DOE 23/02/2020 - Diário Oficial do Estado do Ceará
do Ceará aderiram a um movimento paredista, podendo a conduta desertora,
ora apurada, configurar-se como indicativo de sua participação no dito evento;
CONSIDERANDO que, neste contexto, deve-se observar que, na esfera
administrativa, os fatos podem ensejar moldura jurídica diversa. Isso se dá
por conta do princípio da independência relativa das instâncias penal e admi-
nistrativa (art. 439, do CPPM), de modo que, a conduta transgressiva pode
ser apurada ainda que não venha a ocorrer a capitulação como crime e a
consequente condenação na esfera penal. Neste sentido tem se posicionado
o Superior Tribunal de Justiça: “É firme a jurisprudência desta Corte quanto
à independência e autonomia das instâncias penal, civil e administrativa,
razão pela qual o reconhecimento de transgressão disciplinar e a aplicação
da punição respectiva não dependem do julgamento no âmbito criminal, nem
obriga a Administração a aguardar o desfecho dos demais processos. Somente
haverá repercussão, no processo administrativo, quando a instância penal
manifestar-se pela inexistência material do fato ou pela negativa de sua
autoria, não sendo o caso dos autos. Precedentes” (STJ, Segunda Turma,
RMS nº 37.180/PE (2012/0037432-1), Rel. Min. Og Fernandes, j. em
08/09/2015, DJe 18/09/2015); CONSIDERANDO que, deste modo, o que
justificaria a apuração disciplinar é a identificação do agente, a comprovação
da materialidade e o fato, hipoteticamente, apresentar-se como transgressivo,
a partir de quando estará presente a justa causa para o processamento; CONSI-
DERANDO que, no caso sub examine, os fatos, em tese, caracterizam-se
como transgressão disciplinar grave, na forma do art. 13, § 1º, da Lei nº
13.407/2003, por se enquadrarem como: “não cumprir, sem justo motivo, a
execução de qualquer ordem legal recebida” (inciso XXIV), “faltar ao expe-
diente ou ao serviço para o qual esteja nominalmente escalado” (inciso XLIII)
e “comparecer ou tomar parte de movimento reivindicatório, no qual os
participantes portem qualquer tipo de armamento, ou participar de greve”
(inciso LVII); CONSIDERANDO que, quanto ao disciplinamento do direito
a greve, veja-se que a Constituição Federal assegura-lhe ao servidor público
civil, o qual está autorizado, inclusive, a associar-se em entidade sindical
(art. 37, VI, CF/88). No entanto, questão diversa se dá com o militar, posto
que, quanto ao mesmo, resta vedada “a sindicalização e a greve” (art. 142, §
3º, IV, CF/88); CONSIDERANDO que, neste contexto, o Supremo Tribunal
Federal já teve a oportunidade de afirmar que não se faz possível aos servidores
integrantes das carreiras de segurança pública o exercício de greve ante a
especial atividade por eles exercida. Sobre o tema, tem-se o seguinte prece-
dente: “CONSTITUCIONAL. GARANTIA DA SEGURANÇA INTERNA,
ORDEM PÚBLICA E PAZ SOCIAL. INTERPRETAÇÃO TELEOLÓGICA
DOS ART. 9º, § 1º, ART. 37, VII, E ART. 144, DA CF. VEDAÇÃO ABSO-
LUTA AO EXERCÍCIO DO DIREITO DE GREVE AOS SERVIDORES
PÚBLICOS INTEGRANTES DAS CARREIRAS DE SEGURANÇA
PÚBLICA. 1.A atividade policial é carreira de Estado imprescindível a manu-
tenção da normalidade democrática, sendo impossível sua complementação
ou substituição pela atividade privada. A carreira policial é o braço armado
do Estado, responsável pela garantia da segurança interna, ordem pública e
paz social. E o Estado não faz greve. O Estado em greve é anárquico. A
Constituição Federal não permite. 2.Aparente colisão de direitos. Prevalência
do interesse público e social na manutenção da segurança interna, da ordem
pública e da paz social sobre o interesse individual de determinada categoria
de servidores públicos. Impossibilidade absoluta do exercício do direito de
greve às carreiras policiais. Interpretação teleológica do texto constitucional,
em especial dos artigos 9º, § 1º, 37, VII e 144. 3. Recurso provido, com
afirmação de tese de repercussão geral: “1 - O exercício do direito de greve,
sob qualquer forma ou modalidade, é vedado aos policiais civis e a todos os
servidores públicos que atuem diretamente na área de segurança pública. 2
- É obrigatória a participação do Poder Público em mediação instaurada pelos
órgãos classistas das carreiras de segurança pública, nos termos do art. 165
do Código de Processo Civil, para vocalização dos interesses da categoria.”
