DOU 12/08/2025 - Diário Oficial da União - Brasil

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Nº 151, terça-feira, 12 de agosto de 2025
ISSN 1677-7042
Seção 1
401. A esse respeito, a própria CNA confirma que a produção nacional de
leite em pó não teria sido refutada pela peticionária. Contudo, contestou a leitura das
demais partes interessadas no sentido de que haveria obrigatoriedade de o produto
similar ser produto idêntico ao investigado, uma vez que, em seu entendimento, o
termo "ausência" no Artigo 2.6 do ADA não exigiria "inexistência" do produto idêntico,
mas tão somente sua não disponibilidade para fins de comparação.
402. Não obstante, a tese propugnada pela CNA não prospera. Dissecando
o comando regulamentar, denota-se que o texto do Artigo 2.6 do Acordo Antidumping
não trata de ausência de dados, por quaisquer motivos, mas de ausência de produção
doméstica de produto idêntico.
403. Também importa trazer à baila, nesse contexto, transcrições do texto
em espanhol e francês do Artigo 2.6 do ADA.
2.6 En todo el presente Acuerdo se entenderá que la expresión "producto
similar" ("like product") significa un producto que sea idéntico, es decir, igual en todos
los aspectos al producto de que se trate, o, cuando no exista ese producto, otro
producto que, aunque no sea igual en todos los aspectos, tenga características muy
parecidas a las del producto considerado.
2.6 Dans le présent accord, l'expression "produit similaire" ("like product")
s'entendra d'un produit identique, c'est-à-dire semblable à tous égards au produit
considéré, ou, en l'absence d'un tel produit, d'un autre produit qui, bien qu'il ne lui
soit pas semblable à tous égards, présente des caractéristiques ressemblant
étroitement à celles du produit considéré.
404. Para além do próprio texto em inglês do dispositivo, sua versão em
espanhol parece evidenciar de modo ainda mais patente que a expressão "in the
abscence" traduz-se em inexistência de produto idêntico, e não apenas de ausência de
informações a seu respeito nos autos da investigação.
405. Segundo a CNA, "a prática internacional e a jurisprudência do DECOM"
mostrariam que produtos com características próximas seriam comumente aceitos
como similares. De fato. Porém, na presente investigação, há setor produtivo nacional
que fabrica produto que possui características que se amoldam exatamente à definição
do produto objeto da investigação, o que lhe confere, nos termos do Artigo 2.6 do
Acordo Antidumping, precedência, para fins de definição do produto similar doméstico,
em relação
a outro produto não
idêntico, mas que
apresente características
semelhantes àquele.
406. Diferentemente do
advogado pela CNA, tal
entendimento não
equivaleria a uma "obrigação de sempre e em qualquer situação se incluir somente o
produto idêntico na definição do produto similar", mas de privilegiar o uso de
informações referentes a produto que teria, sob os critérios do § 1º do art. 9º do
Decreto nº 8.058, de 2013, maior correspondência ao produto investigado.
407. No que toca aos argumentos relacionados à necessidade de realização
de ajustes, refuta-se a proposição de que se transformaria em letra morta o Artigo 2.4
do Acordo Antidumping, que dispõe que a "fair comparison shall be made between the
export price and the normal value", tratando o referido artigo de comparações entre
o produto similar no mercado interno do país investigado e o produto objeto da
investigação.
408. Isso porque o artigo em questão se aplica tanto às situações em que
o produto similar doméstico corresponde a um produto idêntico ao produto objeto da
investigação quanto aos casos em que, dada a inexistência de produto idêntico, se
recorre a produto não idêntico, mas com características semelhantes. Essa análise deve
ser realizada à luz das circunstâncias particulares de cada caso ("on its merits"), a fim
de que se possa concluir quais ajustes são cabíveis e quais não são. Ademais, o
dispositivo demanda ajustes não apenas relacionados às características físicas ou
químicas do produto, mas igualmente a aspectos mercadológicos e tributários.
