DOE 21/02/2020 - Diário Oficial do Estado do Ceará
o Supremo Tribunal Federal já teve a oportunidade de afirmar que não se faz
possível aos servidores integrantes das carreiras de segurança pública o
exercício de greve ante a especial atividade por eles exercida. Neste sentido
tem-se o seguinte precedente: “CONSTITUCIONAL. GARANTIA DA
SEGURANÇA INTERNA, ORDEM PÚBLICA E PAZ SOCIAL.
INTERPRETAÇÃO TELEOLÓGICA DOS ART. 9º, § 1º, ART. 37, VII, E
ART. 144, DA CF. VEDAÇÃO ABSOLUTA AO EXERCÍCIO DO DIREITO
DE GREVE AOS SERVIDORES PÚBLICOS INTEGRANTES DAS
CARREIRAS DE SEGURANÇA PÚBLICA. 1.A atividade policial é carreira
de Estado imprescindível a manutenção da normalidade democrática, sendo
impossível sua complementação ou substituição pela atividade privada. A
carreira policial é o braço armado do Estado, responsável pela garantia da
segurança interna, ordem pública e paz social. E o Estado não faz greve. O
Estado em greve é anárquico. A Constituição Federal não permite. 2.Aparente
colisão de direitos. Prevalência do interesse público e social na manutenção
da segurança interna, da ordem pública e da paz social sobre o interesse
individual de determinada categoria de servidores públicos. Impossibilidade
absoluta do exercício do direito de greve às carreiras policiais. Interpretação
teleológica do texto constitucional, em especial dos artigos 9º, § 1º, 37, VII
e 144. 3. Recurso provido, com afirmação de tese de repercussão geral: “1
- O exercício do direito de greve, sob qualquer forma ou modalidade, é vedado
aos policiais civis e a todos os servidores públicos que atuem diretamente na
área de segurança pública. 2 - É obrigatória a participação do Poder Público
em mediação instaurada pelos órgãos classistas das carreiras de segurança
pública, nos termos do art. 165 do Código de Processo Civil, para vocalização
dos interesses da categoria.” (STF, Tribunal Pleno, ARE nº 654.432/GO, Rel.
Min. Edson Fachin, Rel. p/ Acórdão Min. Alexandre de Moraes, j. em
05/04/2017, DJe-114 div. 08-06-2018 pub. 11-06-2018). Deste modo, em
havendo elementos a indicar ter o militar praticado atos que, a priori, podem
configurar-se como de exercício de greve, tem-se como justificada a
instauração de instrumento processual que, sob o crivo do contraditório, na
esfera administrativa apurará possível irregularidade funcional por ele
praticada; CONSIDERANDO o mecanismo processual adequado, deve-se
considerar que os atos administrativos devem ser pautados no princípio da
proporcionalidade, o qual “… radica seu conteúdo na noção segundo o qual
deve a sanção disciplinar guardar adequação à falta cometida”, de modo que
“as sanções disciplinares, para que se definam como legais e legítimas, devem
ser impostas em direta sintonia com o princípio da proporcionalidade. Este
assinala que deva haver uma necessária correspondência entre a transgressão
cometida e a pena a ser imposta” (COSTA, José Armando da. Processo
administrativo disciplinar: teoria e prática, 6. ed., Rio de Janeiro: Forense,
2010, p. 64-65); CONSIDERANDO que os atos administrativos, dentre os
quais os praticados no âmbito do processo administrativo disciplinar, são
regidos pelo princípio da estrita legalidade (art. 37, caput, CF), o que
corresponde dizer que “a Administração Pública, no exercício de sua potestade,
somente poderá fazer aquilo que, por lei, esteja autorizada” (COSTA, José
Armando da. Processo administrativo disciplinar: teoria e prática, 6. ed., Rio
de Janeiro: Forense, 2010, p. 52), sendo, no caso em exame, a adoção dos
critérios legais constantes no Código Disciplinar Militar Estadual (Lei nº
13.407/03); CONSIDERANDO que a gravidade dos fatos não viabiliza que
sua apuração se dê por meio de sindicância, tendo em conta a intensa
reprovabilidade da manifestação que termina por afrontar a necessária proteção
que os agentes da segurança pública conferem à sociedade. Neste contexto,
tem-se a prática de conduta atual e concreta que vulnera a ordem e a segurança
pública, além de comprometer a paz social. Por isso, a apuração na seara