(STF, Tribunal Pleno, ARE nº 654.432/GO, Rel. Min. Edson Fachin, Rel. p/
Acórdão Min. Alexandre de Moraes, j. em 05/04/2017, DJe-114 div. 08-06-
2018 pub. 11-06-2018); CONSIDERANDO que uma conduta criminosa,
como na hipótese do crime de deserção especial (art. 190, CPM), também
importa em prática de transgressão disciplinar (art. 12, § 1º, I, da Lei nº
13.407/2003), podendo esta ser de natureza grave quando restar demonstrado
que atentou contra os Poderes Constituídos, as instituições, o Estado, os
direitos humanos fundamentais e forem de natureza desonrosa (art. 12, § 2º,
da Lei nº 13.407/2003); CONSIDERANDO que os militares, por força de
previsão constitucional, submetem-se aos valores da hierarquia e da disciplina,
sendo estes próprios da atividade militar (art. 42, § 1º, c/c art. 142, CF),
objetivando, com isso, resguardar o prestígio da instituição a que compõem.
Neste contexto, o Código Disciplinar da Polícia Militar Estadual (Lei nº
13.407/2003) prescreve que “a ofensa aos valores e aos deveres vulnera a
disciplina militar, constituindo infração administrativa, penal ou civil, isolada
ou cumulativamente” (art. 11, Lei nº 13.407/2003); CONSIDERANDO a
documentação constante dos autos, vê-se que a mesma reuniu indícios de
materialidade e autoria, demonstrando, em tese, a ocorrência de conduta
capitulada como infração disciplinar por parte dos militares acima referidos;
CONSIDERANDO que em havendo elementos a indicar terem os militares
praticado atos que, a priori, podem configurar-se como de exercício de greve,
além de outras condutas transgressivas graves como o crime de deserção
especial, tem-se como justificada a instauração de instrumento processual
que, na esfera administrativa, sob o crivo do contraditório, apurará possível
irregularidade funcional por ele praticada; CONSIDERANDO que, no que
tange ao mecanismo processual adequado, deve-se considerar que os atos
administrativos devem ser pautados no princípio da proporcionalidade, o qual
“… radica seu conteúdo na noção segundo o qual deve a sanção disciplinar
guardar adequação à falta cometida”, de modo que “as sanções disciplinares,
para que se definam como legais e legítimas, devem ser impostas em direta
sintonia com o princípio da proporcionalidade. Este assinala que deva haver
uma necessária correspondência entre a transgressão cometida e a pena a ser
imposta” (COSTA, José Armando da. Processo administrativo disciplinar:
teoria e prática, 6. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 64-65); CONSIDE-
RANDO que os atos administrativos, dentre os quais os praticados no âmbito
do processo administrativo disciplinar, são regidos pelo princípio da estrita
legalidade (art. 37, caput, CF), o que corresponde dizer que “a Administração
Pública, no exercício de sua potestade, somente poderá fazer aquilo que, por
lei, esteja autorizada” (COSTA, José Armando da. Processo administrativo
disciplinar: teoria e prática, 6. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 52),
sendo, no caso em exame, a adoção dos critérios legais constantes no Código
Disciplinar Militar Estadual (Lei nº 13.407/03); CONSIDERANDO na hipó-
tese presente, tem-se que a gravidade dos fatos não viabiliza que sua apuração
se dê por meio de sindicância, tendo em conta a intensa reprovabilidade da
manifestação que afronta a necessária proteção que os agentes da segurança
pública devem conferir à sociedade. Neste contexto, tem-se a prática de
conduta atual e concreta que vulnera a ordem e a segurança públicas, além
de comprometer a paz social; CONSIDERANDO assim, a apuração na seara
administrativa deve dar-se por meio de processo regular cuja incumbência
compete a Controladoria Geral de Disciplina (art. 5º, XV, LC nº 98/2011),
órgão próprio para apurar as condutas objeto deste processo; CONSIDE-
RANDO no que tange ao cabimento da decretação do afastamento preventivo,
tem-se que compete ao Controlador-Geral de Disciplina “afastar preventiva-
mente das funções os servidores integrantes do grupo de atividade de polícia
judiciária, policiais militares, bombeiros militares e agentes penitenciários
que estejam submetidos à sindicância ou processo administrativo disciplinar”
(art. 18, caput, LC nº 98/2011), sendo que “findo o prazo do afastamento sem
a conclusão do processo administrativo, os servidores mencionados nos
parágrafos anteriores retornarão as atividades meramente administrativas,
com restrição ao uso e porte de arma, até a decisão de mérito disciplinar”
(art. 18, § 5º, LC nº 98/2011); CONSIDERANDO que, na espécie, restaram
evidenciados elementos aptos a viabilizar o afastamento do processando das