Destarte, não há que se falar em "letra morta".
409. De outra parte, ressalte-se que, conforme apontado pela AFB, a
determinação exarada pelo Artigo 2.6 do ADA seria que o primeiro passo da investigação
equivaleria à verificação da existência de produto idêntico (ao leite em pó). Em havendo
provas irrefutáveis nos autos da existência de produção nacional de leite em pó, este seria
produto que deveria ser considerado similar doméstico. A existência de produto similar
idêntico impediria, por si só, a prospecção de produto distinto, ainda que semelhante, e
qualquer interpretação em sentido contrário violaria o princípio da efetividade, tornando inútil
a expressão "na sua ausência" constante do art. 9º do Decreto nº 8.058, de 2013, e do ADA.
2.4. Da conclusão a respeito do produto e da similaridade
410. Como resultado da presente investigação, a imposição de eventual
medida antidumping basear-se-ia em determinação de dano causado a produtores que
não os produtores de leite em pó, produto prima facie idêntico ao produto objeto da
investigação, ou seja, a setor da indústria doméstica diferente do relevante, que,
devidamente definido, seria equivalente aos produtores domésticos de leite em pó.
411. Importa esclarecer que a evolução de entendimento ora encampada
por este Departamento não se reveste de arbitrariedade, tampouco de ruptura
injustificada com a linha interpretativa anteriormente adotada. Trata-se, ao revés, de
legítima evolução institucional, fruto da incorporação aos autos de elementos jurídicos
que não haviam sido objeto de apreciação nas deliberações pretéritas.
412. Dentre tais elementos, destaca-se, com especial relevo, decisão proferida
pelo Órgão de Solução de Controvérsias da Organização Mundial do Comércio no caso EC
Salmon (Norway), até então não suscitada, cuja leitura contribuiu de modo relevante para a
reconfiguração do juízo técnico acerca da definição do produto similar no presente caso.
413. A modificação de posicionamento, pois, emerge como consequência
natural do dever de constante aperfeiçoamento hermenêutico por parte desta
autoridade investigadora.
414. Assim, conclui-se, para fins de determinação preliminar, que o produto
similar doméstico ao investigado é o leite em pó produzido no Brasil, e não o leite in
natura nacional.
3. DA INDÚSTRIA DOMÉSTICA
415. O art. 34 do Decreto nº 8.058, de 2013, define indústria doméstica
como a totalidade dos produtores do produto similar doméstico. Nos casos em que
não for possível reunir a totalidade destes produtores, o termo "indústria doméstica"
será definido como o conjunto de produtores cuja produção conjunta constitua
proporção significativa da produção nacional total do produto similar doméstico.
416. Conforme destacado no item 1.2.4 deste documento, nos termos do
Decreto nº 53.516, de 31 de janeiro de 1964, o setor produtivo de leite in natura está
representado pela CNA, entidade sindical de grau superior, constituída pela categoria
econômica dos ramos da agricultura, da pecuária, do extrativismo rural, pesqueiras e
florestais, independentemente da área explorada, incluindo ainda a agroindústria no
que se refere às atividades primárias, em todo o território nacional.
417. A CNA é responsável pela Comissão Nacional de Pecuária de Leite -
CNPL, órgão dedicado a estudos setoriais ou regionais de interesse da categoria
econômica. A CNPL, por sua vez, é composta por outras entidades de representação
dos produtores brasileiros de leite, tais como Organização das Cooperativas do Brasil
- OCB, a Confederação Brasileira de Cooperativas de Laticínios - CBCL e Associação
Brasileira dos Produtores de Leite - Abraleite.
418. Isto posto, considerou-se, para fins de início da investigação, que a
CNA, como representante de 100% da produção nacional de leite in natura, possuiria
legitimidade de apresentar petição em nome da indústria doméstica.
