DOE 21/02/2020 - Diário Oficial do Estado do Ceará
como presentes os requisitos para a abertura de procedimento administrativo
disciplinar (Conselho de Disciplina) que, sob o crivo do contraditório, apurará
possível irregularidade funcional praticada pelo agente público;
CONSIDERANDO que, quanto ao ponto, deve-se observar que os Militares,
por força de previsão constitucional, submetem-se aos valores da hierarquia
e da disciplina, sendo estas próprias da atividade militar (art. 42, § 1º, c/c art.
142, CF), objetivando com isso resguardar o prestígio da instituição a que
compõem. Neste contexto, o Código Disciplinar da Polícia Militar Estadual
(Lei nº 13.407/2003) prescreve que “a ofensa aos valores e aos deveres vulnera
a disciplina militar, constituindo infração administrativa, penal ou civil,
isolada ou cumulativamente” (art. 11, Lei nº 13.407/2003); CONSIDERANDO
que, além do mais, a Lei nº 13.407/2003, em seu art. 13, § 1º, LVII, dispõe
ser transgressão disciplinar de natureza grave o fato de o militar “comparecer
ou tomar parte de movimento reivindicatório, no qual os participantes portem
qualquer tipo de armamento, ou participar de greve”; CONSIDERANDO
que a Constituição Federal, ao disciplinar o direito de greve, assegura-lhe ao
servidor público civil, o qual está autorizado, inclusive, a associar-se em
entidade sindical (art. 37, VI, CF/88). No entanto, questão diversa se dá com
o militar, posto que, quanto ao mesmo, resta vedada “a sindicalização e a
greve” (art. 142, § 3º, IV, CF/88); CONSIDERANDO que, neste contexto,
o Supremo Tribunal Federal já teve a oportunidade de afirmar que não se faz
possível aos servidores integrantes das carreiras de segurança pública o
exercício de greve ante a especial atividade por eles exercida. Neste sentido
tem-se o seguinte precedente: “CONSTITUCIONAL. GARANTIA DA
SEGURANÇA INTERNA, ORDEM PÚBLICA E PAZ SOCIAL.
INTERPRETAÇÃO TELEOLÓGICA DOS ART. 9º, § 1º, ART. 37, VII, E
ART. 144, DA CF. VEDAÇÃO ABSOLUTA AO EXERCÍCIO DO DIREITO
DE GREVE AOS SERVIDORES PÚBLICOS INTEGRANTES DAS
CARREIRAS DE SEGURANÇA PÚBLICA. 1.A atividade policial é carreira
de Estado imprescindível a manutenção da normalidade democrática, sendo
impossível sua complementação ou substituição pela atividade privada. A
carreira policial é o braço armado do Estado, responsável pela garantia da
segurança interna, ordem pública e paz social. E o Estado não faz greve. O
Estado em greve é anárquico. A Constituição Federal não permite. 2.Aparente
colisão de direitos. Prevalência do interesse público e social na manutenção
da segurança interna, da ordem pública e da paz social sobre o interesse
individual de determinada categoria de servidores públicos. Impossibilidade
absoluta do exercício do direito de greve às carreiras policiais. Interpretação
teleológica do texto constitucional, em especial dos artigos 9º, § 1º, 37, VII
e 144. 3. Recurso provido, com afirmação de tese de repercussão geral: 1 - O
exercício do direito de greve, sob qualquer forma ou modalidade, é vedado
aos policiais civis e a todos os servidores públicos que atuem diretamente na
área de segurança pública. 2 - É obrigatória a participação do Poder Público
em mediação instaurada pelos órgãos classistas das carreiras de segurança
pública, nos termos do art. 165 do Código de Processo Civil, para vocalização
dos interesses da categoria.” (STF, Tribunal Pleno, ARE nº 654.432/GO, Rel.
