de elementos comprobatórios a declaração de que o produto similar destinar-se-ia unicamente a usinas
lácteas enquanto o produto importado da Argentina destinar-se-ia à indústria láctea, a usuários de produtos lácteos para seu processamento ou a revendedores (fracionadores).
322. Além de tal reiteração, a CNA manifestou que, ao contrário do alegado por outras partes interessadas, o transporte de leite in natura seria realizado em tanques isotérmicos,
não refrigerados, em distâncias que muitas vezes superariam 200km.
323. A CNA prosseguiu apontando que as manifestações do governo do Uruguai e do governo da Argentina, bem como do Grupo Adeco e do Grupo Conaprole teriam comentado
sobre a distinção dos fatores atinentes à precificação do leite em pó e do leite in natura, constando da manifestação do Grupo Conaprole estudo sobre os fatores de oscilação dos preços
do leite e seus derivados no qual se concluiria pela fraca relação entre o preço do leite em pó e o preço pago ao produtor de leite.
324. A CNA contrapôs esses argumentos com análise estatística própria (regressão linear simples) a qual demonstraria haver forte correlação entre o preço do leite em pó integral
de uso industrial (variável independente) e o preço do leite in natura pago ao produtor (variável dependente). O resultado da regressão teria identificado uma correlação de 92,27% entre
as duas variáveis durante o período de análise de dano e que aproximadamente 85% da variação no preço do leite ao produtor seria explicada pelo preço do leite em pó integral de uso
industrial. Conforme apresentados no Anexo 13 da manifestação, o resumo dos resultados e os gráficos da regressão encontram-se abaixo representados:
Resumo dos Resultados da Regressão Linear Simples
Leite ao Produtor (R$/L) x Preço do Leite em Pó Integral (R$/kg)
.
.Coeficientes
.Erro padrão
.Stat t
.valor-P
.95% inferiores
.95% superiores
.Inferior 95,0%
Superior 95,0%
.Interseção
.8,617583535
.1,23469859
.6,979504
.4,75E-08
.6,108374105
.11,12679296
.6,108374105
11,12679296
.Variável X 1
.6,574144276
.0,470916947
.13,96031
.1,22E-15
.5,617125895
.7,531162656
.5,617125895
7,531162656
Análise
O R-Quadrado de 0,85 significa que aproximadamente 85% da variação da variável dependente (Preço do Leite ao Produtor) é explicada pelo modelo (Preço do Leite em Pó Integral)
O R-quadrado ajustado de 0,847 considera o número de variáveis no modelo. Como está próximo do R², indica um bom ajuste.
A Variável X1 - coeficiente da regressão de 6,5741 - indica que o aumento em uma unidade do Preço do Leite em Pó Integral resulta no aumento da variável dependente em 6,5741
unidades.
O p-valor de X1 de 1,22E-15 demonstra que o impacto de X e Y apresenta uma significância estatística extremamente alta (menor que 0,05).
Fonte: Anexo 13 da Manifestação CNA de 11 de março de 2025, com referência a MilkPoint Mercado
Regressão Linear Simples e Gráfico de Dispersão
Leite ao Produtor (R$/L) x Preço do Leite em Pó Integral (R$/kg)
[ R ES T R I T O ]
[imagem RESTRITA suprimida]
Fonte: Manifestação CNA de 11 de março de 2025, com referência a MilkPoint Mercado
325. A CNA destacou ainda que, embora os produtos sejam precificados em
unidades distintas (litros para o leite fluido e quilogramas para o leite em pó), tal
diferença refletiria apenas a presença ou ausência de água.
326. Segundo a CNA, a diferença de preços seria compatível com os fatores
de conversão estabelecidos pela Embrapa Gado de Leite: 1 kg de leite em pó
desnatado geraria 11 litros de leite fluido e 1 kg de leite em pó integral geraria 8,2
litros, tendo sido utilizada como fator de correção a média ponderada entre essas
proporções, qual seja, 9,6 litros/kg.
327. A entidade ponderou ainda que com base nos preços médios entre
janeiro de 2021 e dezembro de 2023, o preço do leite em pó integral de uso industrial
representaria 9,93 vezes o preço do leite ao produtor, valor bastante próximo ao fator
de correção da Embrapa, conforme demonstraria memória de cálculo (Anexo 14 da
manifestação).
328. Dessa forma, a CNA reforçou seu entendimento de que a correlação de
preços entre
os produtos
seria mais
uma evidência
da similaridade
e da
substitutibilidade entre o leite em pó e o leite in natura, requerendo que fosse
formalmente mantida a determinação de similaridade entre tais produtos para fins da
investigação em curso.
329. Na manifestação conjunta apresentada em 26 de março de 2025, as
empresas Mastellone, Glória, Noal e Leitesol reiteraram a argumentação de que não
existiria similaridade entre o leite em pó e o leite in natura.
330. Em manifestação apresentada em 17 de abril de 2025, o Grupo Adeco
retomou argumentação segundo a qual o Acordo Antidumping, no Artigo 2.6 e o art.
9º do Decreto nº 8.058, de 2013, estabeleceriam uma metodologia para definição de
qual será o produto correspondente e adequadamente comparável ao produto objeto
da investigação:
2.6 Throughout this Agreement the term "like product" ("produit similaire")
shall be interpreted to mean a product which is identical, i.e. alike in all respects to
the product under consideration, or in the absence of such a product, another product
which, although not alike in all respects, has characteristics closely resembling those of
the product under consideration. (grifos da manifestante)
Fechar