419. Portanto, naquela ocasião se definiu como indústria doméstica, para
fins de análise dos indícios de dano, a totalidade da produção nacional de leite in
natura.
420. Não obstante, nos termos da análise esposada no item 2.3.3, para fins
de determinação
preliminar, em revisita às
decisões do Órgão de
Solução de
Controvérsias da OMC e em atenção à dialética desenvolvida até o presente momento
processual, acatou-se, para fins de determinação preliminar, a argumentação no
sentido de que o produto similar doméstico no presente caso constitui-se, na verdade,
no leite em pó produzido no Brasil, e não no leite in natura nacional, porquanto, em
guardando aquele
identidade em
relação à definição
do produto
objeto da
investigação, se lhe atribui antelação para esse fim, à luz do Artigo 2.6 do Acordo
Antidumping.
421. Por conseguinte, é imperioso igualmente reformular a definição de
indústria doméstica, a qual passa a ser conceituada como a totalidade dos produtores
nacionais de leite em pó ou, ante eventual impossibilidade de reuni-los em sua
inteireza, como o conjunto de produtores cuja produção conjunta constitua proporção
significativa da produção nacional total de leite em pó.
3.1. Do caráter fragmentário da indústria doméstica
422. Conforme apresentado no item 1.2.1 deste documento, a peticionária
solicitou ao DECOM a habilitação da produção nacional de leite in natura como
indústria fragmentada com vista à apresentação de petição de investigação de
dumping. Os
dados analisados
no processo de
habilitação indicaram
haver a
pulverização da produção nacional de leite in natura, tanto considerando o número de
produtores nacionais, quanto considerando o porte dos produtores, o volume da
produção nacional e o volume de vendas no mercado brasileiro.
423. Dessa forma, o DECOM concluiu que a produção nacional de leite in
natura apresentou características de indústria fragmentada no período de janeiro a
dezembro de 2023, deferindo a habilitação da produção nacional de leite in natura
como indústria fragmentada para fins de defesa comercial. Em decorrência dessa
habilitação, e atendendo a pedido da CNA, decidiu-se por estender o prazo para
apresentação da petição até o dia 31 de outubro de 2024.
424. A natureza fragmentária da produção de leite in natura se reflete na
disponibilidade de dados para fins da análise dos indícios de dano, os quais são
basicamente originários de fontes secundárias. Na petição de início, foram
apresentados dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), da
Embrapa Gado de Leite e do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada -
Cepea Esalq/USP ("Cepea").
425. Portanto, a maior parte dos dados analisados para fins de
caracterização do dano, quando do início da investigação, referiam-se à totalidade da
produção de leite in natura no Brasil. Não foi possível contar, para fins de início da
investigação, com nenhum dado individualizado de produtor brasileiro.
426. Desse modo, a peticionária se utilizou do procedimento de habilitação
como indústria fragmentada regulamentado pela Portaria SECEX nº 162, de 06 de
janeiro de 2022.
3.2. 
Das
manifestações 
acerca
da 
representatividade
da 
indústria
doméstica
427.
Em
17 de
janeiro
de
2025,
o Grupo
Conaprole
apresentou
manifestação pela qual propugnou a ausência de indústria fragmentada bem como de
representatividade da indústria doméstica na investigação, considerando que a CNA
não representaria a indústria doméstica do produto similar (leite em pó).
428. O Grupo Conaprole argumentou
que, diante da ausência de
similaridade entre leite em pó e leite in natura, a definição da indústria doméstica
deveria se restringir aos produtores de leite em pó, os quais não configuram uma
indústria fragmentada, sendo representados por um número limitado de empresas
processadoras
como
Piracanjuba,
Italac
e Nestlé.
Assim,
não
se
justificaria a
flexibilização dos critérios de representatividade previstos na legislação antidumping,
tampouco o uso de dados agregados de produtores de leite in natura.