Min. Edson Fachin, Rel. p/ Acórdão Min. Alexandre de Moraes, j. em
05/04/2017, DJe-114 div. 08-06-2018 pub. 11-06-2018); CONSIDERANDO
que, deste modo, em havendo elementos a indicar ter o militar praticado atos
que, a priori, podem configurar-se como de exercício de greve, tem-se como
justificada a instauração de instrumento processual que, sob o crivo do
contraditório, na esfera administrativa apurará possível irregularidade
funcional por ele praticada; CONSIDERANDO que, no que tange ao
mecanismo processual adequado, deve-se considerar que os atos
administrativos devem ser pautados no princípio da proporcionalidade, o qual
“… radica seu conteúdo na noção segundo o qual deve a sanção disciplinar
guardar adequação à falta cometida”, de modo que “as sanções disciplinares,
para que se definam como legais e legítimas, devem ser impostas em direta
sintonia com o princípio da proporcionalidade. Este assinala que deva haver
uma necessária correspondência entre a transgressão cometida e a pena a ser
imposta” (COSTA, José Armando da. Processo administrativo disciplinar:
teoria e prática, 6. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 64-65);
CONSIDERANDO que, por sua vez, os atos administrativos, dentre os quais
os praticados no âmbito do processo administrativo disciplinar, são regidos
pelo princípio da estrita legalidade (art. 37, caput, CF), o que corresponde
dizer que “a Administração Pública, no exercício de sua potestade, somente
poderá fazer aquilo que, por lei, esteja autorizada” (COSTA, José Armando
da. Processo administrativo disciplinar: teoria e prática, 6. ed., Rio de Janeiro:
Forense, 2010, p. 52), sendo, no caso em exame, a adoção dos critérios legais
constantes no Código Disciplinar Militar Estadual (Lei nº 13.407/03);
CONSIDERANDO que, In casu, tem-se que a gravidade dos fatos não viabiliza
que sua apuração se dê por meio de sindicância, tendo em conta a intensa
reprovabilidade da manifestação que termina por afrontar a necessária proteção
que os agentes da segurança pública conferem à sociedade. Neste contexto,
tem-se a prática de conduta atual e concreta que vulnera a ordem e a segurança
pública, além de comprometer a paz social. Por isso, a apuração na seara
administrativa deve dar-se por meio de processo regular cuja incumbência
compete a Controladoria Geral de Disciplina (art. 5º, XV, LC nº 98/2011);
CONSIDERANDO que, assim, em sendo a CGD o órgão próprio para o
presente caso, passa-se a examinar o disciplinamento constante na LC nº
98/2011, mas especificamente o cabimento da decretação do afastamento
preventivo. Ao Controlador-Geral de Disciplina compete “afastar
preventivamente das funções os servidores integrantes do grupo de atividade
de polícia judiciária, policiais militares, bombeiros militares e agentes
penitenciários que estejam submetidos à sindicância ou processo administrativo
disciplinar” (art. 18, caput), sendo que “findo o prazo do afastamento sem a
conclusão do processo administrativo, os servidores mencionados nos
parágrafos anteriores retornarão as atividades meramente administrativas,
com restrição ao uso e porte de arma, até a decisão de mérito disciplinar”
(art. 18, § 5º); CONSIDERANDO que, na espécie, restaram evidenciados
elementos aptos a viabilizar o afastamento do investigado das suas funções,
nos moldes do art. 18 e parágrafos, da Lei Complementar nº 98/2011, posto
que os fatos imputados ao servidor constituem ato incompatível com a função
pública, gerando clamor público e tornando o afastamento necessário à garantia
da ordem pública, à instrução regular do processo, assim como à correta
aplicação da sanção disciplinar; CONSIDERANDO que é preciso consignar
que a perturbação da ordem pública e social acarretada por ações de alguns
militares, dentre os quais os acusados, que, em notória violação aos mais
básicos ditames da hierarquia e da disciplina que regem as forças policias
militares, praticaram e vem praticando, nas últimas horas, inúmeros atos em
transgressão a uma vasta gama de normas que integram o regime disciplinar
militar de que cuida a Lei nº 13.407/2003; CONSIDERANDO as infrações
objeto do presente Conselho, para além de configurar quebra dos deveres
funcionais a que estão submetidos os agentes militares, podem ainda
caracterizar a prática de ilícitos previstos no Código Penal Militar, tais como
os crimes de motim, insubordinação e abandono de posto; CONSIDERANDO
que, atos como esses, que foram praticados pelos ora processados, revelam-se
contrárias à dignidade da função e, acima de tudo, indicam afronta e desrespeito
às instituições públicas deste País, haja vista ser de conhecimento geral as
medidas que, nos últimos dias, foram tomadas pelo Ministério Público do
Estado e pelo Poder Judiciário cearense no bojo da Ação Civil Pública em
trâmite perante a 3ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Fortaleza/CE
(Proc. 0211882-32.2020.8.06.0001), ambos uníssonos na posição contrária
a qualquer movimento tendente à greve no âmbito das Corporações Policiais;
