DOE 21/02/2020 - Diário Oficial do Estado do Ceará
ocorrido, por volta das 18h, teria postado mensagem em grupo de Whatsapp
do time de futebol tecendo comentários sobre a paralisação dos policiais
militares: “DESCULPE AOS AMIGOS POLICIAIS AQUI DO GRUPO,
MAIS ISSO É COISA DE VAGABUNDO, FICAR TUDO
ENCAPUZADO…….. SE UM CIDADÃO USAR TOUCA É VAGABUNDO,
AGORA POLÍCIA USAR É NORMAL……. ISSO SÓ RESOLVE QUANDO
EXONERAR UNS 500, PARA CRIAR MARRA”, fls. 10/10v;
CONSIDERANDO que ao militar compete “servir a comunidade, procurando,
no exercício de sua suprema missão de preservar a ordem pública e de proteger
a pessoa, promover, sempre, o bem estar comum dentro da estrita observância
das normas jurídicas e das disposições deste Código”, segundo prescreve o
art. 8º, IV, do Código Disciplinar da Polícia Militar do Ceará e do Corpo
Bombeiros. Além do mais, tem o dever de “atuar com eficiência e probidade,
zelando pela economia e conservação dos bens públicos, cuja utilização lhe
é confiada” (art. 8º, XXXII, da Lei nº 13.407/2003). Assim sendo, incumbe
ao militar zelar pelo patrimônio público que está sob sua guarda. Ocorre que,
no sub examine, há indícios de que os agentes antes referidos tenham
concorrido com a ação tida a priori como transgressiva, dando azo a ocorrência
de evidenciado prejuízo à segurança pública quando permitiram, ou ao menos
concorreram de modo omissivo, que a viatura que estava sob sua
responsabilidade tivesse seus pneus esvaziados, impedindo sua adequada
utilização; CONSIDERANDO a conduta objeto de apuração mostra-se de
extrema gravidade. Tanto assim que o disciplinamento legal prevista na Lei
nº 13.407/2003 capitula como graves as hipóteses de “provocar desfalques
ou deixar de adotar providências, na esfera de suas atribuições, para evitá-los”
(art. 13, §1º, XVI), “deixar de assumir a responsabilidade de seus atos ou
pelos praticados por subordinados que agirem em cumprimento de sua ordem”
(art. 13, §1º, XXVI) e “abandonar serviço para o qual tenha sido designado
ou recusar-se a executá-lo na forma determinada” (art. 13, §1º, XLII).
CONSIDERANDO que a documentação constante dos autos reuniu indícios
de materialidade e autoria, demonstrando, em tese, a ocorrência de conduta
capitulada como infração disciplinar por parte dos militares acima referidos;
CONSIDERANDO os requisitos para a abertura de procedimento
administrativo disciplinar (Processo Administrativo Disciplinar) que, sob o
crivo do contraditório, apurará possível irregularidade funcional praticada
pelo agente público; CONSIDERANDO que os Militares, por força de previsão
constitucional, submetem-se aos valores da hierarquia e da disciplina, sendo
estas próprias da atividade militar (art. 42, § 1º, c/c art. 142, CF), objetivando
com isso resguardar o prestígio da instituição a que compõem. Neste contexto,
o Código Disciplinar da Polícia Militar Estadual (Lei nº 13.407/2003)
prescreve que “a ofensa aos valores e aos deveres vulnera a disciplina militar,
constituindo infração administrativa, penal ou civil, isolada ou
cumulativamente” (art. 11, Lei nº 13.407/2003); CONSIDERANDO a Lei
nº 13.407/2003, em seu art. 13, § 1º, LVII, dispõe ser transgressão disciplinar
de natureza grave o fato de o militar “comparecer ou tomar parte de movimento
reivindicatório, no qual os participantes portem qualquer tipo de armamento,
ou participar de greve”; CONSIDERANDO a Constituição Federal, ao
disciplinar o direito de greve, assegura-lhe ao servidor público civil, o qual
está autorizado, inclusive, a associar-se em entidade sindical (art. 37, VI,
CF/88). No entanto, questão diversa se dá com o militar, posto que, quanto
ao mesmo, resta vedada “a sindicalização e a greve” (art. 142, § 3º, IV, CF/88);
CONSIDERANDO que o Supremo Tribunal Federal já teve a oportunidade
de afirmar que não se faz possível aos servidores integrantes das carreiras de
segurança pública o exercício de greve ante a especial atividade por eles
exercida. Neste sentido tem-se o seguinte precedente: “CONSTITUCIONAL.