429. O grupo ressaltou ainda que a CNA representaria majoritariamente
produtores de leite in natura e não os processadores de leite em pó, cuja exclusão da
análise comprometeria a legitimidade da petição inicial, em violação aos Artigos 4.1 e
5.4 do Acordo Antidumping da OMC, destacando, em apoio à essa interpretação, a
interpretação do OSC da OMC nos contenciosos (i) Argentina - Poultry Anti-Dumping
Duties ("... não pode ser iniciada uma investigação que não tenha o apoio necessário
da indústria nacional do produto similar") e (ii) EC - Salmon (Norway) ("uma definição
equivocada da indústria doméstica compromete a legitimidade de uma investigação
antidumping"):
Regarding the ordinary meaning of the phrase major proportion, Brazil
asserts that the term major proportion is synonymous with major part, which in turn
is defined as the majority. Brazil submits that the majority is understood to mean the
greater number or part. Brazil submits that 46 per cent of total domestic production
cannot be considered as the greater part of 100 per cent of total domestic production.
The European Communities and the United States assert that the word major does not
necessarily mean majority, but may also mean unusually important, serious, or
significant.
(Manifestação
do Grupo
Conaprole em
17
de janeiro
de 2025,
com
referência
a
Argentina 
Definitive
Anti-Dumping
Duties
on
Poultry
from
Brazil
("Argentina - Poultry Anti-Dumping Duties"), WT/DS241/R, parágrafo 7.340.)
7.115 There is no dispute that filleted salmon is within the scope of the like
product identified by the EC in this case. Thus, based on our interpretation of the plain
language of Article 4.1, we consider that any enterprise that produced any form of the
like product should be considered, at least in the first instance, a producer of the like
product, and as such, part of the domestic industry.
7.116 It is clear that the investigating authority never considered EC
producers of salmon fillets who did not also farm salmon fish to be part of the
domestic industry. This is apparent from the fact that the volume of production cited
by the EC as total domestic production, 22,000 tonnes, is, as we understand it, the
EC's estimate of the volume of salmon fish farmed by EC salmon growers. It certainly
does not include the volume of salmon fillets produced by enterprises that produced
salmon fillets from purchased salmon fish. In our view, this wholesale exclusion of an
entire category of producers from the domestic industry is not compatible with the
definition of domestic industry as set out in Article 4.1.
(Manifestação
do Grupo
Conaprole em
17
de janeiro
de 2025,
com
referência a European Communities Anti-Dumping Measure on Farmed Salmon from
Norway ("EC - Salmon (Norway)"), WT/DS337/R, paras. 7.107-7.124.)
430. Pelo exposto, o Grupo
Conaprole defendeu que a entidade
representativa legítima da indústria de leite em pó no Brasil seria a associação Viva
Lácteos, que reuniria os principais fabricantes do setor e responderia por cerca de 70%
da produção nacional de leite e derivados, solicitando que o DECOM desconsiderasse
a CNA como representante da indústria doméstica e, se necessário, oficiasse a Viva
Lácteos para obtenção de dados representativos, sob pena de distorção dos indicadores
de dano e comprometimento da validade da investigação.
431. Em 10 de fevereiro de 2025, o Grupo Adeco apresentou manifestação
na qual registrou que o tema da indústria doméstica fragmentada teria sido analisado
pelo Órgão de Apelação no contencioso EC Fasteners (China), travado perante o Órgão
de Solução de Controvérsias da OMC. Na ocasião, teria sido ressaltada a importância
da definição da indústria doméstica e a obrigação da autoridade investigadora em
assegurar que os dados da indústria doméstica não gerassem distorções na análise de
dano material, haja vista que a definição da indústria doméstica definiria o escopo das
empresas que a constituem. Tratar-se-ia de uma obrigação que deveria caminhar lado
a lado com a faculdade de adoção de indústria fragmentada, devendo ser atendida
plenamente:

                            

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