administrativa deve dar-se por meio de processo regular cuja incumbência
compete a Controladoria Geral de Disciplina (art. 5º, XV, LC nº 98/2011);
CONSIDERANDO que a Controladoria Geral de Disciplina é o órgão próprio
para o presente caso, passa-se a examinar o disciplinamento constante na LC
nº 98/2011, mas especificamente o cabimento da decretação do afastamento
preventivo. Ao Controlador-Geral de Disciplina compete “afastar
preventivamente das funções os servidores integrantes do grupo de atividade
de polícia judiciária, policiais militares, bombeiros militares e agentes
penitenciários que estejam submetidos à sindicância ou processo administrativo
disciplinar” (art. 18, caput), sendo que “findo o prazo do afastamento sem a
conclusão do processo administrativo, os servidores mencionados nos
parágrafos anteriores retornarão as atividades meramente administrativas,
com restrição ao uso e porte de arma, até a decisão de mérito disciplinar”
(art. 18, § 5º), contudo, na espécie, restaram evidenciados elementos aptos a
viabilizar o afastamento dos investigados das suas funções, nos moldes do
art. 18 e parágrafos, da Lei Complementar nº 98/2011, posto que os fatos
imputados aos servidores constituem ato incompatível com a função pública,
gerando clamor público e tornando o afastamento necessário à garantia da
ordem pública, à instrução regular do processo, assim como à correta aplicação
da sanção disciplinar; CONSIDERANDO que a perturbação da ordem pública
e social acarretada por ações de alguns militares, dentre os quais os acusados,
que, em notória violação aos mais básicos ditames da hierarquia e da disciplina
que regem as forças policias militares, praticaram e vem praticando, nas
últimas horas, inúmeros atos em transgressão a uma vasta gama de normas
que integram o regime disciplinar militar de que cuida a Lei nº 13.407/2003,
podendo ainda caracterizar a prática de ilícitos previstos no Código Penal
Militar, tais como os crimes de motim, insubordinação e abandono de posto;
CONSIDERANDO que os atos praticados pelos ora processados, revelam-se
contrárias à dignidade da função e, acima de tudo, indicam afronta e desrespeito
às instituições públicas deste País, haja vista ser de conhecimento geral as
medidas que, nos últimos dias, foram tomadas pelo Ministério Público do
Estado e pelo Poder Judiciário cearense no bojo da Ação Civil Pública em
trâmite perante a 3ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Fortaleza/CE
(Proc. 0211882-32.2020.8.06.0001), ambos uníssonos na posição contrária
a qualquer movimento tendente à greve no âmbito das Corporações Policiais;
CONSIDERANDO que a permanência dos acusados em serviço poderá
acarretar grave prejuízo à preservação da ordem pública, tendo em vista que,
uma vez mantidos em atividade, há uma maior probabilidade de incitarem
colegas de farda a aderirem ao ilegítimo e infundado movimento paredista,
gerando, com isso, crescimento dos riscos à paz e à incolumidade social, bem
como redução do sentimento de segurança desejado pela população;
CONSIDERANDO que o poder geral de cautela administrativo encontra
fundamento no art. 45, da Lei Federal nº 9.784/1999, segundo o qual, “em
caso de risco iminente, a Administração Pública poderá motivadamente adotar
providências acauteladoras sem a prévia manifestação do interessado”. José
dos Santos Carvalho Filho (Processo administrativo federal. – Comentários
à Lei no 9.784, de 29.1.1999 – 5. ed. rev., ampl. e atual. até 31.3.2013. – São
Paulo: Atlas, 2013, p. 219), ao comentar o dispositivo, explica: “O risco é o
de haver algum dano. Por isso, pode dizer-se que iminente é o risco que está
prestes a propiciar a ocorrência de fato causador de algum tipo de dano”;
CONSIDERANDO que o Supremo Tribunal Federal já teve a oportunidade
de consignar: “a regra seria despicienda, por ser implícito, na norma que
outorga o poder de decidir, o poder cautelar necessário a garantir a eficácia
da eventual decisão futura” (STF, Segunda Turma, RMS nº 31.973/DF, Rel.