GARANTIA DA SEGURANÇA INTERNA, ORDEM PÚBLICA E PAZ
SOCIAL. INTERPRETAÇÃO TELEOLÓGICA DOS ART. 9º, § 1º, ART.
37, VII, E ART. 144, DA CF. VEDAÇÃO ABSOLUTA AO EXERCÍCIO
DO DIREITO DE GREVE AOS SERVIDORES PÚBLICOS INTEGRANTES
DAS CARREIRAS DE SEGURANÇA PÚBLICA. 1.A atividade policial é
carreira de Estado imprescindível a manutenção da normalidade democrática,
sendo impossível sua complementação ou substituição pela atividade privada.
A carreira policial é o braço armado do Estado, responsável pela garantia da
segurança interna, ordem pública e paz social. E o Estado não faz greve. O
Estado em greve é anárquico. A Constituição Federal não permite. 2.Aparente
colisão de direitos. Prevalência do interesse público e social na manutenção
da segurança interna, da ordem pública e da paz social sobre o interesse
individual de determinada categoria de servidores públicos. Impossibilidade
absoluta do exercício do direito de greve às carreiras policiais. Interpretação
teleológica do texto constitucional, em especial dos artigos 9º, § 1º, 37, VII
e 144. 3. Recurso provido, com afirmação de tese de repercussão geral: “1
- O exercício do direito de greve, sob qualquer forma ou modalidade, é vedado
aos policiais civis e a todos os servidores públicos que atuem diretamente na
área de segurança pública. 2 - É obrigatória a participação do Poder Público
em mediação instaurada pelos órgãos classistas das carreiras de segurança
pública, nos termos do art. 165 do Código de Processo Civil, para vocalização
dos interesses da categoria.” (STF, Tribunal Pleno, ARE nº 654.432/GO, Rel.
Min. Edson Fachin, Rel. p/ Acórdão Min. Alexandre de Moraes, j. em
05/04/2017, DJe-114 div. 08-06-2018 pub. 11-06-2018); CONSIDERANDO
deste modo, em havendo elementos a indicar ter o militar praticado atos que,
a priori, podem configurar-se como de exercício de greve, tem-se como
justificada a instauração de instrumento processual que, sob o crivo do
contraditório, na esfera administrativa apurará possível irregularidade
funcional por ele praticada; CONSIDERANDO no que tange ao mecanismo
processual adequado, deve-se considerar que os atos administrativos devem
ser pautados no princípio da proporcionalidade, o qual “… radica seu conteúdo
na noção segundo o qual deve a sanção disciplinar guardar adequação à falta
cometida”, de modo que “as sanções disciplinares, para que se definam como
legais e legítimas, devem ser impostas em direta sintonia com o princípio da
proporcionalidade. Este assinala que deva haver uma necessária
correspondência entre a transgressão cometida e a pena a ser imposta”
(COSTA, José Armando da. Processo administrativo disciplinar: teoria e
prática, 6. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 64-65); CONSIDERANDO
os atos administrativos, dentre os quais os praticados no âmbito do processo
administrativo disciplinar, são regidos pelo princípio da estrita legalidade
(art. 37, caput, CF), o que corresponde dizer que “a Administração Pública,
no exercício de sua potestade, somente poderá fazer aquilo que, por lei, esteja
autorizada” (COSTA, José Armando da. Processo administrativo disciplinar:
teoria e prática, 6. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 52), sendo, no caso
em exame, a adoção dos critérios legais constantes no Código Disciplinar
Militar Estadual (Lei nº 13.407/03); CONSIDERANDO que a gravidade dos
fatos não viabiliza que sua apuração se dê por meio de sindicância, tendo em
conta a intensa reprovabilidade da manifestação que termina por afrontar a
necessária proteção que os agentes da segurança pública conferem à sociedade.