suas funções, nos moldes do art. 18 e parágrafos, da Lei Complementar nº
98/2011, posto que os fatos imputados aos servidores constituem-se como
ato incompatível com a função pública, gerando clamor público e tornando
o afastamento necessário à garantia da ordem pública, à instrução regular do
processo, assim como à correta aplicação da sanção disciplinar; CONSIDE-
RANDO que é preciso consignar que a perturbação da ordem pública e social
acarretada por ações de alguns militares, dentre os quais os acusados, que,
em notória violação aos mais básicos ditames da hierarquia e da disciplina
que regem as forças policias militares, praticaram e vem praticando, nas
últimas horas, inúmeros atos em transgressão a uma vasta gama de normas
que integram o regime disciplinar militar de que cuida a Lei nº 13.407/2003;
CONSIDERANDO que as infrações objeto do presente Conselho, para além
de configurar quebra dos deveres funcionais a que estão submetidos os agentes
militares, podem ainda caracterizar a prática de ilícitos previstos no Código
Penal Militar, tais como os crimes de motim, insubordinação e abandono de
posto; CONSIDERANDO que atos como esses, supostamente revelam-se
contrários à dignidade da função e, acima de tudo, indicam afronta e desres-
peito às instituições públicas deste País, haja vista ser de conhecimento geral
as medidas que, nos últimos dias, foram tomadas pelo Ministério Público do
Estado e pelo Poder Judiciário cearense no bojo da Ação Civil Pública em
trâmite perante a 3ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Fortaleza/CE
(Proc. 0211882-32.2020.8.06.0001), ambos uníssonos na posição contrária
a qualquer movimento tendente à greve no âmbito das Corporações Policiais;
CONSIDERANDO que no presente momento, a permanência dos acusados
em serviço poderá acarretar grave prejuízo à preservação da ordem pública,
tendo em vista que, uma vez mantidos em atividade, há uma maior probabi-
lidade de incitarem colegas de farda a aderirem ao ilegítimo e infundado
movimento paredista, gerando, com isso, crescimento dos riscos à paz e à
incolumidade social, bem como redução do sentimento de segurança desejado
pela população; CONSIDERANDO que embora relevante e justificado, o
afastamento preventivo, por si só, já não se apresenta como medida adminis-
trativa-disciplinar suficiente a coibir, ou fazer cessar, a prática infracional
que deu ensejo à abertura deste Conselho de Disciplina, de modo a impedir
que os acusados, ainda que afastados, continuem a praticar atos ou participar
de movimentos como o que levou a responder ao presente procedimento;
CONSIDERANDO que, em face desse cenário, torna-se imperiosa a adoção
de outras providências administrativas, as quais se mostrem, ao mesmo tempo,
adequadas e necessárias a evitar a reiteração da conduta infracional objeto
desta investigação. Além do que, deve-se adotar medida que coíba outros
membros da segurança pública do Estado do Ceará a adotar idêntica prática
transgressiva; CONSIDERANDO que o poder geral de cautela, prerrogativa
inerente à competência de qualquer autoridade julgadora, na seara adminis-
trativa ou judicial, que se preste, por obrigação institucional, a atuar como
instrumento de aplicação da lei e, sobretudo, de preservação da ordem pública
e social, como se dá caso desta Controladoria-Geral de Disciplina; CONSI-
DERANDO, ainda, que o poder geral de cautela administrativo encontra
fundamento no art. 45, da Lei Federal nº 9.784/1999, segundo o qual, “em
caso de risco iminente, a Administração Pública poderá motivadamente adotar
providências acauteladoras sem a prévia manifestação do interessado”. José
dos Santos Carvalho Filho (Processo administrativo federal. – Comentários
à Lei no 9.784, de 29.1.1999 – 5. ed. rev., ampl. e atual. até 31.3.2013. – São
Paulo: Atlas, 2013, p. 219), ao comentar o dispositivo, explica: “O risco é o
de haver algum dano. Por isso, pode dizer-se que iminente é o risco que está
prestes a propiciar a ocorrência de fato causador de algum tipo de dano”;
CONSIDERANDO que o Supremo Tribunal Federal já teve a oportunidade
de consignar: “a regra seria despicienda, por ser implícito, na norma que
outorga o poder de decidir, o poder cautelar necessário a garantir a eficácia
da eventual decisão futura” (STF, Segunda Turma, RMS nº 31.973/DF, Rel.
Min. Cármen Lúcia, j. em 25/02/2014, DJe-117 div.17-06-2014 pub. 18-06-
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DIÁRIO OFICIAL DO ESTADO | SÉRIE 3 | ANO XII Nº039 | FORTALEZA, 23 DE FEVEREIRO DE 2020
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