DOE 22/11/2019 - Diário Oficial do Estado do Ceará
o HB20 provocou algum acidente envolvendo outros veículos, respondeu
que não tem conhecimento;(…)”; CONSIDERANDO que na mesma linha
de raciocínio, não há nos autos prova atestando que a condutora do veículo
realizou a manobra proibida (passar pela ciclofaixa, “avançar” sinal vermelho
e convergir a esquerda onde é proibido) no intuito de se esquivar da abordagem
da polícia; CONSIDERANDO que o que se extrai dos testemunhos dos
policiais (SD PM Douglas Costa Brandão - fls. 89/94 e SD PM Geovany
Demetrius Saboia Marques - fls. 98/102), bem como do termo de qualificação
e interrogatório do acusado, é que a composição fez um juízo de valor preci-
pitado da situação, tomando por suspeita a condutora do veículo, em razão
da manobra de trânsito executada pela vítima, e reagindo de forma exagerada
ao efetuar 02 (dois) disparos, um para o alto e outro na direção do carro, que
veio a culminar com a morte da Sra. Giselle; CONSIDERANDO que obser-
va-se, ainda, que é incontroverso o fato que o SD DEMETRIUS efetuou um
disparo, contudo, o fez para o alto, na intenção de causar temor no condutor
do veículo para que este cessasse a “fuga” e, logo após, o acusado efetuou
um disparo com a carabina CT .40 em direção ao carro, inicialmente, com
intuito de acertar o pneu; CONSIDERANDO contudo que com base na
dinâmica dos fatos apresentada pelas testemunhas, fica claro que o primeiro
disparo não atingiu o veículo, sendo, então, o segundo disparo, efetuado pelo
SD RAFAEL, o responsável por atingir a Sra. Giselle, conforme se extrai do
testemunho da Sra. Daniella Távora de Deus, filha da vítima (fls.82/87), que
estava dentro do carro alvejado no momento dos fatos: “QUE a declarante
só notou a presença de motos já na Rua Chico Lemos; (…) QUE a declarante
esclarece que o primeiro disparo foi ao lado da concessionária DAFONTE;
QUE após esse disparo, a mãe da declarante entrou à direita na Avenida
Oliveira Paiva e parou o veículo no recuo em frente a COPEM – Coordena-
doria de Perícia Médica; QUE a mãe da declarante parou o veículo em posição
perpendicular à Avenida Oliveira Paiva, como se fosse estacionar; QUE o
intuito da mãe da declarante era livrar a via, saindo do meio da perseguição;
QUE após a mãe da declarante parar o veículo, teve o segundo disparo; QUE
esse segundo disparo atingiu a mãe da declarante; QUE o tiro passou pelo
vidro traseiro do veículo, passando de raspão pela declarante e entrando pelo
banco; QUE a declarante recorda que quando ouviu o primeiro disparo havia
se abaixado; QUE nesse segundo disparo a declarante conferiu que não havia
sido atingida e logo em seguida ouviu sua mãe dizendo ‘eu levei um tiro, eu
levei um tiro, eu vou morrer’.”; CONSIDERANDO que na sequência da
instrução processual, passou-se à oitiva da testemunha Daniel David Dos
Santos Silva - testemunha do povo (fls. 181/182), arrolada pela Defesa: “(…)
Que no dia dos fatos estava fechando o portão e viu o movimento na rua;
Que esse movimento consistia em um carro branco em alta velocidade, e os
policiais perseguindo esse veículo; Que chamou a atenção do depoente o fato
de a sirene e o intermitente ligados; Perguntado se as duas motos estavam
com sirene e intermitente ligados, respondeu que viu a iluminação das duas
motos, mas com relação ao sinal sonoro não sabe informar se uma ou as duas
motos estavam com a sirene ligadas; Que foi muito rápido; (…) Que dada a
palavra ao defensor legal, este perguntou se o depoente ouviu se a composição
gritava alguma coisa com o condutor do veículo, respondeu que não, escla-
recendo que ouviu a sirene, viu o intermitente e a perseguição, mas tudo foi
muito rápido e se preocupou em fechar seu portão e sair rapidamente devido
ao risco na região;(…)”; CONSIDERANDO que em que pese as declarações
da supramencionada testemunha relatar a passagem de um carro branco em
alta velocidade e com policiais perseguindo o mesmo, inclusive com sirene
e intermitente ligados, não comprova que, sendo o HB20 da ocorrência em
questão, a condutora do veículo estivesse, de fato, evadindo-se de qualquer
abordagem policial, posto que a mesma poderia, assim como indicou sua
filha, não haver percebido a presença dos policiais em sua perseguição;
CONSIDERANDO outro ponto importante do procedimento em questão,
trata-se das imagens do vídeo “WhatsApp video 2018-07-09 at 12.50.32”
acostado nos autos (fls. 56), em que se visualiza um veículo branco no cruza-