Min. Cármen Lúcia, j. em 25/02/2014, DJe-117 div.17-06-2014 pub. 18-06-
2014). Nesta toada, o poder geral de cautela apresenta-se como instrumento
de provimento cautelar que objetiva conferir utilidade e assegurar efetividade
ao julgamento final a ser ulteriormente proferido nesta sede processual;
CONSIDERANDO portanto a excepcionalidade do caso específico, o
afastamento preventivo dos acusados desacompanhado da determinação de
que tenham descontados dos seus vencimentos o período da paralisação, em
especial por conta da proibição do militar fazer greve (art. 142, § 3º, IV,
CF/88), pode se revelar medida ineficaz para os propósitos esperados em
torno do próprio afastamento, baseados que são na necessidade de coibir a
reiteração infracional e o próprio crescimento do movimento subversivo, em
garantia da preservação da ordem pública e da manutenção da paz social;
CONSIDERANDO que o Supremo Tribunal Federal entende ser possível o
desconto dos dias paralisados, na medida em que se apresenta como hipótese
de suspensão do vínculo funcional em hipótese, como a presente, em que o
Estado não deu azo a prática de conduta tida como ilícita a justificar a medida
pelo agente público. Neste sentido: “DIREITO CONSTITUCIONAL E
ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO EM MANDADO DE
SEGURANÇA. GREVE DE SERVIDORES PÚBLICOS DO MPU E CNMP.
DESCONTO DOS DIAS PARADOS. 1. O STF fixou, em regime de
repercussão geral, a seguinte tese: A administração pública deve proceder ao
desconto dos dias de paralisação decorrentes do exercício do direito de greve
pelos servidores públicos, em virtude da suspensão do vínculo funcional que
dela decorre, permitida a compensação em caso de acordo. O desconto será,
contudo, incabível se ficar demonstrado que a greve foi provocada por conduta
ilícita do Poder Público (RE 693.456, Rel. Min. Dias Toffoli). 2. No caso
concreto, não houve menção a conduta ilícita praticada pelo Poder Público,
estando o pedido fundado unicamente na existência de movimento grevista
e na alegada impossibilidade de desconto de dias trabalhados. 3. Agravo a
que se nega provimento.” (STF, Primeira Turma, MS nº 33.757 AgR/DF,
Rel. Min. Roberto Barroso, j. em 07/11/2017, DJe-261 div. 16-11-2017 pub.
17-11-2017); CONSIDERANDO que tais atitudes, em tese, ferem os valores
fundamentais determinantes da moral militar estadual insculpidos no art. 7º,
II, III, IV, V, VI, VII, VIII, IX e violam os deveres éticos consubstanciados
no art. 8º, incisos II, IV, V, VI, VIII, XI, XIII, XIV, XV, XVI, XVIII, XIX,
XXIII,XXVII, XXXI, XXXIII, XXXIV, caracterizando transgressões
disciplinares, de acordo com o art. 12, § 1º, I e II, e § 2º, I, II c/c art. 13, §1º,
VIII, XXIV, XXXII, XXXIII, XLIX, LVII, LVIII, §2º, VIII, XX, XXXVII
e LIII, tudo da Lei nº 13.407/2003. RESOLVE: I) Instaurar PROCESSO
ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR, em conformidade com o art. 71, III,
c/c Art. 103, da Lei nº 13.407/2003, com o fim de apurar as condutas
transgressivas atribuídas aos MILITARES Estaduais: CB PM 25324 JOSÉ
BENVINDO DE MELO JÚNIOR – MF: 304.041-1-4, CB PM 25388 IVO
NAPOLEÃO LUCIANO LEITE – MF: 304.105-1-3, SD PM 27079 JOÃO
CLEBER ARAÚJO MOREIRA – MF: 587.368-1-3 e SD PM 32056
WELINTON LIMA DE OLIVEIRA – MF: 308.896-9-X, bem como a
incapacidade destes para permanecerem nos quadros da Polícia Militar do
Ceará. II) AFASTAR PREVENTIVAMENTE, de acordo com o Art. 18 e
parágrafos, da Lei Complementar nº 98/2011, os referidos Militares Estaduais
, pelo prazo de 120 (cento e vinte) dias, para o fim de que fiquem à disposição
dos Recursos Humanos a que estiverem vinculados, órgão este que deverá
reter suas identificações funcionais, distintivos, armas, algemas e quaisquer
outros instrumentos de caráter funcional que estejam em posse dos servidores,
remetendo à Controladoria Geral de Disciplina cópia do ato de retenção, por
meio digital, assim como o relatório de sua frequência (art. 18, §3º, LC nº
98/2011). Outrossim, a medida ora deferida tem o condão de suspender o
pagamento de qualquer vantagem financeira de natureza eventual que os
afastados estejam a perceber, assim restam suspensas as prerrogativas
funcionais próprias dos policiais militares (art. 18, §2º, LC nº 98/2011); III)
Designar a 7ª Comissão de Processo Regular Militar (7ª CPRM), composta
pelos Oficiais: MAJOR QOPM JOSÉ FRANCINALDO GUEDES FREITAS
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DIÁRIO OFICIAL DO ESTADO | SÉRIE 3 | ANO XII Nº037 | FORTALEZA, 21 DE FEVEREIRO DE 2020
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