CONSIDERANDO que a permanência dos acusados em serviço poderá
acarretar grave prejuízo à preservação da ordem pública, tendo em vista que,
uma vez mantidos em atividade, há uma maior probabilidade de incitarem
colegas de farda a aderirem ao ilegítimo e infundado movimento paredista,
gerando, com isso, crescimento dos riscos à paz e à incolumidade social, bem
como redução do sentimento de segurança desejado pela população;
CONSIDERANDO que, contudo, é preciso consignar que, embora relevante
e justificado, o afastamento preventivo, por si só, já não se apresenta como
medida administrativa-disciplinar suficiente a coibir, ou fazer cessar, a prática
infracional que deu ensejo à abertura deste Conselho de Disciplina, de modo
a impedir que os acusados, ainda que afastados, continuem a praticar atos ou
participar de movimentos como o que levou a responder ao presente
procedimento; CONSIDERANDO que, em face desse cenário, torna-se
imperiosa a adoção de outras providências administrativas, as quais se
mostrem, ao mesmo tempo, adequadas e necessárias a evitar a reiteração da
conduta infracional objeto desta investigação. Além do que, deve-se adotar
medida que coíba outros membros da segurança pública do Estado do Ceará
a adotar idêntica prática transgressiva; CONSIDERANDO que, nesta toada,
deve-se considerar que o poder geral de cautela prerrogativa inerente à
competência de qualquer autoridade julgadora, na seara administrativa ou
judicial, que se preste, por obrigação institucional, a atuar como instrumento
de aplicação da lei e, sobretudo, de preservação da ordem pública e social,
como se dá caso desta Controladoria-Geral de Disciplina; CONSIDERANDO
o poder geral de cautela administrativo encontra fundamento no art. 45, da
Lei Federal nº 9.784/1999, segundo o qual, “em caso de risco iminente, a
Administração Pública poderá motivadamente adotar providências
acauteladoras sem a prévia manifestação do interessado”. José dos Santos
Carvalho Filho (Processo administrativo federal. – Comentários à Lei no
9.784, de 29.1.1999 – 5. ed. rev., ampl. e atual. até 31.3.2013. – São Paulo:
Atlas, 2013, p. 219), ao comentar o dispositivo, explica: “O risco é o de haver
algum dano. Por isso, pode dizer-se que iminente é o risco que está prestes
a propiciar a ocorrência de fato causador de algum tipo de dano”;
CONSIDERANDO que, sobre o dispositivo retro mencionado, o Supremo
Tribunal Federal já teve a oportunidade de consignar: “a regra seria
despicienda, por ser implícito, na norma que outorga o poder de decidir, o
poder cautelar necessário a garantir a eficácia da eventual decisão futura”
(STF, Segunda Turma, RMS nº 31.973/DF, Rel. Min. Cármen Lúcia, j. em
25/02/2014, DJe-117 div.17-06-2014 pub. 18-06-2014). Nesta toada, o poder
geral de cautela apresenta-se como instrumento de provimento cautelar que
objetiva conferir utilidade e assegurar efetividade ao julgamento final a ser
ulteriormente proferido nesta sede processual; CONSIDERANDO que, assim,
por toda a excepcionalidade a envolver o caso específico, o afastamento
preventivo dos acusados desacompanhado da determinação de que tenham
descontados dos seus vencimentos o período da paralisação, em especial por
conta da proibição do militar fazer greve (art. 142, § 3º, IV, CF/88), pode se
revelar medida ineficaz para os propósitos esperados em torno do próprio
afastamento, baseados que são na necessidade de coibir a reiteração infracional
e o próprio crescimento do movimento subversivo, em garantia da preservação
da ordem pública e da manutenção da paz social; CONSIDERANDO que o
Supremo Tribunal Federal entende ser possível o desconto dos dias paralisados,
na medida em que se apresenta como hipótese de suspensão do vínculo
funcional em hipótese, como a presente, em que o Estado não deu azo a
prática de conduta tida como ilícita a justificar a medida pelo agente público.
Neste sentido: “DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO.
AGRAVO INTERNO EM MANDADO DE SEGURANÇA. GREVE DE
SERVIDORES PÚBLICOS DO MPU E CNMP. DESCONTO DOS DIAS
PARADOS. 1. O STF fixou, em regime de repercussão geral, a seguinte tese:
A administração pública deve proceder ao desconto dos dias de paralisação
decorrentes do exercício do direito de greve pelos servidores públicos, em
virtude da suspensão do vínculo funcional que dela decorre, permitida a
compensação em caso de acordo. O desconto será, contudo, incabível se ficar
demonstrado que a greve foi provocada por conduta ilícita do Poder Público
(RE 693.456, Rel. Min. Dias Toffoli). 2. No caso concreto, não houve menção
a conduta ilícita praticada pelo Poder Público, estando o pedido fundado
unicamente na existência de movimento grevista e na alegada impossibilidade
de desconto de dias trabalhados. 3. Agravo a que se nega provimento.” (STF,
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DIÁRIO OFICIAL DO ESTADO | SÉRIE 3 | ANO XII Nº037 | FORTALEZA, 21 DE FEVEREIRO DE 2020
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