Neste contexto, tem-se a prática de conduta atual e concreta que vulnera a
ordem e a segurança pública, além de comprometer a paz social. Por isso, a
apuração na seara administrativa deve dar-se por meio de processo regular
cuja incumbência compete a Controladoria Geral de Disciplina (art. 5º, XV,
LC nº 98/2011); CONSIDERANDO que em sendo a CGD o órgão próprio
para o presente caso, passa-se a examinar o disciplinamento constante na LC
nº 98/2011, mas especificamente o cabimento da decretação do afastamento
preventivo. Ao Controlador-Geral de Disciplina compete “afastar
preventivamente das funções os servidores integrantes do grupo de atividade
de polícia judiciária, policiais militares, bombeiros militares e agentes
penitenciários que estejam submetidos à sindicância ou processo administrativo
disciplinar” (art. 18, caput), sendo que “findo o prazo do afastamento sem a
conclusão do processo administrativo, os servidores mencionados nos
parágrafos anteriores retornarão as atividades meramente administrativas,
com restrição ao uso e porte de arma, até a decisão de mérito disciplinar”
(art. 18, § 5º); CONSIDERANDO que restaram evidenciados elementos aptos
a viabilizar o afastamento do investigado das suas funções, nos moldes do
art. 18 e parágrafos, da Lei Complementar nº 98/2011, posto que os fatos
imputados ao servidor constituem ato incompatível com a função pública,
gerando clamor público e tornando o afastamento necessário à garantia da
ordem pública, à instrução regular do processo, assim como à correta aplicação
da sanção disciplinar; CONSIDERANDO que a perturbação da ordem pública
e social acarretada por ações de alguns militares, dentre os quais os acusados,
que, em notória violação aos mais básicos ditames da hierarquia e da disciplina
que regem as forças policias militares, praticaram e vem praticando, nas
últimas horas, inúmeros atos em transgressão a uma vasta gama de normas
que integram o regime disciplinar militar de que cuida a Lei nº 13.407/2003;
CONSIDERANDO que as infrações objeto do presente Conselho, para além
de configurar quebra dos deveres funcionais a que estão submetidos os agentes
militares, podem ainda caracterizar a prática de ilícitos previstos no Código
Penal Militar, tais como os crimes de motim, insubordinação e abandono de
posto; CONSIDERANDO que como esses, que foram praticados pelos ora
processados, revelam-se contrárias à dignidade da função e, acima de tudo,
indicam afronta e desrespeito às instituições públicas deste País, haja vista
ser de conhecimento geral as medidas que, nos últimos dias, foram tomadas
pelo Ministério Público do Estado e pelo Poder Judiciário cearense no bojo
da Ação Civil Pública em trâmite perante a 3ª Vara da Fazenda Pública da
Comarca de Fortaleza/CE (Proc. 0211882-32.2020.8.06.0001), ambos
uníssonos na posição contrária a qualquer movimento tendente à greve no
âmbito das Corporações Policiais; CONSIDERANDO que a permanência
dos acusados em serviço poderá acarretar grave prejuízo à preservação da
ordem pública, tendo em vista que, uma vez mantidos em atividade, há uma
maior probabilidade de incitarem colegas de farda a aderirem ao ilegítimo e
infundado movimento paredista, gerando, com isso, crescimento dos riscos
à paz e à incolumidade social, bem como redução do sentimento de segurança
desejado pela população; CONSIDERANDO que, embora relevante e
justificado, o afastamento preventivo, por si só, já não se apresenta como
medida administrativa-disciplinar suficiente a coibir, ou fazer cessar, a prática
infracional que deu ensejo à abertura deste Conselho de Disciplina, de modo
a impedir que os acusados, ainda que afastados, continuem a praticar atos ou
participar de movimentos como o que levou a responder ao presente
procedimento; CONSIDERANDO que face desse cenário, torna-se imperiosa
a adoção de outras providências administrativas, as quais se mostrem, ao
mesmo tempo, adequadas e necessárias a evitar a reiteração da conduta
infracional objeto desta investigação. Além do que, deve-se adotar medida
que coíba outros membros da segurança pública do Estado do Ceará a adotar
idêntica prática transgressiva; CONSIDERANDO que o poder geral de cautela
prerrogativa inerente à competência de qualquer autoridade julgadora, na
seara administrativa ou judicial, que se preste, por obrigação institucional, a
atuar como instrumento de aplicação da lei e, sobretudo, de preservação da
ordem pública e social, como se dá caso desta Controladoria-Geral de
Disciplina; CONSIDERANDO que o poder geral de cautela administrativo
encontra fundamento no art. 45, da Lei Federal nº 9.784/1999, segundo o
qual, “em caso de risco iminente, a Administração Pública poderá
motivadamente adotar providências acauteladoras sem a prévia manifestação
do interessado”. José dos Santos Carvalho Filho (Processo administrativo
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DIÁRIO OFICIAL DO ESTADO | SÉRIE 3 | ANO XII Nº037 | FORTALEZA, 21 DE FEVEREIRO DE 2020
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