mento da Av. Desembargador Gonzaga com Rua Margarida de Queiros, onde
a condutora do veículo entra na região da ciclofaixa, passando um sinal que
estaria possivelmente vermelho (em razão de haver outros carros parados no
sinal), onde fez uma conversão à esquerda, proibida à época dos fatos, no
momento em que um pedestre fazia a travessia pelo canteiro central, e, logo
em seguida, passam duas motocicletas em sua perseguição; CONSIDERANDO
que já no outro vídeo o “WhatsApp video 2018-07-09 at 12.50.32 (1)”,
também acostado as fls. 56, observa-se um carro branco passando na rua e,
logo em seguida, duas motos passando em sua perseguição. Contudo, em que
pese os policiais terem reconhecido o carro das imagens como sendo o HB20
da ocorrência, bem como as motos das imagens como sendo as que patru-
lhavam no dia dos fatos, não há como atestar que a condutora executou a
manobra proibida no intuito de evadir-se da abordagem policial, nem a velo-
cidade que empreendia no segundo vídeo. A testemunha Sra. Daniella, filha
da vítima que estava dentro do veículo alvejado, não tem convicção que o
carro das imagens seja o HB20 da família, também não tem certeza da manobra
supostamente executada por sua mãe, pois encontrava-se distraída dentro do
carro; CONSIDERANDO que em que pese tratar de um poder discricionário
do policial a abordagem de qualquer veículo que levante suspeita, caracte-
rística eivada de um alto grau de subjetividade que sofre grande variação das
circunstâncias fáticas, a reação da composição em tais abordagens não detém
igual discricionariedade, posto que existem inúmeras normas que regulam a
atuação policial frente a tais circunstâncias. Isso posto, não há que se discutir
se a situação levantou ou não as suspeitas dos policiais frente ao veículo em
questão, o que se questiona, apenas, é a exagerada reação frente a possível
fuga do veículo. Temos, em especial, a lei nº 13.060/2014 que disciplina o
uso dos instrumentos de menor potencial ofensivo pelos agentes de segurança
pública em todo o território nacional, devendo ser entendida e aplicada não
como um instrumento de autorização e sim de restrição ao uso indiscriminado
de armamento letal em perseguições. O art. 2º do referido diploma legal
afirma que: Art. 2º. Os órgãos de segurança pública deverão priorizar a utili-
zação dos instrumentos de menor potencial ofensivo, desde que o seu uso
não coloque em risco a integridade física ou psíquica dos policiais, e deverão
obedecer aos seguintes princípios. Parágrafo único. Não é legítimo o uso de
arma de fogo: II - contra veículo que desrespeite bloqueio policial em via
pública, exceto quando o ato represente risco de morte ou lesão aos agentes
de segurança pública ou a terceiros; CONSIDERANDO que no caso em
comento, não vislumbramos a existência de risco de morte ou lesão aos
agentes de segurança pública ou mesmo a terceiros por parte da condutora
do HB20 sedan, inexistindo argumentos nesse sentido para justificar o disparo
que vitimou a senhora Giselle; CONSIDERANDO que calha ressaltar que,
de acordo com o Laudo Pericial nº 177222/2018 – PEFOCE, não foi possível
realizar o exame de microcomparação balística em razão de não haver projétil
de arma de fogo no corpo da vítima, bem como o mesmo não haver sido
encontrado dentro do veículo alvejado. Desta forma, qualquer arma subme-
tida a perícia não atingiria o resultado almejado haja vista não haver projétil
para fazer a comparação. CONSIDERANDO que com base no Laudo nº
177237/2018 – PEFOCE, onde o perito afirma que “o atirador não produziu
o chamado “tito cowboy”, pelo contrário, ao que se depreende, utilizou para
a realização do disparo, um perfeito equilíbrio entre o seu corpo e a arma,
utilizando-se de técnica de sustentação e apoio”, este retira qualquer possi-
bilidade do tiro que atingiu o carro ter partido do SD DEMETRIUS, pois este
efetuou o disparo pilotando uma moto durante uma perseguição. Desta forma,
estando o SD RAFAEL desembarcado, abrigado, com uma carabina CT .40
e em posição de disparo, este se encaixa perfeitamente na condição do agente
responsável pelo disparo que alvejou o veículo e a Sra. Giselle; CONSIDE-
RANDO que, da narrativa dos depoimentos das testemunhas e do termo de
qualificação e interrogatório do próprio acusado, a dinâmica dos fatos se
encaixam perfeitamente na condição acima descrita. Assim, temos que o
segundo disparo, que atingiu o veículo e sua condutora, ocorreu quando o
veículo acelerou e iniciou conversão para a direita na Av. Oliveira Paiva,
nesse momento, o SD RAFAEL se encontrava posicionado no lado esquerdo
da Rua Chico Lemos, na calçada de uma Concessionária de Veículos, onde
efetuou o disparo. O SD DEMETRIUS estava posicionado do lado direito
da via, caso ele tivesse efetuado o disparo teria atingido o veículo em local
diverso do que foi na realidade; CONSIDERANDO que diante da dinâmica
dos fatos, corroborada pelos depoimentos das testemunhas, pelo termo de
qualificação e interrogatório e pelos laudos periciais, não há como atribuir a
autoria do tiro fatal que vitimou a Sra. Giselle Távora de Araújo a outro
policial que não ao SD FRANCISCO RAFAEL SOARES SALES; CONSI-
DERANDO que diante do conjunto probatório acostado nos autos, pode-se
concluir, com clareza, como os fatos se desencadearam, desde o início da
tentativa de abordagem ao veículo HB20 até a conclusão da Comissão Proces-
sante frente aos elementos que levaram ao posicionamento de que o aconse-
lhado não reúne mais condições para permanecer nas fileiras da PMCE,
respeitando-se os princípios da ampla defesa e do contraditório. Em resumo,
levando-se em consideração os relatos testemunhais e os laudos periciais, os
fatos ocorreram da seguinte forma: 1. No dia 11/06/2018, por volta das
20h00min, a composição composta pelos SD BRANDÃO, SD RAFAEL e
SD DEMETRIUS, trafegava na Av. Desembargador Gonzaga, em desloca-
mento a uma ocorrência de apoio; 2. Ainda na Av. Desembargador Gonzaga,
um veículo HB20 branco realizou uma mudança brusca de faixa, levantando
a suspeita da composição; 3. Ao tentar efetuar o primeiro contato para a
abordagem, no sinal da Av. Desembargador Gonzaga com Rua Margarida
de Queiroz, o veículo, alheio a tal abordagem, transitou pela ciclofaixa, no
intuito de ultrapassar os carros que estavam parados, provavelmente por conta
do sinal vermelho, e em seguida, o HB20 da vítima fez uma conversão proi-
bida à esquerda; 4. Nesse momento, devido a execução dessa manobra proi-
bida pelo veículo em questão, os policiais iniciaram uma perseguição; 5. A
condutora do HB20 continuou o seu percurso sem notar a presença dos poli-
ciais lhe seguindo; 6. Ao chegar nas proximidades do sinal da Rua Chico
Lemos com a Av. Oliveira Paiva, o SD DEMETRIUS realizou um disparo
para o alto; 7. Nesse momento, a Sra. Daniella, filha da vítima, notou a
presença das motos e avisou a sua mãe, condutora do veículo, que achava
que ocorria no momento uma perseguição da moto da polícia à outra moto,
que julgou ser de bandidos; 8. A Sra. Giselle, ainda sem saber que se tratava
de uma perseguição ao seu veículo, decidiu passar o sinal para abrir caminho
à polícia; 9. Ocasião em que o SD RAFAEL decidiu efetuar um disparo em
direção ao veículo, que veio a alvejar a Sra. Giselle. 10. Após o ocorrido, a
composição fez o devido socorro à vítima que, contudo, veio a óbito na manhã
do dia seguinte; CONSIDERANDO que em sede de alegações finais (fls.
274/285), o acusado apresentou sua tese de defesa primando pelo reconhe-
cimento da excludente de ilicitude do estrito cumprimento do dever legal,
posto que não poderia se esperar do acusado outra conduta se não a de fazer
cessar o perigo que o veículo estava causando a terceiros. Contudo, como já
explanado acima, não há nos autos qualquer prova material de que o veículo
e sua condutora estivesse, de fato, trazendo perigo a terceiros, a ponto de
justificar a atitude de disparar arma de fogo; CONSIDERANDO que em sede
de alegações finais complementares (fls. 353/370), a defesa mudou seu posi-
cionamento, alegando, agora, que o disparo que atingiu o veículo e a Sra.
Giselle partiu do SD DEMETRIUS. Contudo, como já exposto acima, não
há como imputar o primeiro disparo (disparo feito pelo SD DEMETRIUS)
como o que atingiu a vítima. Ainda nas mesmas alegações finais comple-
mentares, a defesa alega que o SD RAFAEL disparou contra o veículo em
legítima defesa putativa, o que, conforme debatido anteriormente, não se
coaduna com a realidade, posto que o próprio acusado, em seu termo de
qualificação e interrogatório, afirma atirou na intenção de parar o veículo, e
não por sentir-se me perigo (legítima defesa putativa): (…) Perguntado ao
interrogando por que decidiu atirar, respondeu que tomou essa decisão com
intenção de parar o veículo para que este não oferecesse risco a mais pessoas,
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DIÁRIO OFICIAL DO ESTADO | SÉRIE 3 | ANO XI Nº222 | FORTALEZA, 22 DE NOVEMBRO DE 2019
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